No ar em ‘O Cravo e a Rosa’, Luís Melo diz sobre etarismo: ‘Difícil papéis para grandes atores. Após 60 anos é luta’


Enquanto brilha na reprise de ‘O Cravo e a Rosa’, na qual interpretou Batista, um de seus personagens mais queridos por ele e pelo público, o ator, um dos melhores de sua geração, joga luz a esse preconceito presente também em sua profissão. “Não estão mais escrevendo para atores que passam de determinada idade. É raro isso acontecer ou, então, tem um ou dois papéis. Em geral, os papéis que existem não são personagens à altura da trajetória e da carreira dos artistas”, pontua ele, que, em breve, depois de 6 anos, retorna aos palcos com Contos. O espetáculo, faz parte da Mostra Pôr do Sol, que vai abrir pela primeira vez ao público o espaço Campo das Artes, que ele vem construindo desde 2008, no Paraná, sua terra natal, onde fixou residência novamente desde o início dos anos 2000

No ar em 'O Cravo e a Rosa', Luís Melo diz sobre etarismo: 'Difícil papeis para grandes atores. Após 60 anos é luta'
Luís Melo explica que o etarismo na área artística é um problema mundial (Foto: Paulo Henrique Camargo)

Luís Melo: “Entre os meus personagens mais populares, o Batista, de ‘O Cravo e a Rosa’ ganha com certeza. As pessoas lembram muito” (Foto: Paulo Henrique Camargo)

* Por Carlos Lima Costa

Temos observado em empresas dos mais diversos segmentos uma forte comunicação sobre diversidade e inclusão. No entanto, muitas vezes, o discurso não se coaduna às práticas. E a questão do etarismo, o preconceito baseado na idade, tem sido sentido por muitos de uma forma extremamente crescente e ganha fortíssimo eco no “tribunal” das redes sociais. Um movimento totalmente contrário à expectativa de vida da população mundial – que vai chegar aos 100 anos em breve. A classe artística também sofre com o preconceito. Nos últimos anos, grandes papéis para os mais experientes estão sendo cada vez mais difíceis. Em entrevista exclusiva, o ator Luís Melo, que brilha na reprise da novela O Cravo e a Rosa, enfatiza a gravidade da situação: “Isso é uma das lutas que a gente está tentando transformar em outro ponto. Existe questionamento, inclusive, até com os próprios autores que não estão escrevendo para atores que passam de determinada idade. É raro isso acontecer ou, então, temos um ou dois papéis. É difícil aparecerem bons papéis para grandes atores. Passou de 60 anos é uma luta”.

O ator ressalta que esta situação se repete também no cinema. “Existe uma campanha, não só no Brasil, é mundial. Os atores e atrizes americanos, por exemplo, estão produzindo seus próprios filmes para poder ter papel. Existe a necessidade de ter um núcleo que segura o coração do trabalho. É um pouco da nossa função. Não se sustenta uma novela inteira se você não tiver um meio de campo, que a gente chama de segurança, que qualquer coisa corre para aqueles outros núcleos. O que a Marieta (Severo) está fazendo, em Um Lugar Ao Sol, é tão incrível. Ela carrega os jovens, alguns já muito talentosos e é uma dádiva eles estarem trabalhando com pessoas assim como ela. Temos a Ana Lúcia Torre em Quanto Mais Vida, Melhor!, ou como o Lima (Duarte) e o Emiliano Queiroz que fizeram participação em Além da Ilusão. É impressionante. Quando Lima Duarte atua você fica com a interpretação dele na memória durante a novela inteira”, enfatiza.

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Luís acha que, quando se tem uma força dramatúrgica, ela é capaz de “ultrapassar e vencer essa barreira”. O ator tem deixado sua marca na TV em magistrais interpretações, como o banqueiro Nicanor Batista, em O Cravo e a Rosa. “É impressionante o quanto a novela foi exibida e como as pessoas assistem e amam. É um fenômeno. O Walcyr (Carrasco) usou ali a receita de pegar um clássico, um (William) Shakespeare (1564-1616), e adaptar para a telenovela (inspirada em A Megera Domada), como uma história infantil. Você vai contando e não cansa de repetir, porque são grandes clássicos. É uma trama de época, com figurinos bonitos, cenários, a arte, uma história agradável com todos os núcleos bem divididos e com importância. A adaptação de clássicos da literatura são ideias ricas. A vida já é tão dura, então, vamos brincar, sorrir, deixar que a vida tenha um pouco mais de poesia e magia”, ressalta.

"Essa situação de constituir relacionamentos em diferentes lugares é muito comum, faz parte da nossa sociedade, por isso as pessoas se identificam", frisa o ator (Foto: Paulo Henrique Camargo)

“O que a Marieta (Severo) está fazendo, em ‘Um Lugar Ao Sol’, é tão incrível. Ela carrega os jovens, alguns já muito talentosos e é uma dádiva eles estarem trabalhando com pessoas assim como ela”, frisa o ator (Foto: Paulo Henrique Camargo)

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E lembra do prazer de interpretar Batista, personagem com característica patriarcal forte no cuidado com as filhas. “Ele tinha aquela questão tradicional, tem que casar a mais velha, a mais nova. Viúvo, tinha a vida dupla, mantendo e ao mesmo tempo amando duas famílias, algo politicamente incorreto e, depois, as famílias começaram a se dar bem. Então, foi ótimo poder brincar com essa personalidade, passar essas características da comédia clássica, de entra e sai aqui, de trocar de roupa, ser outra pessoa, de quase ser pego, de abrir uma porta e conseguir fugir pela janela. Essas cenas sempre funcionam”, pontua.

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AS MEMÓRIAS AFETIVAS

Na época, o público lidou de forma leve com o fato de Batista ter duas famílias. “As pessoas perguntavam: ‘Quando você vai assumir para a outra família? Queriam que o Batista tivesse uma companhia. Deu muita liga com a Joana, personagem da Tássia (Camargo), as brincadeiras, e com as crianças, aqueles filhos maravilhosos, que as pessoas queriam que aquilo se concretizasse. Quando ele começou a ter uma relação com a Marcela, personagem da Drica Moraes, aí torciam para que ele ficasse com a lavadeira (Joana), porque sabiam que a outra só estava querendo tirar dinheiro dele. Como gostavam dessa novela onde a família toda podia sentar para assistir, não tinha nada constrangedor para as crianças”, observa.

Luís Melo e Tássia Camargo em cena de O Cravo e a Rosa (Foto: Globo/Cristiane Isidoro)

Luís Melo e Tássia Camargo em cena de O Cravo e a Rosa (Foto: Globo/Cristiane Isidoro)

No que se refere às peripécias amorosas, Luís assegura que nunca viveu nada parecido com a realidade do Batista. “Isso nunca dá certo, mentira tem perna curta. E é o tipo de coisa que não eu gostaria que fizessem comigo. Eu não passei perto de nada disso, mas fui testemunha e falava: ‘Não me envolva nesse rolo’. Agora, é interessante quando usa isso em uma novela e consegue equilibrar a questão da traição entre o humor e algo pesado. Como aconteceu com meu mais recente trabalho na TV, O Outro Lado do Paraíso, (exibida até maio de 2018), onde meu personagem tinha uma amante. Hoje em dia as mulheres estão empoderadas, então, a primeira atitude que a mulher de meu personagem fez foi também arranjar um amante jovem”, lembra ele, que no cinema participou de filmes como Terra Estrangeira, de Walter Salles e Daniella Thomas, e Jenipapo, de Monique Gardenberg.

Luís, então, faz outra observação sobre suas atuações na telinha. “Sou privilegiado, porque tem três produções que são as rainhas das reprises, A Casa das Sete Mulheres (atualmente está no Viva), O Cravo E A Rosa e O Auto da Compadecida. Atuei nas três e as pessoas não esquecem. Fico na dúvida de qual personagem gostam mais, se é do Bento Manuel, do Batista ou do Diabo”, indaga.

Luís Melo caracterizado com o banqueiro Nicanor Batista, de O Cravo e a Rosa (Foto: Globo/Nelson Di Rago)

Luís Melo caracterizado com o banqueiro Nicanor Batista, de O Cravo e a Rosa (Foto: Globo/Nelson Di Rago)

Em Nos Tempos do Imperador, ele iria interpretar outro Batista, que acabou sendo feito por Ernani Moraes. Devido à pandemia, Luís deixou a trama. “Cheguei a gravar cenas e seguraram o máximo que puderam. Era grande o número de infectados, ainda não existia a vacina, então, tinha que andar de avião, porque eu não moro no Rio, ou ir de carro de Curitiba, o que é extremamente cansativo. Foi a primeira vez que eu não estava fazendo algo, nem em teatro. Nunca tinha saído no meio de um projeto e estava vendo o carinho de todos. O importante é a novela e a nossa saúde. Sou ex-fumante, minha preocupação sempre foi por isso. Eu tinha acabado de parar de fumar na época que surgiu a Covid”, explica ele, que teve a doença, em janeiro deste ano, quando estava prestes a ser imunizado com a terceira dose da vacina. Perdeu olfato, paladar, se assustou, mas não teve maior gravidade.

O LEGADO DE LUÍS PARA AS ARTES

Profissionalmente, além de deixar o elenco de Nos Tempos do Imperador, Luís Melo foi impactado pela pandemia no trabalho que desenvolve no Sul do país. O ator mora no Paraná, onde criou o Campo das Artes, espaço cultural para residências artísticas, em São Luiz do Purunã, município de Balsa Nova, a 40 quilômetros de Curitiba. O terreno com área total de 164 mil metros quadrados, integra a Área de Proteção Ambiental da Escarpa Devoniana. “Trabalho com as escolas, com as universidades, com a vivência dessa comunidade dentro do campo, sendo que não poderia ter nada presencial, então, tudo também parou”, cita.

Desde março de 2020, ele se dedicou a resolver questões estruturais do espaço e alguns projetos que eram para ser presenciais foram virtuais. As atividades presenciais retornam no próximo dia 11 de março, com a Mostra Pôr-do-Sol. “Vão ser 45 dias de espetáculos, mostras, uma série de acontecimentos”, comenta sobre o evento que integra a programação do Festival de Teatro de Curitiba. Tudo gratuito. Basta reservar os ingressos no site www.campodasartes.com.br.

A Mostra, de certa forma, inaugura o Campo das Artes, que vinha sendo construído desde 2008 e, pela primeira vez, vai ser aberto ao público. Seis espetáculos de três companhias teatrais de Curitiba vão ser apresentadas. E vai marcar também o retorno de Luís Melo aos palcos depois de seis anos, com a peça Contos. Durante o período, outros trabalhos das mesmas companhias vão ser disponibilizados de forma virtual no Canal do Campo das Artes no YouTube. “Neste momento de tantas restrições estamos fazendo o impossível para realizar esse evento e inaugurar definitivamente o espaço”, diz. Nos últimos anos, esporadicamente, promovia visitas guiadas, oficinas, rodas de conversa, imersões artísticas.

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Natural da capital paranaense, Luís começou a alternar a vida entre o Rio, onde gravava O Cravo E A Rosa, e a sua terra natal. Em geral, os atores saem de suas cidades e vão para Rio e São Paulo onde as oportunidades na área são melhores. Sem receio, ele fez esse movimento contrário. “Eu saí de Curitiba para fazer teatro de pesquisa, em São Paulo, em 1985, pois não encontrava isso na minha cidade. Fui para o Centro de Pesquisa Teatral, o CPT, do Antunes. Quando comecei a fazer novela dez anos depois, em 1995, tudo ficou urbano demais. Adoro o mar, mas o Rio não era a minha paisagem. A minha paisagem é o pinheiro, a geada, o nevoeiro. Daí decidi retornar para Curitiba. A distância de São Paulo para o Rio é basicamente a mesma de Curitiba para o Rio. E chego mais rápido no estúdio indo de Curitiba para o Galeão”, conta ele, que criou, na época o Ateliê de Criação Teatral, na capital paranaense.

Para se dedicar ao empreendimento, o ator pediu um ano de afastamento da televisão, explicou que não queria renovar contrato, mas a Globo não abriu mão dele. “Não queria ter compromisso, ser chamado e dizer ‘não’. Mas pediram que eu renovasse e me prometeram que eu não iria trabalhar naquele período. As pessoas me perguntavam se não tinha medo de ir morar lá, porque que iria precisar da televisão para capitalizar e investir no projeto. Mas eu necessitava experimentar”, comenta.

Em janeiro deste ano, dias antes de ser imunizado com a terceira dose da vacina contra a covid, Luís teve a doença (Foto: Paulo Henrique Camargo)

Luís vai inaugurar o Campo das Artes, projeto que vinha sendo construído desde 2008 (Foto: Paulo Henrique Camargo)

Luís ressalta algumas curiosidades. “Gosto muito de saber que tenho uma ponta de responsabilidade pelo Poeira (teatro carioca de Marieta Severo e Andréa Beltrão), porque o Aderbal (Freire-Filho) foi a primeira pessoa que dirigiu a gente aqui em Curitiba, no Ateliê. Na época, ele começou a namorar a Marieta e ela veio, conheceu o local, e, logo depois que voltaram, Marieta se associou com a Andréa e fundaram o Poeira. O (Marco) Nanini ensaiava peça com Felipe Hirsch aqui e, depois abriu um espaço na Gamboa, (Galpão Gamboa). Ele falava: ‘Melo você faz uma coisa que a gente tem vontade de realizar, mas não tem coragem’. É muito mais difícil no Rio em São Paulo, porque nesses locais tudo é mais caro. Ter uma casa e manter é difícil. Eu mantive ,porque o meu salário na Globo eu investia nisso. Todos os colegas que vinham passando em Curitiba conheceram o Ateliê”, orgulha-se.

O maior tempo que Luís ficou sem gravar foi depois que terminou O Outro Lado do Paraíso. “Como já estava reservado para uma novela (Nos Tempos do Imperador), eu não entrei em outras e daí veio a pandemia”, explica ele, contratado da emissora desde sua estreia, em 1995, com Cara & Coroa.

“Existe uma nova política na casa, mas por enquanto estou contratado. Por um lado dá segurança, mas, do outro lado, proporciona liberdade de poder participar de outros projetos. Sempre fui correto com eles e vice-versa. Só disse não para algo, quando tinha um motivo especial. É importante manter relação verdadeira com a empresa. E é bom não ser um ator de um diretor só, de um autor só. Isso facilita também. O meu projeto de vida é o Campo das Artes. Agora, o de outros atores é pegar esse outro caminho de fazer só seriados nos streamings ou filmes. E dá certo quando se dedica a isso. Acho positivo. Tem tantos artistas incríveis, patrimônios nossos, que esses seriados estão resgatando”, aponta.

Em Mostra no Campo das Artes, Luís vai encenar a peça Contos, que marca seu retorno ao teatro depois de seis anos Em janeiro deste ano, dias antes de ser imunizado com a terceira dose da vacina contra a covid, Luís teve a doença (Foto: Paulo Henrique Camargo)

Em Mostra no Campo das Artes, Luís vai encenar a peça Contos, que marca seu retorno ao teatro depois de seis anos Em janeiro deste ano, dias antes de ser imunizado com a terceira dose da vacina contra a covid, Luís teve a doença (Foto: Paulo Henrique Camargo)

Luís não se abstém de falar sobre a conturbada relação do governo com a cultura. “Onde eu moro, o negacionismo é muito forte. As pessoas não estão querendo dar o braço a torcer. Criou-se um bicho papão que não dá nem espaço para uma terceira via. As pessoas estão com um ódio mortal contra o PT, principalmente no Sul. Mas que terceira via tem? Não existe. Tem poucos bolsominions arrependidos por aqui. E o ódio aos artistas está muito latente com o discurso deles de que ‘acabou a mamata’”, afirma.