Na semana da Consciência Negra, a representatividade precisa ser discutida e Aílton Graça sabe muito bem disso. Com mais de 33 anos de carreira, ator ainda é um dos poucos negros na TV. “Existe sempre a falta”, afirmou ele sobre a pouca representatividade do mercado. No ar em O Sétimo Guardião, ele interpreta o padre da cidade de Serro Azul que, junto com o público, está desvendando os mistérios que envolvem o local. “É claro que a empresa sempre pensa em vender, mas também tentamos diariamente levar conteúdo para as pessoas. Precisamos ver mais as minorias nos holofotes, não apenas os negros, mas também os grupos de gênero exercendo o seu papel de militância dentro da teledramaturgia, teatro e cinema”, salientou.
De qualquer forma, o buraco é bem mais embaixo do que isto. O fato das minorias não serem vistas e, quase sempre, silenciadas em todos os espaços da sociedade gera uma dificuldade do público no geral em compreender a importância da inclusão, de acordo com o ator. “Isto não tem nada a ver com O Sétimo Guardião, mas, para mim, existe uma falta de compreensão de dramaturgia para falar de histórias voltadas para o povo negro. Temos alguns traços que não condizem com a narrativa que queremos ver. Nós sentimos falta disto na televisão brasileira”, criticou Aílton. Com um trabalho de formiguinha, o ator tenta potencializar o discurso para que os seus personagens englobem o máximo possível todas as nuances da sociedade brasileira.
Mas não vai ser fácil. Mostrar a sua voz é, diariamente, lutar contra preconceitos, o que acaba gerando um debate muito maior do que a representatividade nos meios televisivos. Estamos falando de uma sociedade politicamente mais igualitária a todos, como manda a Constituição Federal de 1988. “Temos que caminhar muito e acho que teremos ainda mais dificuldade frente à política deste país que está indo para uma direção não tão democrática como estávamos acostumadas. A escola sem partido, por exemplo, é algo que está me apavorando. E muito!”, criticou o artista. Para ele, a nova novela das 9h é um caminho de libertação em meio tempos de crise. Afinal, O Sétimo Guardião ficou conhecido e ganhou o coração do público por marcar a volta do realismo fantástico às novelas da Globo. O gênero é super popular na literatura latina e nasceu em um momento de protesto contra governos totalitários. “Estamos indo para o caminho da alienação e espero que O Sétimo Guardião leve um respiro para as pessoas, afinal, o realismo fantástico historicamente exibe, através da literatura, o ativismo. É importantíssimo olharmos para esta novela desta maneira”, afirmou.
Apesar da novela não trazer tantos atores negros como se esperava –já que a última trama das 9h foi criticada pela pouca quantidade de profissionais desta etnia-, Aílton Graça enxerga o folhetim como um espelho da diversidade cultural brasileira. “Nós estamos trazendo uma literatura fantástica que é característica da América Latina, sendo assim temos todas as nossas narrativas que passam pelas tribos indígenas e nossos antepassados. E, assim como a nossa vasta cultura, temos um país muito plural de Norte a Sul. Dessa forma, vejo que Serro Azul está tentando abordar todas estas nuances, com pessoas de etnias diferentes e sotaques igualmente distintos. Cada ator, inclusive, criou os seus personagens com desenvolturas diferentes para trazer esta diversidade”, salientou.
Por Serro Azul ser uma cidade perdida no tempo e espaço, o local não possui nenhum compromisso com a realidade étnica do povo brasileiro. Apesar de estar retratando a nossa pluralidade, o ator não possui uma preocupação tão grande em não ter tantos colegas negros do elenco. “Serro Azul pode se localizar em qualquer lugar, não precisa necessariamente ser no Brasil. Isto fez com que não houvesse uma grande preocupação das pessoas quanto a quantidade de negros em cena como houve em Segundo Sol, porque tratava-se de uma trama baiana contemporânea. Aquele contexto exigia sim que tivéssemos um elenco majoritariamente negro”, criticou.
Sempre antenado, Aílton Graça é um exemplo de exímio profissional brasileiro tendo encarado uma vasta carreira com cerca de 22 programas televisivos e 26 longas. Ao longo dos anos, ele veem trazendo palavras e gestos que inspiram a população, impulsionando-nos para uma sociedade mais igualitária. Viva, Aílton!
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