O universo de Santos Dumont (1873-1932) transformado em moda. Você pode imaginar o chuveiro com aquecimento da casa do pai da Aviação, em Petrópolis, na Região Serrana do Rio, como inspiração para uma bolsa elaborada com resíduo de laminado sintético? Ou o design do 14 Bis sendo recriado em módulo de couro Finileather que prevê a diminuição de resíduos no corte a laser e montado em encaixes que dispensam costura e utilizado como casaco sobre vestido de frente única ou peças para mobiliário? Pois o estudo realizado pela curadora do Projeto Referências Brasileiras, Julia Webber, consultora do Núcleo de Design do Inspiramais, coordenado pelo designer Walter Rodrigues, ao decodificar os signos da cidade imperial, também lançou um olhar sobre a resistência da cultura africana – com a capoeira e os saltos que são verdadeiros voos -, mapeando importantes influências e abrindo um novo espaço para o design originar coleções de calçados, acessórios, joias, moveis e confecções. O resultado do projeto em protótipos foi bonito de se ver no Inspiramais 2020_II – Único Salão de Design e Inovação de Materiais da América Latina, realizado no Centro de Eventos Pro Magno, em São Paulo.
Em tempo: as duas últimas edições do Referências Brasileiras tiveram alguns protótipos selecionados para a Semana de Design de Milão e, como friso, é a criatividade made in Brasil ganhando o mundo e a internacionalização do Inspiramais corroborando a importância e relevância de um trabalho em união total. Promovido pela Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal), Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB) e Programa de Internacionalização da Indústria Têxtil e de Moda Brasileira (Texbrasil), Brazilian Leather, By Brasil Components, Machinery and Chemicals e Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), o Inspiramais abrange toda a cadeia dos setores de moda, calçadista e moveleiro, apresentando mais de 1.000 materiais inovadores para as indústrias nacionais e da América Latina e foi conferido por designers, empresários, profissionais da moda e players das indústrias de calçados, bolsas, acessórios, vestuário e móveis de Norte a Sul do país e do exterior.
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O Referências Brasileiras, assim como o Projeto Iconografia Local, foi pautado pelas inspirações para 2021_I e permeadas pela palavra-chave “Sincronia”, a partir dos estudos feitos pelo Núcleo de Design da Assintecal. Conferimos as novas perspectivas e tecnologias voltadas para a moda e com o objetivo de globalizar e inserir ainda mais a cultura brasileira mundialmente. Entre os objetivos, o Referências Brasileiras busca incentivar a criação de produtos com o olhar voltado para referências de regiões específicas desse nosso país tão plural.
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Entre o encontro de Santos Dumont e seus inventos – degraus modulares para economizar espaço, um chuveiro com aquecimento, o balão Brésil e o14-Bis – e a as rodas de samba e capoeira, os voos de conquistas e resistência sintetizam o projeto: inventar uma nova década, voar juntos e promover uma sinapse global. Para esta edição, o Referências Brasileiras contou com a parceria das empresas Aletta, Cipatex, Cuscoloko, Curtume Finileather , Curtume Nova Kaeru, Despi, Junior Costa,LRB Tecidos, Mangue, Manoela Moog, Master Bord, Nipesi, Stickfran, Werner, Visual.
Em entrevista ao site Heloisa Tolipan, Julia Webber contou que trabalhou com duas cores da cartela do tema “Sincronia” 2021_I: rosa e azul. Ela explicou que, a partir da sincronia, pensamos em conexão e sinapses. “São muitas informações, movimentos e nós entendemos que, com todas essas transformações da internet, das tecnologias, da robótica… é possível um renascimento de ideias, uma transformação tal qual a época do Renascentismo com Leonardo da Vinci, de mudança de pensamento, de mindset da sociedade. E, pensando nessas conexões na cidade de Petrópolis, construímos um paralelo entre Santos Dumont e os capoeiristas, porque ele era uma pessoa muito à frente do seu tempo e que realmente se preocupava em unir… Toda pesquisa e invenção dele em torno do avião foi para unir as pessoas e a sociedade e fazer esse intercâmbio mundial. E podemos fazer uma analogia com os capoeiristas que conheci em Petrópolis com todas essa resistência que os descendentes de africanos têm para manter a cultura e os traços deles desde o início da História do Brasil. Com o movimento dos corpos, os saltos reforçam essa resistência em busca de um voo de liberdade, que era o que Santos Dumont também sonhava”, comentou Julia.
Portanto, esse mergulho em Petrópolis se transformou em superfícies de construções modulares, como por exemplo módulos de couro em que quase não têm resíduo de corte e eles se encaixam formando uma superfície, que não precisa de costura; brincadeira com os ângulos retos do 14 bis na criação dos protótipos; utilização de resíduos para confecção da bolsa-chuveiro, um novo olhar sobre objetos, como o chapéu e o relógio de pulso de Santos Dumont; a possibilidade de agregar informação da escadaria da casa do pai da aviação numa construção modular também e buscando – o que é umas das inspirações para 2021 – construções de estética inspiradas em linhas digitais. “Foi aí que surgiu a ideia de eu desenhar uma estampa a partir das fotos dos capoeiristas. Apliquei em tecido e até em coleira para pet. Criamos também calçado em ângulos retos inspirados no 14 Bis e confeccionado com pirarucu. As roupas foram construídas em cima da alfaiataria de Santos Dumont de modo a se ter toda uma ideia de coletes, camisas, colarinhos altos… A risca de giz foi revisitada como símbolo de se traçar uma trajetória das invenções de aviação, como o balão dirigível e o 14 Bis. A seda utilizada remete à leveza do balão”, exemplificou Julia.
“Santos Dumont solicitou a Louis Cartier que criasse um relógio de pulso, pois era impossível pilotar um avião e puxar o relógio do bolso. Assim começou o uso de relógio de pulso na moda masculina e Cartier lançou o modelo batizado ‘Santos Dumont’. E pensando na escadaria da casa do nosso grande inventor foi possível desenvolver um relógio com módulos de metal que remete ao formato das escadas que só podem ser subidas com o pé direito”, contou Julia, acrescentando: “Ele é um ‘mimo’ porque tem essa parte dourada e prateada, em formato quadrado, com uma turmalina azul fazendo os ponteiros girarem, como era o relógio original que Santos Dumont solicitou ao amigo Cartier”.
A curadora do projeto ainda relembrou um episódio da história no qual Santos Dumont teria usado seu chapéu Panamá para abafar uma fagulha de fogo durante um voo de dirigível. Quando chegou ao solo, a aba do chapéu teria caído e ele foi fotografado assim. Portanto, um protótipo de chapéu do aviador foi desenvolvido em organza de seda engomada da Werner Tecidos. O chapéu transparente conta com a estampa dos capoeiristas e foi criado com recortes sinuosos em referência à linhas digitais”, comentou Julia.
Para a curadora essa viagem ao mundo de Santos Dumont foi uma verdadeira experiência de conexão. “Aprendi muito sobre o inventor que pensava a conexão entre as pessoas como tônica de vida. E instintivamente quem também acabou conectando dessa vez foi a nossa equipe com a Jussara Oliveira que nos conectou com o instrutor de capoeira Imbaúba. E tivemos apoio do Sebrae. Os capoeiristas nos mostraram que fazem poesia com seus corpos e cada salto é um salto de resistência em busca de voos de liberdade, refletiu Julia Webber. As linhas digitais delineiam os movimentos dos capoeiristas de Petrópolis criando poesias e saltos de resistência. Isso vira padronagem através do bordado da Master Bordados sobre organza de seda Werner Tecidos.
A partir do briefing de se criar uma bolsa inspirada no chuveiro da casa de Santos Dumont, o resíduo de laminado sintético da Cipatex ganhou nova vida com ajuda do beneficiamento da LRB Tecidos “e assim pudemos agregar design ao processo que mudou o mindset de criação aqui. Normalmente pensamos primeiro no design, modelagem, depois no corte sobre a matéria. Como tínhamos nossa matéria em tiras, o processo começa ao contrário: primeiro entender a matéria, depois pensar como pode funcionar um corte e aí encontrar a modelagem em cima apenas do conceito da criação e apenas então chegar na modelagem. Procurei a Helen Minuzzi, que está à frente da Mangue Clothing e só trabalha com reaproveitamento de resíduos, gerando um movimento de sustentabilidade. O resultado foi uma bolsa mantendo a ideia do chuveiro que parece um balde e tem duas cavidades em alusão à água quente e fria”, relatou Julia.
O Referências Brasileiras faz paralelos de como é possível trabalhar uma tendência e agregar um storytelling brasileiro, possibilitando assim que o mercado tenha um diferencial em meio a um mar de produtos tão similares no mercado de moda. “Então, a ideia é mostrar que podemos ter o storytelling da nossa identidade, de algo que está perto da gente, ligado à nossa história e alinhado com as tendências globais. Em relação à confecção das roupas, Júlia comenta que os modelos criados foram construídos com base na alfaiataria de Santos Dumont, de modo a abranger a ideia dos coletes, camisas, colarinhos entre outras características específicas da época. “Numa brincadeira com a ideia de um balão estar saindo de baixo da alfaiataria de Santos Dumont, em cocriação com a Lojas Visual, temos uma peça em risca de giz para alinhar bem como o colarinho alto (influência do nosso aviador) e a seda com poliamida biodegradável na estampa Capoeira desenvolvida pela Werner Tecidos. Já o casaco azul sobre o vestido frente única de seda e linho feito pelo Junior Costa também com tecido Werner tem a modelagem com a ideia de asas do avião recolhidas a formar dobras que criam movimentos lineares”, contou Julia Webber.
Além de todas as criações vanguardistas citadas aqui, o Projeto Referências Brasileiras ainda apresentou acessórios de homeware, como por exemplo, porta clips, porta papel, porta lápis, pufes. Destaque também para os protótipos de guia para pet, coleira e bandana. A empresa Cuscoloko desenvolveu os produtos que serão comercializados, assim como a coleção Voos de Liberdade com as estampas do projeto. É a importante influência cultural originando coleções de calçados, acessórios, joias, móveis e confecções.
Promoção – O Inspiramais é promovido pela Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal), Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB) e Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e Brazilian Leather.
Tem patrocínio da Cipatex, Altero, Bertex, York, Advance Têxtil, Sprint Têxtil, SappiDinaco, Wolfstore, Caimi&Liason, Brisa, Intexco, Cofrag, Colorgraf, Endutex, Componarte, Branyl, Suntex, Sultextil, Aunde Brasil e Camaleoa.
Conta com o apoio da ABEST, ABIACAV, Abicalçados, IBGM, Instituto By Brasil (IBB),IN-MOD, ABVTEX, Ápice, Abimóvel e Guia JeansWearbyStyle WF e Francal.
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