Sob o comando de Marcelo Varzea, 15 artistas nus no palco abordam temas como etarismo, transfobia e assédio


O tema vai ser retratado no espetáculo O Que Meu Corpo Nu Te Conta?, que o ator, diretor e dramaturgo prepara com seu Coletivo Impermanente, que surgiu de forma online na pandemia. “O nosso tempo de vida aumentou, mas as pessoas ainda associam felicidade e entusiasmo com a juventude. Então, quando passamos dos 50, dos 60, parece que não somos mais felizes ou entusiasmados e existe um descarte. E temos mais 20, 30, 40 anos pela frente. Precisamos falar sobre etarismo, senão vamos criar uma doença social muito grande”, pontua ele, que, no momento, pode ser visto nas séries Temporada de Verão, da Netflix, e Aruanas, do Globoplay. Na peça, quinze artistas nus vão estar em tabuleiro no palco. “Eles vão contar histórias reais das vivências desses corpos políticos, sobre este preconceito e outras questões como gordofobia, assédio, machismo, transexualidade, homofobia e transfobia. O artista, antes de tudo, deve ter noção da sua cidadania”, enfatiza

“Antes de tudo, o artista deve ter noção da sua cidadania", ressalta Marcelo (Foto: Saulo Segreto)

“Antes de tudo, o artista deve ter noção da sua cidadania”, ressalta Marcelo (Foto: Saulo Segreto)

* Por Carlos Lima Costa

Ator, diretor e dramaturgo Marcelo Varzea, que no momento pode ser visto nas séries Temporada de Verão, da Netflix, e Aruanas, do Globoplay, é cidadão questionador em sua rede social, na vida e no trabalho que conduz. Quando veio a pandemia e o isolamento, criou uma oficina online, na qual atores e atrizes criaram textos a partir das experiências pessoais. O principal resultado? Vai virar peça batizada O Que O Meu Corpo Nu Te Conta?, na qual 15 artistas nus em um tabuleiro no palco vão retratar histórias reais das vivências desses corpos. Marcelo vai assinar a direção e aponta o etarismo como um dos temas mais importantes, uma questão que necessita ser falada com urgência. “O nosso tempo de vida aumentou. A ciência evoluiu e permite que a gente viva mais com mais qualidade, mas de alguma maneira as pessoas ainda associam felicidade e entusiasmo com a juventude. Então, quando passamos dos 50, dos 60, parece que não somos mais felizes ou entusiasmados e existe um descarte. E temos mais 20, 30, 40 anos pela frente. Precisamos falar sobre isso, porque, caso contrário, vamos criar uma doença social muito grande. Fico muito puto quando me dizem ‘você tem uma alma jovem’. Eu tenho uma alma entusiasmada. E muito jovem não é entusiasmado, tem alma de velho. Associar a juventude ao entusiasmo é de uma ignorância profunda, é uma doença social muito grande”, frisa.

No espetáculo, os atores vão abordar ainda temas como gordofobia, assédio, machismo, transexualidade, homofobia e transfobia. “Antes de tudo, o artista deve ter noção da sua cidadania. Nossos trabalhos servem para rir ou para transformar? Quanto ao pensamento sobre a sociedade, não estou falando de política partidária, apesar de ser esquerdista. Falo sobre política de comportamento e transformação social, de inclusão, equidade de gênero”, enfatiza.

"No final da adolescência, o meu apelido era bacon. Não era gordo, só não era sarado. Mas esse bullying foi um detonador. A partir daí passei a ter uma briga com a balança a vida inteira", conta o ator (Foto: Saulo Segreto)

“No final da adolescência, o meu apelido era bacon. Não era gordo, só não era sarado. Mas esse bullying foi um detonador”, conta o ator (Foto: Saulo Segreto)

A técnica de autoficção, na qual artistas trabalharam como dramaturgos, virou o texto (in)Confessáveis, que teve três versões online com mais de 3.500 pagantes. “Como comecei a trabalhar com artistas do Brasil inteiro, uma juventude bastante ativista, ligada a questões sociais, a gente formou o Coletivo Impermanente, e, além dos (in)Confessáveis, no final do ano fizemos uma prévia do espetáculo que também vamos montar agora”, acrescenta o ator, carioca da Tijuca, que mora na capital paulista desde 1991.

Semelhante aos atores do espetáculo, Marcelo relata que já vivenciou preconceitos. “No final da adolescência, o meu apelido era bacon, de gordinho, de gordura, porque eu não era um surfista, nem da praia. Eu era da madrugada, frequentava o Baixo Leblon. Esse apelido me atormentou por uns três anos. E, na verdade, eu não era gordo, só não era sarado. Mas isso virou uma questão pra mim. Esse bullying foi um detonador. A partir daí passei a ter uma briga com a balança a vida inteira e fico gordo e magro”, explica ele, que durante a pandemia chegou a 91,5 Kg, seu peso máximo. “Tenho uma cara bem magrinha, o meu rosto é fino, então, engordo muito barriga, perna, bunda”, completa ele que mede 1,77m de altura.

Marcelo também já foi alvo de comentários por conta da masculinidade tóxica. “Vejo minhas fotos daquela época, estava gato, mas não queria ir a praia. A questão do pertencimento é sempre difícil. Eu era um menino da Zona Norte, da Tijuca, que, aos 17 anos, foi morar em Ipanema, na Zona Sul. Não era surfista, jogador de futebol de praia, nem carioca descolado. Não me sentia parte daquele grupo. Era um menino mais sonhador, ligado às artes, a literatura, música, à noite. Então, não era um cara padrão de masculinidade. Aquela história: ‘Vai ser artista, é gay; não joga futebol é veado’. Então, teve também essa questão da masculinidade tóxica”, relembra.

Os pais ficaram receosos em relação à profissão que ele desejava abraçar, mas logo o pai o chamou questionando se era aquilo mesmo que ele queria e a partir daí pagou todos os meus cursos. Marcelo se formou na CAL – Casa das Artes de Laranjeiras. “Sou branco, privilegiado, filho de juiz que me bancou. Tenho noção de que sou uma pessoa nessa posição de privilégio. Isso fez com que eu abrisse os olhos para as questões políticas, porque tem um monte de gente que não teve e não tem esse privilégio”, observa.

"Era um menino mais sonhador, ligado às artes, a literatura, música, à noite. Então, não era um cara padrão de masculinidade. Teve essa questão da masculinidade tóxica”, relembra Marcelo (Foto: Saulo Segreto)

“Era um menino mais sonhador, ligado às artes, a literatura, música, à noite. Então, não era um cara padrão de masculinidade. Teve essa questão da masculinidade tóxica”, relembra Marcelo (Foto: Saulo Segreto)

O pai, José Novaes Várzea Filho, morreu em 2017, pouco tempo depois de Marcelo completar 50. “Aí tudo se transformou. Fui dirigir, fazer o meu solo. Vinha participando de musicais, como Cazuza – Pro Dia nascer Feliz, O Musical e Elis, A Musical, e estava ganhando dinheiro com isso. Eventualmente realizava alguns trabalhos legais na TV, mas não estava feliz. Vinha totalmente ligado somente ao entretenimento, sem repertório político, de agente de transformação social. Aí fui fazer esse outro rolê”, pontua.

Quando colocou esses mais de 200 artistas do Brasil inteiro produzindo e criando para si próprios dentro de casa, de maneira online, era uma espécie de atitude política. O movimento chamou atenção de muita gente. “Pessoas que eu admirava e não estavam próximas chegaram perto de mim. Então, como ator os trabalhos voltaram a acontecer durante o isolamento. Isso é energético, um movimento puxa outro”, aponta ele. Workaholic por natureza, quando a pandemia surgiu, estava em cartaz com a peça Sede, de Wajdi Mouawad.

E ressalta outra questão inerente à profissão. Muitos atores acabam sendo chamados quase sempre para interpretar determinados tipos. “Classificam e colocam as pessoas presas em uma caixinha. Por exemplo, comecei a minha vida como ator comediante. Sempre fazia uns tipos mais patetas, atrapalhados, que rendem muito na publicidade. Fiz mais de 150 filmes publicitários na década de 80 e 90, dando vida a esse cara meio bonitinho, meio bobão. Agora, estou em outro momento. Tenho feito policial e vilão. Estou muito nesse lugar”, conta ele, que no cinema já atuou em filmes como A Menina Que Matou Os Pais e A Garota Invisível.

"Na Oficina de Atores da Globo, o diretor não me deixava fazer os tais exercícios de romance. Ele me dizia que eu era comediante. Até em nosso lugar de experimentação nos colocam em uma caixinha", lamenta o ator (Foto: Saulo Segreto)

“Na Oficina de Atores da Globo, o diretor não me deixava fazer os tais exercícios de romance. Ele me dizia que eu era comediante. Até em nosso lugar de experimentação nos colocam em uma caixinha”, lamenta o ator (Foto: Saulo Segreto)

E revela uma curiosidade sobre quando participou da Oficina de Atores da Globo, em 1997/1998. “Não me deixavam fazer os tais exercícios de romance. Me diziam: ‘Você é comediante, nunca vai ser escalado para fazer isso.’ Então, até em nosso lugar de experimentação nos colocam em uma caixinha. Hoje, estou com 55 anos. Depois dos 50, falei: ‘Agora, vou fazer tudo que potencialmente eu achava que podia ser e não experimentei por medo ou porque desejava aprovação.’ Aí voltei a dirigir, ganhei prêmio de direção, comecei a escrever, tive livro editado.” Recentemente, participou de dois livros de crônicas, que reúnem vários autores: Amores Confinados – Histórias Românticas em Tempo Virulentos e Tempus Fugit – Histórias de Morte, Sobrevivência e Recomeços.

Anteriormente, ele já havia lançado um livro, com o texto de sua primeira peça de teatro, Silêncio.doc, na coleção Dramaturgias, da editora Cobogó, de Isabel Diegues. A peça estreou no início de 2018 e a obra foi editada no final do mesmo ano, com prefácio de Alcides Nogueira. “Na verdade, a peça era uma carta que escrevi para minha ex, após a separação. Um amigo resolveu encenar e eu ganhei prêmio de dramaturgo por uma carta de amor. Não fiz uma adaptação, foi ipsis litteris. Não era uma carta pequena. Era a carta de um psicopata mesmo (risos), de uma pessoa que estava sofrendo e resolveu escrever um testemunho, umas 20 páginas. Isso dá um monólogo de uns 50 minutos. Estava meio maluco, tinha uma filha pequena, querendo reconquistar aquele amor, enfim, tentei isso com a porra dessa carta e não consegui, mas anos depois foi montada a peça”, recorda.

Atualmente, a filha, Maria Laura, está com 17 anos, prestando vestibular para jornalismo. Marcelo, que há 13 anos, refez a vida afetiva com a publicitária Valeska Zamboni, chegou a ingressar no mesmo curso, em 1985, mas não se formou. Chegou a fazer produção na extinta TV Manchete. E quando começou a estudar teatro, era produtor e assessor de imprensa das peças de Oswaldo Montenegro, como o musical Dança dos Signos. A primeira peça dirigida por Marcelo, a comédia musical Do Kitsch ao Sublime, em 1993, foi realizada de forma despretensiosa e ficou quase um ano em cartaz. “Começaram a me chamar para dirigir um monte de espetáculos, só que eu era um moleque. Achei que tinha sido sorte e fiquei enrolando. Só voltei a dirigir anos depois. E, como falei, somente depois dos 50 comecei a investir nisso com mais vontade. Ele escreveu um roteiro com John Marcatto, um dramaturgo carioca, que vai ser filmado na Argentina, por Fabio Arte e  Laurentino Blanco, chamado Rompe Cabezas. E o texto Afã, virou um longa escrito em parceria com Giovana Soar.

“Tenho sorte de não ter nenhum bolsonarista na minha família", comenta Marcelo (Foto: Saulo Segreto)

“Tenho sorte de não ter nenhum bolsonarista na minha família”, comenta Marcelo (Foto: Saulo Segreto)

Agora, ele se ressente por nunca mais ter feito humor, porque adorava. Até 2010, por exemplo, atuou em Os Normais, era do elenco fixo de Separação, da Fernanda Young (1970-2019) e do Alexandre Machado. “Eu só fazia comédia. Aí, em 2012, na Malhação – Intensa Como a Vida, interpretei um papel dramático, o protagonista adulto. A partir daí só veio policial, drama, personagens densos. Agora, estou na fase dos vilões. Vivo um policial escroto na série Rota 66, que estou gravando. As gravações foram interrompidas várias vezes por causa da pandemia. Eu, inclusive, tive Covid (já havia sido imunizado com as três doses da vacina e a doença se manifestou de forma leve). Acabei de sair dela. Em Maldivas, da Netflix, vou surgir como um policial.

Em tempos atuais, a produção dramatúrgica não se restringe à TV aberta. Muitos são os canais de streaming produzindo. E, aos 32 anos de carreira, Marcelo tem participado de inúmeros trabalhos. “Tudo que é múltiplo é melhor. Essa questão dos players serem internacionais também aumenta muito o comparativo e a inspiração do que é produzido pelo mundo e abre muitas possibilidades. Temporada de Verão foi lançada em vários países. Então, é uma porta de mercado muito grande para um produto nacional, que esse nosso governo insiste em achar que arte não interessa, sendo que a cultura emprega um monte de gente e gera lucros. Quando descentraliza o poder da mão de uma grande emissora com outras duas de suporte, isso se distribui e quando isso se espalha, os gostos, as opiniões sobre mundo, estética e a arte também. Todo mundo só ganha e enriquece de possibilidades em todos os sentidos”, analisa ele, que já participou de inúmeros trabalhos na Globo, como Kubanacan, Insensato Coração, Força de Um Desejo e Chiquinha Gonzaga, mas seu contrato sempre foi por obra.

Em sua rede social não se abstém de falar sobre política. “Tenho sorte de não ter nenhum bolsonarista na minha família. Eu sou Lula 2022. Não sei se sou petista, porque, às vezes, gosto bastante do PSOL. Agora, sou esquerdista, progressista, com certeza. Quando faço uma postagem, não fico brigando na internet, mas se alguém escrever algo muito agressivo, ofensivo na minha página, eu me sinto no direito de apagar. Espero que em 2023 o Brasil tenha uma liderança, que a gente possa olhar, confiar e ter esperança. E que essa pessoa tenha uma fala afetiva de inclusão. Precisamos de acolhimento”, aponta.

"Espero que em 2023 o Brasil tenha uma liderança, que a gente possa olhar, confiar e ter esperança. E que essa pessoa tenha uma fala afetiva de inclusão", comenta o artista (Foto: Saulo Segreto)

“Espero que em 2023 o Brasil tenha uma liderança, que a gente possa olhar, confiar e ter esperança. E que essa pessoa tenha uma fala afetiva de inclusão”, comenta o artista (Foto: Saulo Segreto)

Sobre seus trabalhos, vem mostrando uma diversidade. Em Temporada de Verão interpreta um vilão prepotente, capitalista sem princípios. Em O Mundo Curiozoo, da Discovery Kids, vive um milionário, que dá um zoológico real de presente de aniversário para o filho. É também extremamente vaidoso, mas cômico. Em Aruanas, surge como um deputado debochado, cruel, mau. É corrupto em nome da família brasileira. Tem ainda para estrear O Rei da TV, do Star+, como um cara glamouroso, sofisticado, chique, jurado do programa do Silvio Santos, mas é um intelectual, crítico de arte, que escrevia sobre jazz, então, um outro lado completamente diferente. Em Maldivas, que ainda não estreou, seu personagem é um policial cômico. E faz uma participação em série do Globoplay sobre a vida de Chitãozinho e Xororó.