*por Vítor Antunes
Por muito tempo o Brasil conviveu com filmes de terror que beiravam – ou intencionavam – o trash, que evidenciavam a falta de recurso para fazer o gênero do terror. Ou ainda, o “terrir” , comum nos anos 1980 que debochava ainda mais da falta de grana para fazer terror à brasileira, como num dos clássicos brasileiros, o filme “As Sete Vampiras“, de 1986, dirigido por Ivan Cardoso. Definitivamente, esta não é a intenção de Paulo Fontenelle em “Sala escura“, longa que estreou na semana passada. “Nossa intenção é fazer um filme que seja tecnicamente impecável. Não dispomos nem de 1% do orçamento de um filme tradicional, americano. Mas nem por isso temos a intenção de apresentar algo de pouca qualidade, malfeito”. Inclusive, aponta Fontenelle que a classificação indicativa do longa ficou como 18 anos justamente em razão do extremo realismo do longa. “Sangra onde tem que sangrar e na medida certa. Não há nenhum exagero”.
A intenção do cineasta é, justamente, diminuir o preconceito contra o gênero através da produção de um longa de qualidade. “As pessoas não acreditam num terror brasileiro. Então, você já parte do princípio de que está nadando contra tudo e contra todos. E por se tratar de um longa realizado por restrições de orçamento, a gente não pode contar com a sorte, com uma resolução na edição ou no corte, ou ainda na computação gráfica. Não dá. A nossa proposta é fazer um filme que se destaque, especialmente para aquela pessoa aficionada no gênero e que possa ver ali algo diferenciado. Além de ser este um filme enxuto também na duração, de modo que o espectador, quando relaxar, perceber que o filme terminou. Mais que isso, queremos que as pessoas esqueçam de pegar o celular”.
Como se faz entretenimento hoje, se o que importa hoje são 30 segundos de atenção ou a ridicularização de tudo? O que viraliza, o que faz sucesso, é o que é ridículo. É uma batalha contra o vício à tecnologia, e isso nos faz repensar tudo. Estamos vivendo na cultura do imediatismo – Paulo Fontenelle
A expectativa do diretor é de que, tendo “Sala Escura” bons resultados, possa abrir um caminho para o gênero no Brasil. “O terror no Brasil é hoje quase inexistente. Acho que o seu sucesso pode fazer mais gente explorar o segmento no cinema nacional”.
Gravado ainda antes da pandemia, o ator Paulo Lessa contou sobre as circunstâncias únicas em que o filme foi produzido, pois que ele retornava de uma gravação no Marrocos. “Eu estava gravando uma novela no Marrocos e tive que voltar num avião fretado com vários brasileiros. E aí já tava instalada a pandemia. Era outro tempo em que eu nem era pai, e todo o elenco vivia também outra situação de vida, numa outra perspectiva de carreira”.
Leia entrevista com Paulo Lessa na íntegra: Paulo Lessa estreia novo filme de terror, volta em “Encantados” e refuta rótulo de “galã acidental”
Contextualizar texto, mantendo, porém, as aspas preservadas. Para Paulo Fontenelle, o grande desafio em fazer cinema hoje é dividir a atenção com o celular. As pessoas, cada vez mais, tornaram-se reféns do aparelho. “As pessoas ficam uma hora, uma hora e meia, duas horas, 30 minutinhos ali focadas, vendo algo, mas hoje em dia, elas não conseguem mais fazer isso. Não conseguem ficar sem olhar o celular por duas horas, independente da situação. Seja num jogo de futebol, onde você está ali assistindo, todo mundo acaba pegando o celular. Seja num teatro infantil, na apresentação do filho na escola, as pessoas estão constantemente checando o celular. Não conseguem parar por duas horas sem olhar o aparelho. Isso, para mim, é o mais preocupante e perigoso. Poderia ser até um exercício: ‘Galera, estamos aqui, vamos deixar os celulares de lado’. Parece chato, mas não é só uma questão de consciência ou concentração, é algo mais profundo. Não é mais apenas uma questão geracional, é algo que afeta as pessoas na totalidade. Elas não conseguem se desvencilhar do celular”.
O diretor Paulo Fontenelle segue sua jornada no cinema, equilibrando a nostalgia de suas memórias com a ambição de inovar em gêneros que desafiam o cinema nacional. Se Mariana resgata o lirismo de uma paixão adolescente vivida entre o Rio de Janeiro e Belo Horizonte, Sala Escura mergulha no terror com o objetivo de elevar a qualidade técnica do gênero no Brasil. Em tempos de distração constante e da hegemonia do imediatismo, Fontenelle aposta em narrativas que prendem o espectador não apenas pela história, mas também pela experiência imersiva. Seja ao emocionar com relatos pessoais ou ao provocar tensão em um gênero pouco explorado no país, ele busca relembrar que o cinema, afinal, é um convite a esquecer o mundo por algumas horas — e, com sorte, deixar o celular de lado.
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