De volta à TV com o fenômeno ‘O Rei Do Gado’, Sílvia Pfeifer fala sobre lesbianismo na TV e estreia como radialista


Sílvia Pfeifer vive sua maturidade com leveza e plenitude. A atriz voltará ao ar, na Globo, com a reprise de “O Rei do Gado”, no Vale a Pena Ver de Novo. Ainda que não esteja vinculada a nenhuma emissora de televisão e deseje retornar às suas atividades como atriz, a musa de Fausto Fawcett e Clodovil Hernandez (1937-2009) mergulha na webrádio BPM Rádio Brasil, onde ancora um programa que mescla poesias e canções. Além disto, a artista revisita a sua carreira e comenta acerca da personagem que vivera em “Torre de Babel”, Leila, uma bissexual com um relacionamento lésbico, cuja recusa popular acabou antecipando sua morte na trama. Um emblemático caso de preconceito na história da teledramaturgia brasileira

*Por Vítor Antunes

A novela “O Rei do Gado”, que ocupará a faixa de reprises no “Vale a Pena Ver de Novo” estará pela quinta vez sendo exibida na TV. Na trama, Sílvia Pfeifer foi a ousada Léa, cujos cabelos louros ditaram tendência em 1996, mas que quase levaram a atriz a perdê-los de tanto descolorir. Atriz também relata que a pandemia acabou por redefinir seus conceitos de leitura: Ela, leitora contumaz, reencontrou-se com na poesia. Não apenas redescobriu o estilo como encabeça um projeto web-radiofônico, no qual intercala belas poesias com músicas selecionadas por ela. O conforto trazido pelo gênero acabou fazendo-a confortável para escrever seu primeiro poema. Além da literatura, a atriz observou os caminhos da moda – segmento que a revelou – especialmente no que tange à pluralidade dos corpos e a nova onda de inclusão, na qual, as modelos maduras também estão inseridas. Nesta entrevista exclusiva, Pfeifer também aproveitou para revisitar sua carreira e falar da novela “Torre de Babel” icônico folhetim no qual a intolerância fez explodir um casal de lésbicas.

Sílvia Pfeifer: Poesia e arte. Atriz está de volta ao ar com “Rei do Gado” (Foto: Divulgação)

REI DO GADO

Nada supera um clássico! Exibida com incontestável sucesso em 1996, “O Rei do Gado” traz a ousadia política típica de Benedito Ruy Barbosa, num “Romeu e Julieta” rural: Um latifundiário se apaixona por uma sem-terra. Autor se propôs a discutir sobre reforma agrária em pleno horário das 20h. Na periferia deste “amor politicamente inviável” entre Luana (Patrícia Pilar) e Bruno (Antônio Fagundes), está Léa (Sílvia Pfeifer), sensual mulher que ousou abandonar o tal rei do gado em nome de uma paixão pelo mau-caráter Ralf, vivido por Oscar Magrini.

Sob a ótica de Pfeifer, Léa encontrou em Ralf uma realização, que não enxergava em Bruno “Léa queria, com Ralf, uma realização sexual que ela não tinha com o marido. É muito difícil para a sociedade aceitar que a mulher procure isso.

Fica a minha pergunta: Será que se fosse o contrário haveria tanta cobrança, tanto preconceito? Sim, por que são questionamentos sociais intensos – Sílvia Pfeifer

Importante destacar que a sociedade da época voltava toda sua crítica ao fato de Léa estar ter um caso extraconjugal com Ralf, que era “um garotão”. Ainda que ambos personagem tivessem idades parelhas. A mesma mordacidade não se verteu ao personagem Bruno, por exemplo, que também estava num caso extraconjugal e com uma mulher bem mais jovem, Luana.

No campo do visagismo, Pfeifer quase perdeu os cabelos em “O Rei do Gado“. “O diretor Luiz Fernando Carvalho queria um visual inspirado na personagem vivida por Anjelica Houston no filme “Os Imorais”. Na caracterização disseram que me cabelo ia cair se eu descolorisse daquele jeito. O diretor sugeriu que eu usasse uma peruca e eu neguei, preferi arriscar. Realmente chegou num momento que o cabelo começou a cair em face das descolorações, o que me obrigou a usar um produto específico e mudar o penteado”, lembra.

Sílvia Pfeifer louríssima em “O Rei do Gado” (Foto: CEDOC/TV Globo)

O CORPO, A MODA E A BELEZA NA MATURIDADE

Pfeifer iniciou a carreira de modelo entre 1979 e 1980. Segundo ela, naquele momento não havia apenas mulheres magrinhas, não. “As mulheres não eram malhadas. Era um outro conceito estético, completamente diferenciado. Você não precisava ter um corpo definido, os seios eram menores… Depois passou a haver corpos com mais contornos, até que houve a necessidade de uma maior inclusão das pessoas na moda. Até vejo que, eventualmente, há um retorno aos corpos magros, mas da forma como era antigamente nunca vai haver. Até por que a grande maioria dos estilistas está tentando mostrar toda a variedade de etnias, de identidades de gênero e pluralidade de corpos e formas.

Acho que é algo altamente cruel olharem para alguém e imediatamente remeter aquela pessoa a uma estética e a um conceito estético xis e que, na verdade, foi criado. Alguém recebeu um input de que um conceito estético deve ser assim e há pessoas que não têm nada a ver com essa “padronização – Sílvia Pfeifer

Sílvia Pfeifer e Wanderley Botelho em produção de Giorgio Armani (Foto: Biblioteca Nacional/Revista Manchete)

MEMÓRIAS NA TV

Em entrevista à Cristina Franco, no Jornal Hoje, em 1981, Sílvia dizia: “Eu era muito alta para desfilar os looks de Kenzo. O pessoal me curtiu, mas as roupas pararam na metade do braço ou na metade da perna”. Pfeifer e Betty Lago (1955-2015) foram uma das primeiras modelos brasileiras a lograr sucesso no estrangeiro. E, de alguma maneira, a dupla foi, também, pioneira ao migrar das passarelas para os estúdios de TV. Ininterruptamente nas telas, entre 1990 e o início da década de 2020, a atriz segue em busca de novos desafios num mundo artístico que está em movimento no pós pandemia:

Quero encontrar alguém para formatar uma ideia de programa que tive, ou uma peça, mas isso é complicado precisa ser arrumado, formatado e viabilizado junto às Leis de Incentivo e patrocinadores. O mercado está muito oscilante ainda e eu não tenho nenhum trabalho firmado. Atuei em “Reis” na Record, em março, e desde então estou sem trabalho” – Sílvia Pfeifer

Ainda segundo a atriz, o trabalho artístico está em mudança em razão da entrada dos players de mídia, além da TV: “Eu acho que o streaming está abrindo muitos projetos. E as emissoras também têm que produzir, não podem apenas reproduzir, mas em razão do recrudescimento da pandemia houve uma freada nas produções. Muita gente acabou ficando disponível no mercado e as emissoras não estão contratando. Motivo pelo qual acaba por haver mais gente ociosa e disponível na concorrência. Tomara que apareçam trabalhos”.

Sílvia Pfeifer. Seu último trabalho em TV foi “Reis”, na Record TV (Foto: Divulgação)

Nos últimos meses foi ventilado de que Pfeifer estaria retornando à moda europeia. Ela diz que, na verdade, por ter uma amiga que foi modelo e hoje trabalha como booker, Karin McCarthy, aproveitou para circular com ela em Milão e fazer contatos. No entanto, voltar a modelar no Brasil seria ótimo”, frisa.

A pandemia, efetivamente mexeu com a cabeça de todo mundo. Uma pesquisa do Instituto Ayrton Senna em parceria com a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, em artigo publicado na Agência Senado, explicitou haver um forte impacto junto à concentração de estudantes. Todavia, não incomum, adultos relatam estar com problemas de concentração na leitura. Sílvia Pfeifer sinaliza ser ela uma dessas pessoas. No entanto, com empenho, mergulhou nas poesias. Lembrou-se que um amigo, Andrey Brandão, estava com uma web-rádio, a BPM Rádio Brasil, e assim nasceu o programa “Sons & Poesia”. Recentemente, além do programa, Sílvia descobriu-se poeta e escreveu seu primeiro poema: “Há poucos dias, eu me senti confortável em escrever um poema pela primeira vez na vida. Acredito que o fato de estar lendo e falando acabou por me fazer deixar fluir a escrita”.

Sílvia Pfeifer é a host do programa “Sons & Poesia” (Foto: Divulgação)

BÁLSAMO BENIGNO

Muito se costuma atribuir o ingresso de Sílvia Pfeifer à teledramaturgia à série “Boca do Lixo”, de 1990. De fato, este foi seu primeiro trabalho como atriz. Todavia, em 1981, a então modelo figurou na abertura da novela “Plumas e Paetês” de Cassiano Gabus Mendes (1927-1993) “Era uma abertura muito legal. O Hans Donner é um craque! Era algo que misturava supermovimentos com fotos em sequência, esteticamente bem arrojado”. Nem ela poderia imaginar que seu primeiro papel de destaque como atriz em novelas se daria, justamente pelas mãos do mesmo Cassiano, com a Isadora Venturini de “Meu Bem Meu Mal”: “Eu não tinha ideia da proporção que a Isadora Venturini ganharia”. A personagem, uma vilã, “não foi assimilada por mim dessa forma, até por conta da minha pouca experiência. Numa das primeiras cenas, por exemplo, Venturini diz frases horríveis ao marido, que está no leito de morte. Foi uma prova de fogo”.

A subida meteórica da atriz na teledramaturgia não a poupou de críticas, que em “Meu Bem Meu Mal” ainda eram mordazes. Não menos, porém, àquelas que recebera em sua estreia, também como protagonista em “Boca do Lixo”: Estava me preparando para fazer um filme, e acabei não sendo convocada. Paulo Ubiratan (1947-1998) estava escalando para “Riacho Doce” e eu não me encaixava. Nesta mesma fase, estava em pré-produção “Boca do Lixo”, onde havia uma atriz que desistiu da personagem. A minha fita-teste já estava por lá e por ela fui chamada”.

Perguntamos se as cenas de nudez de “Boca do Lixo”, que tratava sobre o universo das pornochanchadas já estavam previstas e Pfeifer afirmou que sim e não apenas. Acreditava que a nudez nos sets seria mais fácil que aquela que realizaria nos palcos, no mesmo período. Ela explica: “Eu estava ensaiando uma peça com a Bia Lessa e a minha personagem ficava nua. Quando vi que haveria nudez também no projeto da TV dizia ter mais coragem de fazer cenas com este teor no estúdio do que no palco. Porém, mal sabia eu da projeção de um trabalho na Globo”. Uma das críticas por exemplo, veiculadas no Jornal do Brasil, de 25/07/1990, dizia ser “palpitantes cenas de nu explicito”. A matéria, de Eva Spitz, ganhou o seguinte título: “A Guerra das Peladas”.

Não apenas a nudez de Sílvia chamou atenção, mas também, a sua desenvoltura  como atriz “Para mim, realmente, foi algo assustador. Comecei a sair em revistas e jornais e começaram a haver críticas e observações, algumas muito ruins, outras construtivas. Tratava-se de uma experiência que eu não vivia enquanto modelo”. Ela prossegue dizendo que o tom da personagem foi conseguido através do auxílio de Roberto Talma (1949-2015), já que, em face da sua inexperiência, a composição era “meio intuitiva”.

Sílvia Pfeifer e José Mayer em “Meu Bem Meu Mal” (Foto: Acervo/TV Globo)

Desde o início dos Anos 1990, a atriz esteve veiculada à TV Globo. Em 2009, porém, fez sua primeira incursão na TV Record, casa a qual ela diz ser muito grata: “Fui muito feliz na Record. Naquela emissora tive a oportunidade de fazer dois papeis que nunca me haviam confiado: uma mulher bem humilde e uma rainha em novela de época”. Costumeiramente associada a um perfil mais aristocrático, Sílvia Pfeifer fez uma mulher pobre em “Topíssima”. “Essa personagem exigiu de mim um exercício de desconstrução, ainda que eu não seja uma pessoa que viva ‘na pose’. Mas, para viver a Mariinha eu preocupei me descontruir física e visualmente”. Seu trabalho seguinte, o de uma rainha numa trama bíblica, oficialmente uma nobre, exigiu da atriz uma composição especial. “Eu não queria fazer caricatura. Então a expressão corporal era outra”.

Sílvia Pfeifer e Simone Spoladore em “Topíssima” (Foto: Blad Meneghel/TV Record)

LÉSBICAS EM “TORRE DE BABEL”: PRECONCEITO E EXPLOSÃO

Sílvia Pfeifer e Christiane Torloni entraram para a história da teledramaturgia brasileira por conta da novela “Torre de Babel”. Ainda que não tenham sido as primeiras personagens lésbicas a figurar nas novelas. Porém, as personagens vividas por Torloni e Pfeifer eternizaram-se por uma forte rejeição do público espectador, que fez com que as personagens morressem logo no início da trama, junto da explosão do shopping, fato que movimentaria a novela.

A explosão do shopping e do casal lésbico foi sintomática e revelou a grande resistência a debates como esse na teledramaturgia brasileira, que tornaria a “chocar-se” com um casal lésbico em “Babilônia”, novela de 2015. Perguntamos à Sílvia se ela enxerga algum avanço na abordagem da questão LGBTQIAPN+ nas novelas contemporaneamente: “Hoje, eu vejo com ótimos olhos. Isso tem que ser realmente colocado em discussão. É realmente difícil levantar todas essas questões que a televisão, que, infelizmente, não consegue discutir com a profundidade que deveria haver. Mas [a novela] conseguiu colocar uma sementinha sobre esse assunto e eu acho que isso deve continuar sendo feito, especificamente pela TV aberta”, analisa.

Christiane Torloni e Sílvia Pfeiffer. Personagens lésbicas foram implodidas junto com o shopping. Preconceito (Foto: Reprodução TV Globo)

A BELEZA NA MATURIDADE

Em uma das inúmeras entrevistas com a atriz na imprensa brasileira flagramo-nos com uma manchete superlativa de 1988: “Silvia, a mais perfeita entre as manequins”. Aliás, tratando-se de beleza, como é estar diante da beleza na maturidade? “Antes de mais nada eu tenho que agradecer por estar envelhecendo muito bem”. Aliás, a própria atriz questionou a frase elogiosa que costuma receber e que ela própria já vem adjetivada que é “você está muito bem para 60 anos”.

Não é “Você está bem para os 60 anos”. É você está bem, apenas. Parece-me que estamos sempre diante do julgamento, da comparação – Silvia Pfeifer

A mãe de Emanuella e Nicholas atribui a sua beleza a uma comunhão de fatores. “Tenho uma genética muito boa. Meus pais demoraram muito para aparentar idade. Por minha vez, eu sempre pratiquei esportes, dançava, e quando fumava o fazia em poucas quantidades. Aos 17 anos, eu mergulhei na alimentação macrobiótica, por exemplo. Acho que estou colhendo os frutos das minhas escolhas. Claro que com o avançar da idade tudo começar a cair, há uma menor produção de colágeno, eu me vejo ficar mais lenta, mas observo isso sem nenhuma neura. Acho que temos que olhar para o que a gente tem”.

Sílvia Pfeifer. Mudança aos 60 (Foto: Divulgação)

Pisciana em dobro – Pois que Peixes é seu Sol e seu Ascendente –  revelou-nos ser o próprio arquétipo das pessoas regidas por este signo: “Preciso me policiar por que a minha vontade é de resolver tudo para todo mundo. Há uma coisa altruísta em mim que se relaciona com não sofrer e em não querer que o outro sofra”. Trinta e oito anos depois de um casamento, a coragem de reinventar-se. A essa nova fase, Pfeifer definiu como sendo “uma decisão”. Fausto Fawcett batizou uma música com o nome de Silvia Pfeifer e diz: “Copacabana está repleta de telões, passando gigantescas imagens de tudo. (…) No meio da vertigem audiovisual, concentrar seu olhar no maior telão do mundo, onde passam ininterruptas imagens da mais bela e sofisticada das manequins, a manequim número um: Silvia Pfeifer”.