*Por Rafael Moura
Com 15 anos de trajetória, Reinaldo Junior ainda comemora o sucesso de seu primeiro personagem na TV, o africano sequestrado e escravizado Mahommah Gardo Baquaqua, na série ‘Falas Negras’, dirigida por Lázaro Ramos, em 2020. O especial ainda repercute por conta das histórias narradas no especial da TV Globo. “Esse projeto foi fundamental na ampliação do meu trabalho que vem sendo feito ao longo dos anos entre o teatro e o cinema. Por ser um produto popular em rede nacional foi muito importante para que a minha imagem chegasse a lugares em que não conseguia por meio dos palcos. Foi importante também para o atravessamento de fronteiras e geografias dentro da nossa própria cidade e, dentro da minha bolha, que é fazer minha arte chegar no lugar de onde venho, a Baixada Fluminense, no coração de pessoas que normalmente não têm condições de ir ao teatro”, explica.
De acordo com Reinaldo, a arte significa experienciar o mundo cruel e duro com lentes mais lúdicas para a projeção de um futuro melhor. “A arte foi uma válvula de escape de emancipação cultural e de conhecimento ancestral, proporcionando atravessar os corações das pessoas e ajudá-las a mudar suas perspectivas sob novos olhares”, frisa.
O artista poderá ser visto em breve, no longa ‘O Faixa-Preta: A verdadeira história de Fernando Tererê’, de Rangel Neto, que narra a trajetória de Fernando Augusto da Silva, um dos maiores nomes brasileiros do jiu-jítsu mundial. No filme, ele será Humberto, apelidado de Rei, uma similaridade entre o ator e o personagem, que na trama é tido como o ‘rei da rua’, e é o responsável por levar Fernando Tererê para treinar pela primeira vez. Pai de família, faixa preta de jiu-jitsu, trabalhador simples, que mesmo não se tornando um lutador profissional sempre foi um amante e um apaixonado pela luta e chegou a ganhar competições. “A começar pelo apelido Rei, que é o mesmo que o meu, temos alguns pontos em comum que têm sido cruciais na preparação para esse personagem. Assim como o “Rei” eu também sou graduado em Arte Marcial (Kickboxing), ele jiu-jitsu, e também como ele conquistei alguns títulos”, revela.
Reinaldo nos conta sobre o ‘Black Ninja’, método de treinamento criador por ele, que trabalha a auto defesa no ringue, utilizando técnicas do boxe para alcance de estados, corporeidade e respiração. “Me apoiei nele para buscar a memória corporal de quem já lutou muito nos tatames e na ruas. A passagem de bastão e o bate-bola com o ator David Reis (que interpreta o Rei na fase criança) têm sido bastante trabalhada no detalhe para juntos atingirmos um resultado coerente e delicado na passagem de tempo do personagem”, explica.
Potência. Essa é uma palavra que define o ator Reinaldo Júnior, 29 anos, nascido na Baixada Fluminense, no Rio, e que estreou recentemente na televisão, depois de uma sólida carreira no teatro. Ele é ganhador do Prêmio Ubuntu de Melhor Ator pela peça ‘Oboró: Masculinidades negras’, e se tornando uma referência para os jovens negros de periferia que têm o sangue artístico correndo nas veias. Rei será o protagonizado do filme ‘Proteção’, de Alberto Sena, além das séries de TV ‘Fim de Comédia’, do canal fechado CineBrasil TV e ‘Cinema de Enredo’, do Prime Box Brazil.
Para o ator é de suma a importância para a sua formação poder contar/ interpretar personagens negros da nossa cultura. “Recontar histórias com lentes e perspectivas verdadeiras e humanizadas é bom para romper a figura que foi construída do indivíduo negro, pelo olhar branco na teledramaturgia. Além da possibilidade de experienciar e vestir personagens com camadas e sentimentos e escolhas múltiplas como é na vida comum. Não apenas estar no lugar do “negro”, e sim vivendo naturalmente com todas as suas particularidades, desafios e conquistas, tem feito parte dos caminhos e personagens que tenho feito. É o caso do doutor Tarik Sacramento, um biomédico, personagem central de Proteção O Filme; Falas Negras, na Globo como o escritor Mahomad Gardo Baquaqua e, agora, como “Rei”, no O Faixa-Preta: A verdadeira história de Fernando Tererê’, três histórias diferentes, escolhas diferentes, perpassadas por sentimentos que os une e que são completamente singulares”, frisa.
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“É importante continuar contando histórias”, afirma o ator, que vem entendendo as demandas da comunidade, enxergando a invisibilidade da população negra e conhecendo o poder de transformação por meio da arte. Para ampliar essas possibilidades, Reinaldo também atua em trabalhos voluntários na periferia e ressalta a importância dos projetos que fundou e atua voltados para a Baixada.
“Em março haverá a continuidade de dois projetos para Mesquita. O primeiro, é a ação ‘Ubuntu’, uma iniciativa de emancipação cultural de protagonismo preto, realizado pelo Coletivo ‘Nós por nós – Chatuba’, que acelera o processo de informação, empoderamento, formação cultural e emancipação de raça, por meio do engajamento político, capital cultural e social de artistas locais que buscaram formações externas e almejam compartilhar suas habilidades com a comunidade; além das doações de cestas básicas, máscaras e álcool em gel, para mais de 250 pessoas”, explica.
Já o segundo projeto de economia criativa e entretenimento, o ‘Quintal do Rei’, iniciado em 20 de novembro do ano passado, em virtude do Dia da Consciência Negra, traz a proposta de fomento do empoderamento coletivo e da ancestralidade, a começar pelo quintal de casa, envolvendo várias vertentes culturais, como rodas de samba, capoeira, danças, entre outros. “Através da exibição da série global ‘Falas Negras’, da qual participei, esse evento foi o único em Mesquita que celebrou essa data tão importante. Fazer o Baquaqua me trouxe uma experiência artística um pouco diferente, porque é trazer um olhar de um personagem escravizado beninense, a partir da primeira pessoa. Geralmente, fazemos esses papéis em terceira pessoa, e as direções desses trabalhos nos aconselham atuações mais distantes da realidade. Então, interpretá-lo a partir de um figurino, cenário e de uma direção preta – que foi a do Lázaro Ramos – fez toda diferença nessa experiência artística, cultural e política”, revela.
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