Lenda da TV, Emiliano Queiroz rouba a cena em Além da Ilusão e diz: “Preciso trabalhar antes de perder a validade”


Grande nome da teledramaturgia, Emiliano Queiroz fez participação especial na novela das 18h e roubou a cena, interpretando padre Romeu que dá a extrema-unção ao personagem de Lima Duarte. O reencontro dos veteranos atores remeteu às impagáveis interpretações deles juntos como Dirceu Borboleta e Zeca Diabo, em O Bem Amado!, há 50 anos e que foi reprisado recentemente. “Sinto prazer em contracenar com o Lima. Nossas cenas foram de muita responsabilidade, porque era um trabalho delicado, de filigrana mesmo, completamente oposto daquele outro momento”, pontua em entrevista exclusiva o ator que trabalhou na primeira novela da TV Globo há 57 anos. Emiliano teve vida profissional dinâmica, vivendo vários personagens ao mesmo tempo. “Contaram, parece que fiz umas 300 aparições. Sei que já não posso fazer como antes. Eu e Lima até conversamos sobre isso. Na época de O Bem Amado!, gravávamos 40 cenas por dia. Comentei recentemente: ‘Tenho que trabalhar antes de perder a validade. Há três anos, tive pneumonia e passei três meses em um hospital. Os deuses me salvaram, mas eu podia ter ido embora ali. Aí a gente vai tendo a noção do finito”, pontua

Além da Ilusão marcou retorno de Emiliano Queiroz às novelas, após dois anos afastado (Foto: TV Globo/João Miguel Junior)

Além da Ilusão marcou retorno de Emiliano Queiroz às novelas, após dois anos afastado (Foto: TV Globo/João Miguel Junior)

* Por Carlos Lima Costa

Um dos maiores nomes da teledramaturgia brasileira, na qual fez história com emblemáticos personagens como Juca Cipó, de Irmãos Coragem, e Dirceu Borboleta, de O Bem Amado!, o ator Emiliano Queiroz permaneceu afastado quase dois anos de atuações inéditas, retornando agora na primeira fase de Além da Ilusão. E foi responsável por algumas das cenas mais emocionantes da trama das 18 horas, ao dividir o set novamente com Lima Duarte, com quem há quase 50 anos viveu memoráveis cenas em O Bem Amado!. “Sinto prazer em contracenar com o Lima. Nossas cenas foram de muita responsabilidade, porque era um trabalho delicado, de filigrana mesmo, completamente oposto do Borboleta de O Bem Amado. Me dediquei e o resultado foi muito bom”, refletiu.

No atual trabalho, após Afonso (Lima Duarte), no seu leito de morte, confessar que, no passado, sumira com a neta recém nascida, ele recebeu a extrema-unção de padre Romeu (Emiliano). Esse breve reencontro dos veteranos atores contagiou o set da novela. “A lembrança é muito forte, porque além de ter sido um ano de novela, ainda gravamos durante cinco anos um seriado de O Bem Amado!, e entre eles fizemos Pecado Capital. Foi muito agradável agora o meu reencontro com Lima Duarte”, conta. A mais recente participação dele e de Lima na mesma produção havia sido na minissérie Treze Dias Longe do Sol, do Globoplay.

Atualmente, o ritmo profissional é completamente diferente. Não quer saber de parar. “Outro dia, conversando com o diretor Fred Mayrink, eu falei: ‘Tenho que trabalhar antes de perder a validade. Sei que já não posso fazer como na época de O Bem Amado!. Eu e o Lima até conversamos sobre isso. A gente gravava 40 cenas em um dia. Há três anos, tive pneumonia e passei três meses em um hospital. Os deuses me salvaram, mas eu podia ter ido embora ali. Aí a gente vai tendo a noção do finito. Ouvi uma frase da Fernanda Montenegro: ‘Agora, tudo que eu faço é como se fosse uma despedida’. E é verdade, não dá para achar que ainda vou fazer isso ou aquilo. Mas o que vier, vai ser muito bem recebido”, pontua.

Reencontro de Lima Duarte e Emiliano Queiroz em cena, emociona o público (Foto: Paulo Belote/Globo)

Reencontro de Lima Duarte e Emiliano Queiroz em cena, emociona o público (Foto: Paulo Belote/Globo)

Atores veteranos como Emiliano, Lima e Fernanda costumam ser reverenciados pelos jovens que se deparam com eles nos estúdios. “Essa novela agora foi rápida. Mas sou muito fiel aos jovens atores. Gosto muito dos meus colegas jovens. Sempre me dei bem com todos os atores, por exemplo, os que fizeram os sobrinhos (Mauricio Mattar, Paulo César Grande e Flávio Galvão) do Tio Biju (na novela Cambalacho) eram maravilhosos. Eu comecei muito novo, adolescente no Rádio, e também tive grande admiração por todos os antigos. Trabalhei com quase todos os grandes atores daquela época, como Maria Della Costa (1926-2015), Tônia Carrero (1922-2018) e Paulo Autran (1922-2007)”, observa.

Antes de Além da Ilusão, Emiliano havia feito uma participação na novela Éramos Seis, como o noivo da personagem de Camila Amado (1938-2021), dias antes de ser decretado o isolamento social por conta da pandemia. “Faço parte do grupo de risco, tenho 86 anos, fiquei recluso, quase dois anos sem trabalhar. Então, foi um prazer ter feito essa novela agora. Gostei muito desse retorno”, comentou.

A trama das 18 horas foi mais uma da extensa parceria dele com a Globo. Emiliano atuou na primeira telenovela produzida pela emissora, Ilusões Perdidas, que estreou em 26 de abril de 1965, data de inauguração do canal da família Marinho. “Eu era contratado por novela. Quando acabava uma a gente ficava correndo atrás da outra. Mas nunca me faltou trabalho e eu sempre procurei fazer o melhor possível”, ressalta ele, que de lá para cá integrou o elenco de tramas como A Sombra de Rebecca, A Ponte dos Suspiros, O Homem Que Deve Morrer, Selva de Pedra, Estúpido Cupido, Pai Herói, Cambalacho, O Outro, Bebê A Bordo, Que Rei Sou Eu?, Top Model, Rainha da Sucata, Barriga de Aluguel, A Próxima Vítima, Senhora do Destino, Alma Gêmea, Meu Pedacinho de Chão, Haja Coração e Espelho da Vida, entre tantas outras. “Elas foram se aperfeiçoando, chegaram para ficar, mas não sei dizer o que as transformaram nesse fenômeno. Não teve tempo ruim para as novelas. Isso levou também a permanência de atores dentro da Globo criando uma estabilidade também para as pessoas. Nesses quase 60 anos, eu sempre marquei presença”, frisa.

"Há três anos, tive pneumonia e passei três meses em um hospital. Os deuses me salvaram, mas podia ter ido embora ali. Aí a gente vai tendo a noção do finito", enfatiza Emiliano (Foto: Globo/João Cotta)

“Há três anos, tive pneumonia e passei três meses em um hospital. Os deuses me salvaram, mas podia ter ido embora ali. Aí a gente vai tendo a noção do finito”, enfatiza Emiliano (Foto: Globo/João Cotta)

Emiliano recorda que teve uma vida muito dinâmica, acumulando trabalhos. Ele fazia teatro, cinema, show, tudo ao mesmo tempo. “Na época de Irmãos Coragem, por exemplo, depois das gravações eu tinha teatro, em seguida, boate, fazia show com o Carlos Machado (1908-1992). E, de madrugada, dava um pulinho no set de cinema para filmar. Então, vivi essa dinâmica forte na profissão, até por exigências financeiras, para ganhar mais um pouquinho. Era uma vida agitada. Nunca rotineira. Por tantos personagens que fiz, hoje, sou um ator com uma maturidade e experiência quase que única. Contaram, parece que fiz umas 300 aparições”, comenta ele, que recentemente foi sondado para uma novela no segundo semestre, mas ainda não tem nada confirmado. “Como a validade está vencendo, não posso marcar muita coisa”, frisa ele, que no teatro teve atuações marcantes como o travesti Geni, em Ópera do Malandro, de Chico Buarque, e no cinema, brilhou em personagens como o homossexual Veludo, em Navalha na Carne, dirigido por Braz Chediak, e como Chalaça, em Independência ou Morte, de Carlos Coimbra(1927-2007)

Emiliano, por exemplo, não está integrado com redes sociais, mas não é saudosista. “Não sou apegado a nada. Por exemplo, gosto de assistir no Canal Brasil filmes antigos meus, mas não fico pensando ‘ah, como era bom nesse tempo’”, assegura ele, que semelhante ao público, também aponta Dirceu Borboleta e Juca Cipó, de Irmãos Coragem, entre seus principais papeis. “O Daniel Filho, que dirigia as novelas naquela época, escreveu que inconscientemente o Juca Cipó foi uma preparação para o Dirceu Borboleta. Fui fazendo vilões e tive a tendência de realizar um trabalho de composição. Não gostava de transformação física no sentido de mudar cabelo, essas coisas. Sempre gostei de ter uma alma completamente diferente. Tenho boas lembranças do teatro, cinema, televisão”, ressalta.

A trajetória na vida afetiva também é marcada por longa realização. Emiliano mantém casamento de cinco décadas, mas há 28 anos morando em casas separadas. “Maria Letícia é minha companheira de 50 anos. A gente se fala toda hora. Cada vida toma um sentido dentro do que vai sendo proposto. Foi assim a minha vida e eu gosto. Não sei se assim é a relação ideal. Isso depende de cada um. E não foi nada pensado. Na vida, de onde menos se espera vem trovoada e ok, vamos tentando conduzir de uma maneira mais suave. Para nós foi agradável viver assim. Tem que estar aberto para tudo que vai chegando”, analisa o ator, que tem um filho, cinco netos e dois bisnetos.

"Fui fazendo tudo certinho e não tive covid. E agora, já tomei todas as vacinas. Nunca fui negacionista de nada", ressalta o ator (Foto: TV Globo/João Miguel Junior)

“Fui fazendo tudo certinho e não tive covid. E agora, já tomei todas as vacinas. Nunca fui negacionista de nada”, ressalta o ator (Foto: TV Globo/João Miguel Junior)

Até com relação aos familiares os hábitos mudaram um pouco por conta da pandemia. “Eu sempre gostei muito de caminhar, tive que limitar um pouco. Minha família continuou vindo aqui, mas muito gradativamente. Graças a Deus, fui fazendo tudo certinho e não tive Covid. E, agora, já tomei todas as vacinas. Nunca fui negacionista, a experiência é a alma do negócio. Me cuidei muito até porque, como falei, tive uma pneumonia forte há três anos, minha experiência pulmonar não é boa. Graças aos deuses, atravessei essa pandemia da melhor maneira possível, aliás estou atravessando. Ainda estamos no meio da ponte”, enfatiza, acrescentando: “Nunca tinha visto ninguém contra vacinas. Sempre vacinamos para inúmeras doenças e, de repente, apareceu essa cabeça estranha, negacionista. Não sei como ele (Jair Bolsonaro) fez na Rússia com tanto comunista em volta”, comenta.

E, sobre os tempos atuais, prossegue lamentando a forma como a classe artística vem sendo tratada. “Acho que estamos vivendo uma outra era. A da falta também do amor pela arte. É um momento delicado para nós, profissionais, desrespeitados ao extremo. Existe no momento uma esculhambação dentro da cultura brasileira provocada por esse negacionismo. Então, a gente vive tristezas com relação ao nosso ofício. Pra mim, pessoalmente, com exceção às mortes, claro, isso foi mais violento do que qualquer outra coisa, sabe, as tomadas de posições do poder”, finaliza.