Oscar Magrini repercute sucesso de ‘O Rei do Gado’, critica politicamente correto e qualidade da TV com youtubers


No ar na reprise de “O Rei do Gado”, Oscar Magrini e na comédia vaudeville que aborda traição, “O Vison Voador”, o artista fala sobre como enxerga a sociedade contemporânea, muito afeita ao politicamente correto e às problematizações sociais. Segundo o ator, estamos vivendo “tempos chatos”, decorrentes da polidez que se exige ao tratar temas delicados. Ainda de acordo com a sua fala, programas como “Os Trapalhões” e “A Praça é Nossa” encontrariam problemas se fossem ao ar hoje, como eram exibidos no passado. Magrini também fala sobre youtubers que se aventuram na profissão de ator: “São pessoas que não sabem quem é Stanislawski (1863-1938), não entendem nada de arte e cultura, pegam um celular e se dizem influenciadores. A televisão quer cara nova e é por isso que a qualidade está lá embaixo. As histórias estão cada vez mais frágeis, as pessoas se cansam e vão para os streamings. Acho que é um caminho sem volta e é preciso que se pense nisso”

*por Vítor Antunes

Oscar Magrini revelou-se ao público de forma contumaz com “O Rei do Gado“, trama de 1996 atualmente em reprise no Vale a Pena Ver de Novo. Com índices expressivos pro horário, e marcando quase quatro vezes mais que a concorrência, a novela torna a fazer sucesso na sua terceira exibição na Globo. Por mais que o tema presente em seu núcleo – o da agressão à mulher e sua exploração financeira – não pareça estar gerando tanto debate como na época de sua primeira exibição, o ator destaca que “se essa novela passasse hoje, no horário nobre, seria problematizada com o pessoal do mimimi, da lacração. Ela teria um grande problema por que é pesada, e trata também, sobre violência. Com a Lei Maria da Penha… seria muito sério”, salienta. Ainda sobre esse tema, o ator fala que o politicamente correto traz reveses à liberdade artística.

Eu acho que desde que inventaram o politicamente correto a vida ficou chata. Ele fez acabar a brincadeira e tornou a vida enfadonha. Se a gente vai contar uma piada, é preciso nos preocupar se ela pode ser problemática junto ao pessoal do cancelamento e da lacração. Meu personagem no ‘Rei do Gado’, um gigolô e agressor de mulheres, seria alvo do movimento ‘mexeu com uma mexeu com todas’ e essa bobagem toda aí, que reivindicam causas e depois somem. É um saco isso – Oscar Magrini

Além do sucesso do folhetim de Benedito Ruy Barbosa, atualmente em reexibição, Magrini fala sobre a estreia de sua nova montagem teatral, a comédia “O Vison Voador“, encenado diversas vezes entre os anos 1970 e o início dos 2000’s. diz que “É uma peça para as pessoas se divertirem, rirem que é o que estamos precisando”. Por estar presenta na peça que estreou dia 10 de fevereiro, o ator nega um retorno imediato às novelas. Diz que “fazer ambos ao mesmo tempo é uma loucura. Prefiro ir no step by step”. Casado desde 1991 com a ex-atriz Matilde Mastrangi, Oscar destaca a generosidade de sua esposa, que abdicou da carreira em favor da maternidade e da vida em família. “Ela fora mãe aos 38 anos e sabia que eu estava começando na carreira. Optou por recolher-se para que eu pudesse me dedicar à arte. Ela é meu azimute, meu porto seguro. Tudo o que faço mostro a ela, que entende muito de teatro, cinema e produção. A minha escola de teatro foi muito boa e forte e chama Matilde Mastrangi”.

Oscar Magrini estreia no teatro “O Vison Voador” e não pretende fazer novela simultaneamente ao teatro (Foto: Erik Almeida)

O artista também dispara contra os youtubers que se aventuram na profissão de ator: “São pessoas que não sabem quem é Stanislawski (1863-1938), não entendem nada de arte e cultura, pegam um celular e se dizem influenciadores. Mas influenciam o quê? Há quem tenha dois, três, cinco milhões de seguidores e acham que isso é o suficiente para fazer sucesso, razão pela qual os chamam para fazer novela. Isso deixa a desejar na qualidade artística, que acaba. Essa pessoa não tem formação, tem o (sucesso) imediato e os estão contratando por isso”. O artista prossegue dizendo que “não tem mais tantos personagens para a minha idade. A televisão quer cara nova e é por isso que a qualidade está lá embaixo. As histórias estão cada vez mais frágeis, as pessoas se cansam e vão para os streamings. Acho que é um caminho sem volta e é preciso que se pense nisso”.

REI DO GADO

Produzida em 1996, “O Rei do Gado” é um dos maiores sucessos da carreira de Benedito Ruy Barbosa. O autor vinha do fenômeno “Pantanal” da Manchete, além de haver tido uma boa repercussão de “Renascer”. A entrada de Oscar Magrini na trama deu-se após a incensada primeira fase da novela atualmente em reprise no Vale a Pena Ver de Novo. Ainda que não seja um fragoroso sucesso nesta reexibição, a trama noventista não faz feio. Segundo relata-nos Oscar, sua participação na novela seria curta, apenas para gerar um conflito entre as personagens Lea (Silvia Pfeifer) e Bruno (Antônio Fagundes). Ele explica: “Estavam procurando um ator para fazer o Ralf e a equipe do Luiz Fernando Carvalho, o diretor, viu-me na montagem de uma peça do Nelson Rodrigues (1912-1980), “A Falecida“. Gostaram do meu trabalho no teatro e escalaram-me para fazer 30 capítulos, a fim de interpretar o amante de Lea. Quando eu fui ao ar, o autor já estava escrevendo a morte do personagem. Porém, ele tornou-se popular. Passei do capítulo inicialmente previsto, e percebi que Ralf havia conquistado um espaço definitivo na trama quando construíram-lhe um cenário. E ele, que deveria morrer para fazer a história andar, faleceu no episódio 135.

Até hoje a Globo, que faz novelas fantásticas. E “Rei do Gado” esta tem um valor especial pois que foi a escolhida para celebrar os 50 anos da emissora, quando foi reexibida em 2015. (…) Nesta novela, o personagem ficou mais forte que o ator, chamavam-me mais pelo nome do personagem que pelo meu. Dois anos depois, ganhei um presente do Sílvio de Abreu, que foi “Torre de Babel”, o Gustinho, que transformava-se no cantor Johnny Percebe. Ainda que goste muito dos personagens que interpretei, esses são os que mais tenho carinho pois foram os que me projetaram nacional e internacionalmente – Oscar Magrini

Oscar Magrini e Leila Lopes em “O rei do Gado”. Segundo o ator, um dos papéis que mais gosta haver feito em sua carreira (Foto: Reprodução/TV Globo)

POLITICAMENTE CORRETO

Na época da exibição original de “O Rei do Gado” problematizava-se o fato de a personagem de Sílvia Pfeifer, Lea, haver abandonado o marido em favor do amante. Também era discutido o fato de que ela haver se deixado levar por um “garotão”, ainda que personagens e artistas tivessem idades equivalentes. Hoje, segundo Magrini, a novela teria outros problemas em pauta. Especialmente a questão da violência contra a mulher. “Se fosse exibida hoje, haveria uma discussão junto à galera do mimimi, da lacração, do politicamente correto, já que trata-se de uma novela pesada. Falaria-se muito da questão da Lei Maria da Penha, por exemplo”, diz ele, sobre a Lei promulgada dez anos após a exibição da trama.

Leia Mais: De volta à TV com o fenômeno “O Rei Do Gado”, Sílvia Pfeifer fala sobre lesbianismo na TV e estreia como radialista

Segundo o ator, a motivação de Lea em procurar um relacionamento extraconjugal se origina do fato de ela não sentir-se notada pelo seu marido, Bruno: “A mulher quando não tem [afeto] em casa vai procurar na rua. E no caso da personagem, ela também foi julgada por ser uma mulher separada, então esse prejulgamento era muito presente e acaba justificando a existência do amante. E a personagem entra em desgraça quando casa-se com Ralf por que ele era um cafajeste profissional, que mantinha várias mulheres fora do relacionamento”, exemplifica.

A pessoa que não é feliz em casa quer ouvir um “Eu te amo”, um carinho, quer ser notada. Os homens não prestam atenção em suas companheiras e esse é um grande mal da Humanidade, o de não valorizar quem está ao seu lado. Costumo dizer que há a ‘mulher balão’ e a ‘mulher âncora’. A primeira levanta o seu parceiro ao passo que a segunda o afunda – Oscar Magrini

Oscar Magrini (Ralf) e Silvia Pfeifer (Lea). Agressão à mulher em pauta (Foto: Reprodução/TV Globo)

O ator também é ferino quando opina sobre o politicamente correto, que, segundo ele, traz reveses à liberdade artística. “Do jeito que estão as coisas, “Os Trapalhões“, que eram voltados ao público infantil, hoje seriam proibitivos, bem como “A Praça é Nossa”, que também era para crianças [sic]. Para hoje haveria prisão e cancelamento, para o que era uma brincadeira antigamente”, analisa.

Aos 61 anos, o ator lida bem com a maturidade junto à sua profissão e diz não ter queixas aos desafios que ela lhe impõe. “Minha primeira peça foi em 1990, meu primeiro filme em 1991 e comecei nas novelas em 92. Com a graça de Deus eu nunca parei. Chegar onde cheguei pode parecer fácil mas não é. É difícil manter 30 anos de uma carreira muito produtiva. Enquanto Deus me permitir, estarei trabalhando. Já fui garotão nas novelas, bem como também posso fazer o velho, não tem problema. Recentemente fiz minha primeira novela bíblica, na qual interpretei Noé, e tive de deixar a barba crescer, encontrar um outro jeito de interpretar. Não me incomodo de fazer personagens mais velhos, eles virão”.

Oscar Magrini viveu Noé em “Gênesis”. Ele é crítico a não-atores e influencers trabalhando como artistas (Foto: Edu Moraes/RecordTV)

O RETORNO DO VOO DO VISON

O Vison Voador” é um clássico da comédia de vaudeville. Montado no final dos anos 1970 e por diversas vezes em cartaz até o início dos Anos 2000, a peça afamou-se por conta de Marly Marley (1938-2014) que sempre anunciava-a em suas participações nos programas de calouros do quais era jurada. Detentora do direitos pela encenação, Marley esteve como diretora, produtora e atriz nas inúmeras montagens da peça. Agora, nove anos depois de seu falecimento, o vison torna a voar, sob as mãos de Léo Stefanini. “Vison”  foi adaptado por Marcos Caruso, cada vez mais bissexto em trabalhos como autor, baseado no original de Ray Cooney e John Chapman. O elenco da montagem conta, além de Oscar, com Rosi Campos, Renato Modesto, Marcello Iazzetti, Simone Zucato, Carla Pagani e Adelita del Sent. A peça estará em cartaz em São Paulo no primeiro semestre e tem previsão de ir para o Rio de Janeiro no fim do ano.

O convite para a montagem veio numa fase movimentada na vida de Oscar. “Veio diante de uma rotina de várias viagens. Eu havia gravado um filme em Portugal, apresentei o Brazilian People World com a Antônia Fontenelle em Paris, depois estive em outros festivais como a Dubai Camp, nos Emirados Árabes Unidos, depois de ficar 4 dias em casa fui convidado a estar apresentar Top of Mind com a Mara Maravilha e voltei ao Brasil para o Festival de Petrópolis. Os convites para a montagem aconteceram durante esses trabalhos, e não pude aceitar justamente por estar em viagem. Num desses retornos ao Brasil aconteceu mais um chamado a estar no elenco da peça”. O último trabalho no ator no teatro foi encenado em 2017, “O Gatão de Meia Idade” e ficou em cartaz até a pandemia de 2020. Nesse ínterim, o ator encarnou Noé, em “Gênesis“, da RecordTV e Mário Alberto em “Os Roni” – série do Multishow que foi encerrada na quarta temporada.

Oscar Magrini em “O Vison Voador”. Peça volta aos palcos anos depois de sua última montagem (Foto: Erik Almeida)

PERFUME DE GARDÊNIA 

Oscar Magrini conheceu sua esposa, a ex-atriz Matilde Mastrangi durante as gravações de “Perfume de Gardênia“, lançado em 1992, mas cujas gravações foram iniciadas um ano antes. O longa tem o mesmo nome de um famoso bolero cuja versão em português foi gravada por Waldick Soriano (1933- 2008). O plot do filme dialoga, de certa maneira, com a biografia da atriz, pois que conta a história de Adalgisa (Christiane Torloni), que transforma-se em musa da pornochanchada. Mastrangi protagonizou vários filmes deste segmento entre os anos 1970 e 1980. Foi tão ativa na cinematografia brasileira que esteve pouco presente nas novelas. Fez apenas duas – “Cortina de Vidro” e “Vereda Tropical“. Quando casou-se com Magrini, abdicou da profissão e dedica-se, também, à fé evangélica. Seu esposo classifica a aposentadoria de Matilde como a manifestação de sua generosidade. Ambos são pais Isabella, 32 anos, que mora em Michigan (EUA).

Leia Mais: Novela “Cortina de Vidro”, com Sandra Annenberg no elenco, é exibida no exterior desde 1991. SBT alega pirataria

Ainda segundo o ator, sua esposa não enciumava-se em vê-lo com outras mulheres em cena. Pelo contrário, diz que “ela sempre me entendeu e mandava eu fazer as cenas com verdade. Trocamos muita figurinha e conversamos muito sobre nosso trabalho. Graças a Deus, estamos caminhando para 33 anos de relacionamento. Digo que seria fácil conquistar várias mulheres. O difícil é reconquistar reconquistar a mesma todos os dias, regar a plantinha para ela crescer e fortificar”. O ator sonha, contudo, em ser avô em breve “Para ser avô tenho que estar bem. E, como diz o pastor Cláudio Duarte, creio que “avô e um cavalo amansado pelo filho pro neto montar”, compara, bem humorado.

Matilde Mastrangi e Oscar Magrini. Ela abdicou da profissão para incentivar o marido (Foto: Reprodução/Jornal Extra)

Diante de uma carreira longeva, perguntamos a Magrini o que ele diria a um jovem ator em início de carreira. E ele, com a sinceridade de seu sangue italiano, foi contumaz: “O certo seria dizer ‘Vá estudar, vá fazer outra coisa por que não é fácil. Não é uma vida cor de rosa. Para trabalhar como ator é preciso abrir mão de muita coisa. Das festas de dia dos pais da minha filha, em dez anos, estive presente em cinco comemorações apenas, pois estava gravando novela, ou em cartaz. Quando chega o fim de semana, você vai trabalhar enquanto as pessoas estão se divertindo. Você quer ser ator ou quer se famoso, tirar foto, ser reconhecido?  A profissão exige sacrifícios. Se você está disposto a vivê-los, faça. É uma profissão que vale muito a pena”, analisa.