Jayme Periard: Ícone dos 80’s fala dos 40 anos de carreira, demissão de atores veteranos e novelas ‘fora da curva’


Aos 61 anos, ator que tornou-se um dos galãs icônicos da geração 80, reflete sobre como a maturidade influencia nos trabalhos da TV e pondera sobre as benesses e contradições existentes sobre o fato de ser um ator veterano no audiovisual. Vê como positiva a pulverização das produções, especialmente devido ao streaming, mas enxerga também haver uma dificuldade entre os produtores de elenco que “não conhecem os atores das gerações passadas”. Ele diz estar escrevendo duas séries, além de ter projetos teatrais para comemorar 40 anos vivendo de arte no país

*por Vítor Antunes

Uma carreira robusta e em papéis provocadores. Assim é a trajetória de Jayme Periard, que em 2023 torna-se quadragenária. O ator, de 61 anos, esteve especialmente durante os anos 1980 como um dos galãs jovens da época, e participou de obras importantes da TV, como “Dona Beija” e “A Gata Comeu” – sendo esta última um dos mais incontestes sucessos da história da teledramaturgia brasileira. “A vida me trouxe até aqui com projetos e entusiasmo para seguir adiante. Ainda que não seja uma pessoa nostálgica, acho que nas décadas de 1980 e 1990 eu tive o privilégio de viver uma época mais humana, com muito mais conexão com as pessoas, de forma real e quando os objetivos eram outros, nos quais a fama era uma consequência”, pontua, em entrevista exclusiva. O ator fala ainda sobre como pretende celebrar os 40 anos de carreira: ele está escrevendo duas séries, além de ter projetos teatrais, e acerca do etarismo na televisão. “Vejo muitos colegas ressentidos por não serem mais valorizados ou sentirem-se esquecidos, mas este é um país de esquecimentos. A geração mais jovem não procura nem saber quem foi o José Wilker (1944-2014), por exemplo, ator com um mega volume de trabalhos”, observa.

Jayme Periard: Ícone dos 80’s fala dos 40 anos de carreira, etarismo na TV e revela segredo de uma trajetória” (Foto: Divulgação)

TEMPO E/AO TEMPO

Compositor de destinos e tambor de todos os ritmos, o tempo é onipresente. É ele quem ordena essa numeração que às vezes surpreende na contundência. Para Jayme Periard, a boda de esmeralda com a profissão será celebrada no palco. Ele diz estar escrevendo duas séries, além de ter projetos teatrais, “quero comemorar com uma volta ao teatro, vivendo personagens com os quais eu tenha maturidade para vivê-los nesta fase da vida. Nós, atores, temos grandes papéis que podem ser representados por pessoas mais maduras. Pretendo montar estes projetos no primeiro semestre”.

Diante de uma televisão aberta que dispensa os atores veteranos e se coloca com uma imagem cada vez mais jovem, ainda que esta faixa de telespectadores não a consuma, perguntamos a Jayme como ele enxerga a forma com a qual a TV lida com o ator maduro. Segundo ele “Há casos e casos. Há emissoras que valorizam, assim como o contrário. Com a abertura do streaming há uma pulverização de produções, por exemplo. Mas, “um fator em geral, que não é exatamente bom, é que alguns produtores de elenco não conhecem as gerações passadas – ou por que não foram apresentadas a elas ou por não terem interesse. Há produtores que te procuram e não sabem quem você é, desconhecem a sua experiência. Enquanto uns preocupam-se em saber sobre o seu trabalho, outros não”, argumenta.

O ator não olha a si de maneira crítica e nem é saudosista, nem traz algum fio de ressentimento. Fala do passado com naturalidade e o entende apenas como algo vivido, como a um tempo verbal. “Não sou de me assistir em trabalhos já realizados, não me vejo, nem me critico, sou muito consciente. Guardo de lá, do passado, lembranças carinhosas. Tenho comigo uma coisa de aproveitar bem cada fase da minha vida intensamente. Não tenho a menor vontade de ter uma idade diferente da minha ou um corpo que não seja o meu. Sempre fui muito bem resolvido com isso. Quando me revejo, compreendo o meu tamanho e o meu momento e que fiz o máximo possível. O que eu gosto daquela época são as lembranças da relação com as pessoas e dos amigos”. Depois de participações mais recorrentes na Globo, entre 1999 e 2018, o ator fez várias participações pontuais em novelas daquela TV. A última foi em “Segundo Sol“.

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Jayme Periard e Kelzy Ecard nos bastidores de “Segundo Sol”. Última participação de Jayme em novelas da Globo (Foto: Adriana Pizzotti/GShow)

NOS TEMPOS DA ‘GATA’

A primeira novela completa de Jayme Periard na Globo foi “A Gata Comeu”, em 1985. Segundo o ator, ele fora escolhido por “Herval Rossano (1935-2007) após um teste com mais de 80 pessoas”. A novela é dona de um fã clube ativo e presente ainda hoje, por mais que sua exibição tenha sido encerrada há 37 anos. Quanto à trama protagonizada por Christiane Torloni, ele diz que é um sucesso que “ninguém consegue explicar. É um fenômeno que decorre a cada exibição. Existe um clube de fãs que se intitula “Clube dos Curumins” – mesmo nome do clubinho das crianças personagens do folhetim – que se reúne na Urca, bairro do Rio onde foi gravada a história. Os fãs marcam de assistir os espetáculos do elenco de “A Gata Comeu” e é uma coisa super afetuosa.

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É inexplicável. A novela tem uma ingenuidade muito grande. A novela poderia ser um sucesso, mas transformou-se em algo indefinível, muito fora da curva. Até hoje as personagens do Nuno Leal Maia (Fábio) e da Christiane Torloni (Jô) são idolatrados assim como o meu personagem e o da Mayara Magri. A novela tem algo de importante não apenas por ser o meu primeiro trabalho, mas por ser o que mais me impactou profissionalmente – Jayme Periard

Jayme Periard e Mayara Magri em “A Gata Comeu”. Trama é um clássico da teledramaturgia brasileira (Foto: Nelson di Rago/TV Globo)

O ator fala com carinho do personagem Tito, um rapaz de bom coração ainda que cleptomaníaco. Tanto que por vários capítulos foi um dos vértices do triângulo amoroso de Babi (Mayara Magri) e Zé Mário (Élcio Romar). A moça não terminou a trama com Tito, e por muito pouco o personagem não ficou sem final na novela: “Quando eu fui pegar o último pacote de roteiros com a Guta Mattos (1919-1993) [produtora de elenco] disseram que não havia nada ali pra mim. Fui à produção e eles confirmaram que eu não estava escalado. Ou seja: não havia um desfecho do meu personagem. Eu morava em Niterói, na época, e fui para casa. À noite o telefone tocou, e era o Herval dizendo que eu fosse, no dia seguinte às 9h da manhã, na Urca (bairro do Rio), para gravar. Ele próprio providenciou a cena final de Tito. Quando o personagem pega uma carteira no chão, os telespectadores pensam que ele vai furtá-la e, na verdade, ele acaba por entregá-la à uma senhora que a tinha perdido. Foi muito emocionante, um impacto, um voto de confiança que ele deu em mim”. Logo depois do fim de “A Gata”, Rossano transferiu-se para a TV Manchete (1983-1999), onde dirigira “Dona Beija”, 1986, e Periard desempenhou um papel relevante na trama.

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A novela exibida na Manchete, de igual maneira, abriu as portas para o sucesso da extinta emissora. A biografia de Ana Jacinta de São José (1800-1873), cortesã mineira, exibida em 1986 foi o primeiro fenômeno da emissora carioca. Algo semelhante, porém ainda mais intenso, só seria experienciado quatro anos mais tarde, com “Pantanal”. Periard relata que as gravações nos estúdios da Água Grande, algo equivalente ao Projac global, não eram exatamente fáceis: “Os figurinos eram alugados de uma produtora cinematográfica italiana, portanto, preparados para serem utilizados na Europa. E nós usávamo-los nos estúdios da Manchete, no calor do Rio de Janeiro, dentro de um galpão de papel, no final da Avenida Brasil, sem ar condicionado, apenas com ventiladores pequenos que pioravam a sensação térmica. Não tinha jeito, sempre havia atores desmaiando. Houve uma cena, inclusive, onde estávamos eu, Maitê Proença e Sérgio Britto (1923-2011) e eu teria que dar uma fala para ele. Quando voltei-me ao ator, ele havia desmaiado. Não era incomum que os câmeras desmaiassem também”, relembra. Os estúdios da Manchete ficavam próximos à Avenida Brasil, importante via de rodagem da capital carioca, e situava-se entre os bairros de Vista Alegre e Irajá. Inicialmente um depósito das publicações impressas da gráfica, o espaço foi transformado – ou improvisado – nos estúdios da TV.

Jayme Periard e Maria Isabel de Lizandra em “Dona Beija” (Foto: Reprodução/Revista Manchete)

Ainda que houvesse uma precariedade no espaço – “os refletores eram amarrados com arames” – havia uma energia de edificação, a fé de que a Manchete abriria campo para o mercado, especialmente após a contratação de um grande nome como Herval. É o que fala o artista. “Sempre dizem que ele era genial e irascível, mas era também uma pessoa que conhecia muito de TV, um aglutinador, ele construía uma equipe que se doava em 100%, que nos recebia de maneira muito calorosa. Afora o elenco que possuía atores como Castro Gonzaga (1918-2007), Monah Delacy, Abrahão Farc (1937-2012), personalidades que eu admirava desde sempre e estava ali, com eles. Havia também, câmeras que faziam coisas acreditáveis com pouco recurso. Maitê Proença gravava 40, 50 cenas com sorriso no rosto, era uma colega indescritível, não só pelo trato pessoal mas o que imprimia. Era minha segunda novela, um personagem relevante e o Herval sabia para onde a gente estava indo”. O ator só lamenta o fato de a emissora não ter mantido um investimento desse porte. Anos mais tarde, após a exibição de “Dona Beija“, ele ainda estaria em dois outros projetos na casa, um dos últimos produzidos por ela, entre 1996 e 1998, antes que falisse, em 1999.

Jayme Periard em “Mandacaru” viveu o personagem Zagaia (Foto: reprodução/TV Bandeirantes)

Por mais que tenha estado em “Xica da Silva”, que considera uma trama melhor que “Mandacaru”, a subsequente, esta última foi um grande sucesso popular, em sua opinião. Especialmente quando fora reprisada pela Bandeirantes, em 2006. Periard comenta que este já era o objetivo de Walter Avancini (1935-2001). “Houve uma vez, enquanto fazíamos Mandacaru, que ele me disse estarmos fazendo um projeto que iria atingir a população da Classe C e D, uma novela popular, no melhor aspecto da palavra. E, de fato, estávamos. Apesar de a Manchete não ser uma emissora popular. Tive essa certeza quando, anos depois houve a reprise da Bandeirantes”. Com efeito, a exibição da novela de Carlos Alberto Ratton (1943-2019) foi mais bem sucedida na emissora paulistana, na qual obteve um bom resultado de audiência e expressividade junto àquele público. Inicialmente com 8 pontos e exibida com média de 4, o índice elevou o Ibope da Band no horário naquela ocasião. Jayme relata, inclusive, que ainda há hoje quem o aborde a fim de tratar sobre esta novela.

A falência do Grupo Bloch foi uma grande perda para a imprensa. E, também, uma algo considerável para os funcionários que foram dispensados dela, ou imediatamente – como os atores que estavam no elenco de “Brida”, encerrada antes do fim – ou para aqueles recém saídos da casa, como Jayme, que deixou-a logo depois do encerramento de “Mandacaru”. Segundo o artista, a generosidade de Avancini revelou-se nesse momento de crise, quando ele lhe perguntara se estava precisando de algo ou tendo alguma necessidade urgente diante da dispensa junto à casa e dos atrasos de pagamento durante o trabalho naquela trama: “[Avancini] foi um colega com o qual eu não tenho palavras e do qual tenho um grande agradecimento” sucesso estabelecido.

“SONHANDO EU SOU FELIZ”

Nos Anos 1990 dizia-se que quando um ator era citado nas palavras cruzadas ou posava para a capa de uma trilha sonora de novela era sinal de que havia sido bem aceito e que era um sucesso. Jayme Periard foi a capa da trilha internacional de “Gente Fina”, obscura trama global de 1990 e única experiência de Luís Carlos Fusco (1952-2003) como autor solo. O intérprete do personagem Alex define “Gente Fina” não como “um trabalho estranho, mas fora da curva. O galã era o Guilherme Fontes e eu era seu irmão bastardo. Ambos apaixonávamos pela mesma mulher, Kika (Lisandra Souto). Lembro que foi um trabalho leve, nos quais estive com pessoas ótimas como Sandra Bréa (1952-2000), Nívea Maria”. Em razão da baixa audiência e repercussão, a trama teve uma mudança na autoria e passou a contar, também, como Walter George Durst (1922-1997), mas nada deu certo e a trama passou em brancas nuvens. Tanto que nem mesmo há muitas informações disponíveis sobre a novela no próprio banco de dados público da emissora, o Memória Globo. A única coisa que permaneceu História afora foi a música “Sonhando eu Sou Feliz”, cantada por Beth Carvalho (1946-2019).

Jayme Periard era Alex em “Gente Fina” (Foto: Arquivo Pessoal/Colecionador)

Outra trama de pouca repercussão em que Jayme esteve foi “Cortina de Vidro”, ao ano anterior, e novela que Jayme apostava muito, “tanto que eu rescindi o meu contrato com Globo para fazê-la. O elenco era maravilhoso, mas como os recursos das produtoras – AVP, Miksom e SBT – foi minguando, a coisa começou a destrambelhar e tudo foi ficando muito difícil, de modo que eu pedi para sair antes da renovação do contrato, ainda nos seis primeiros meses. Depois, sem saber o que fazer para dar conta daquele elenco inchado, os realizadores resolveram fazer um incêndio para eliminar personagens. Até hoje essa novela é vendida por aí e não ganhamos um centavo dessas vendas. Ela roda o mundo e eu sempre vejo que ela está em algum lugar”. A fala do ator reitera uma matéria produzida aqui no Site HT, sobre o fato de a novela estar sendo vendida mundo afora desde 1991.

Jayme Periard e Sandra Annenberg em “Cortina de Vidro” (Foto: Caio Ferrari/SBT)

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Repercutindo outro trabalho feito por Periard, perguntamos se haveria espaço para uma novela como “Amor e Revolução” hoje, trama que abordava com mão pesada em temas como a ditadura militar. Na trama de Tiago Santiago, o ator vivia um militar. Segundo ele, “a novela se propôs a não ser tendenciosa para um lado ou para outro, tanto que tivemos chance de participar de reuniões com pessoas que participaram da guerrilha armada, outras que foram torturadas, bem como houve muito convite às pessoas alinhadas com o governo da situação, mas aquelas não toparam participar, senão duas pessoas. Meu personagem era inspirado no Doutor Fleury (1933-1979), que era membro do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social)”. Há relatos, segundo apontam o ator, e reiterados por literatura Histórica, que Fleury pessoalmente, seviciava aqueles que eram tidos como subversivos. Fala-nos Jayme que era um desfio “humanizar esse cara para que aquela barbaridade pudesse ser exposta (…). Se exibida hoje, a trama poderia seria usada como material para mais radicalização, seria munição para continuarmos nesse caos de ideias, de pensamento, de projetos e em como lidar com a realidade da vida”, analisa.

Neste personagem o que mais me espanta é a barbárie vinda do homem comum. Há uma crença geral em atribuir que essas pessoas perversas são algo diferente, mas na verdade estão situadas junto a pessoas comuns –  Jayme Periard 

Uma trajetória desenhada a mão por personagens reais e vida real ainda que estabelecida dentro de universo de fantasia, que é onde a arte reside. Jayme deixou a faculdade de Arquitetura a fim de investir no sonho de ser ator. E é. “A vida me trouxe até aqui com projetos e entusiasmo para seguir adiante”. E seguirá.

Jayme Periard em Gente Fina (Foto: Arquivo Pessoal/Colecionador)