O foyer do Expominas, em Belo Horizonte, foi um espaço de intensa integração cultural e democratização. O local abrigou palestras, fashion talks, desfiles relâmpagos e exposições durante a 24ª edição do Minas Trend, semana de moda e maior Salão de Negócios da América Latina, promovida pela Federação das Indústrias do Estado de Minas (FIEMG). Segundo o diretor-criativo, Ronaldo Fraga, o evento mineiro tem a vocação de ser um grande vetor cultural para o país. Pensando nisso, ele propôs um incrível exercício para os alunos do SENAI Modatec: decodificar e reinterpretar os traços e as cores do ilustrador, estilista e figurinista Alceu Penna (1915-1980), que foi homenageado em uma lindíssima exposição durante os seis dias da mais inovadora celebração da moda nacional.
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O consagrado artista do início do século 20 foi um dos mais completos criadores brasileiros. “Esta é uma grande oportunidade de mostrar o potencial criativo dos alunos do Senai Modatec”, afirma Jorge Peixoto, diretor do Senai Belo Horizonte Modatec Cecoteg. Ao todo foram expostos 15 looks feitos a partir de desenhos do estilista. Manequins flutuantes dentro de piscinas, recriando um de seus mais famosos trabalhos, na coluna impressa em cores As Garotas, entre 1938-1964, na Revista O Cruzeiro, ocupando destaque nas edições semanais da publicação, em um espaço repleto de diversidade, com jovens ousadas, entre 18 e 25 anos, e acompanhadas de textos bem-humorados.
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Os manequins parecem flutuar e foi nítida a sintonia dos traços aquarelados de Alceu Penna que estão em sintonia com a identidade visual da evento mineiro, criada por Ronaldo Fraga, para o tema Em dias de sol. Em conexão com a solaridade do evento, a mostra exibiu maiôs e bodies dignos de desfilar nas areia mais famosas do Brasil. Vestidos de festas para arrasar nos salões mais elegantes – anos 50, vaporosos com uma leve transparência, com barras assimétricas, babados e plissados. Calças e camisas que passam com elegância representando a mulher transgressora, assim como, as desenhadas em sua coluna As Garotas do Alceu. Ah, os manequins com os looks ficaram dentro de piscinas. Alceu era tão contemporâneo que suas criações perpassam o passado se mantendo na atualidade. Uma coleção em total sintonia com a temática desta edição do Minas Trend que poderia até estar na passarela.
No livro Alceu Penna e as garotas do Brasil: moda e imprensa 1933-1980, do escritor Gonçalo Júnior, apresenta uma biografia ricamente ilustrada: o traço singular e a tipologia das letras que Alceu estabeleceu, influenciaram a imprensa, a publicidade, o design, a moda e o comportamento em todo o país. E o transformaram no ícone de uma época de grande prosperidade e sonhos para os brasileiros.
Como designer de moda Alceu Penna assinou suas primeiras criações para shows e espetáculos teatrais, também na década de 1930, foi a mente criativa responsável pelos figurinos dos espetáculos do Cassino da Urca, no Rio de Janeiro, além da decoração e fantasias para bailes de carnaval. “Não queríamos fazer uma exposição com alguma marca de beachwear, pois isto não fazia sentido para Minas Gerais”, explica Fraga e completa “Escolhemos alguém que nasceu no sertão, mas que conquistou a praia e este cara foi o Alceu Penna”, ressalta.
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Alceu inaugurou uma nova forma de representar a feminilidade de maneira única influenciando a moda durante anos. Nascido em Curvelo, no sertão de Minas Gerais, em 1915, o desenhista ganhou destaque internacional fazendo carreira como stylist, diretor criativo, ilustrador, cenografista e muito mais. Extremamente talentoso foi trabalhar nos Estados Unidos, e conheceu Carmen Miranda, sendo responsável por toda a renovação dos figurinos da cantora. A partir daí, sua carreira explodiu. Ele voltou para o Brasil e se estabeleceu no Rio de Janeiro, onde veio a falecer em 1980.
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Ao longo de sua caminhada profissional atuou em diversas áreas de moda, figurino e design: elaborou ilustrações para capas de revistas (O Cruzeiro, A Cigarra e Tricô Crochê), quadrinhos, livros, capas de discos infantis (série Disquinho, dirigida por Braguinha), embalagens e publicidade (Souza Cruz, Melhoral, Biotônico Fontoura, entre outros); criou cenários e figurinos para shows, cassinos, teatro, cinema e televisão; desenhou fantasias para escola de samba; estamparia para a indústria têxtil e coleções de moda (Rhodia e Ducal); Alceu Penna é um dos primeiros a desenvolver a técnica dos quadrinhos no Brasil.
Criou adaptações em quadrinhos dos clássicos da literatura, como O Fantasma de Canterville, Um Yankee na Corte do Rei Arthur, Sonhos de uma Noite de Verão e Alice no País das Maravilhas. Os desenhos foram feitos em preto-e-branco e o roteiro é do escritor Nelson Rodrigues (1912 – 1980). Essas obras do universo HQ brasileiro foram publicados entre 1933 e 1939. Nos anos 1950, Alceu faz para a revista A Cigarra os quadrinhos Marido da Madame, em que os personagens Gonçalo e Lolita vivem situações do cotidiano de um típico casal de classe média alta da época. O texto é da cronista Helena Ferraz, que usava o pseudônimo “Álvaro Armando”, e apresenta uma série de diálogos escritos em rima, que lembram a literatura de cordel. Por isso, o artista é reverenciado até hoje, como um dos maiores artistas gráficos do Brasil. Suas obras, originais, estão no acervo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp).
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