Mayara Magri: Aos 60 anos, musa dos anos 1980 redescobre o amor ao lado do autor de novelas Lauro César Muniz


Ícone oitentista, a atriz tem feito sucesso no Tik Tok e comemora a reprise do trabalhos feitos naquela década no Canal Viva e o fato de estar atingindo um público jovem. Namorando com o autor Lauro César Muniz (84) há seis meses, a artista fala sobre o preconceito diante do relacionamento com um homem mais maduro e destaca a vanguarda de ter feito a série “Delegacia de Mulheres”, em 1990, 16 anos antes de haver sido promulgada a Lei Maria da Penha.

*Por Vítor Antunes

Mayara Magri esteve muito ativa nas redes sociais nesses dois anos de pandemia: Descobriu o TikTok, onde tem quase 40 mil seguidores, tocou um projeto de resgate dos anos 1980 junto com as amigas Neuza Caribé, Márcia Rosado e Patyelle – o PutzGrila TV – além de fazer leituras dramáticas de peças de autores nacionais. Numa dessas leituras, reencontrou o dramaturgo Lauro César Muniz, pelo Zoom. O que inicialmente era uma conversa pelo aplicativo de vídeo, acabou transformando-se numa renovada amizade através do WhatsApp. Pouco tempo depois, a novela “O Salvador da Pátria” encontrou sua reprise no Canal Viva, apresentando a atriz para uma nova parcela de público que não a conhecia. O sucesso retumbante da trama no canal por assinatura fez aproximá-los ainda mais. Das conversas mais frequentes, nasceu o namoro: “Em outubro do ano passado, quando ele (Lauro) já estava separado, veio a São Paulo. Ia passar três dias aqui em casa, acabou passando três meses. No dia 28 de abril completamos seis meses de namoro”.

Em razão da diferença de idade entre eles – Lauro tem 84 anos – a reação das pessoas nas redes sociais nem sempre é amistosa: “Falam coisas horríveis. Há sempre aquelas pessoas que são contra, que dizem palavras desagradáveis, o que, de alguma forma, já estou acostumada. Mas há quem diga coisas bacanas também. O que importa é que estou cuidando da minha vida, cuidando de mim. O bom de chegar aos 60 anos é que esse tipo de reação não me importa mais. A gente entende que há pessoas que são amargas, carentes, solitárias e que esse discurso é uma bobagem”. A atriz tornou-se sexagenária no último dia 2 de maio. Sobre a idade, comenta: “É contundente, mas eu não me percebo com 60 anos. Pra mim é como se fosse fazer 40. Eu não sinto nada, e fisicamente tenho a sorte de não aparentar idade, sempre fui assim. Se não fosse o calendário, eu jamais acharia que isso é verdade”.

Mayara Magri e Lauro Cesar Muniz. A reprise de “O Salvador da Pátria”, novela escrita por ele, aproximou o casal (Foto: Reprodução/Instagram)

Em sua carreira na televisão, Mayara viveu muitas mulheres à frente do seu tempo. Em “A Escrava Isaura”, da Record, interpretou Tomásia, uma abolicionista em pleno Século XIX. Em “O Salvador da Pátria”, ela deu vida à  Camila, uma moça que, diante de uma gravidez indesejada, planeja o aborto. A forte grita popular fez com que o autor da novela, Lauro César Muniz, optasse para personagem um aborto espontâneo. Sobre esses papéis, Magri aponta uma semelhança entre a personalidade delas e a sua: “São mulheres muito avançadas, o que dialoga muito com a minha personalidade. Umas se assemelham mais a mim que outras, mas eu sou assim. Saí de casa aos 17 anos, em 1980, para estudar na Escola de Arte Dramática e fui um morar em São Paulo. Comecei muito cedo a trabalhar e a cuidar de mim”, relembra. A artista é natural de Mogi Guaçu, interior de São Paulo, cidade que dista em cerca de 160 quilômetros da capital paulista.

Em “A Escrava Isaura”, da Record, Mayara Magri viveu Tomásia (Foto: Divulgação/Record TV)

Dois trabalhos, porém, se destacam na vanguarda: “O Portador”, de 1991, primeira série a ter um protagonista positivado com HIV quando o assunto ainda era tabu, e “Delegacia de Mulheres”, de 1990. Sobre a série, e contextualizando com a realidade atual, Mayara afirma: “Foi um programa tão vanguardista… Uma pena ter acabado. Nunca se matou tantas mulheres como agora, e a pandemia fez piorar muito os dados estatísticos. Minha personagem, Belinha, era a mais delicada das mulheres da delegacia, mas ela estava lá, junto com as outras policiais, tentando salvar as mulheres das agressões. De 1990 pra cá, tudo parece ter piorado”. Naquele início de década, a discussão sobre a temática de proteção à mulher ainda era muito incipiente, de modo que a primeira delegacia especializada havia surgido cinco anos antes, em São Paulo. Ainda hoje há alguma dificuldade na implantação de políticas públicas voltadas às mulheres. Em 2015 havia apenas 131 unidades no estado de São Paulo e 14 no Rio. No ano em que a série foi exibida ainda não existia, na legislação, algo que protegesse a mulher agredida. A Lei Maria da Penha só viria a existir em 2006. Sobre este tema, Mayara prossegue: “Os homens continuam batendo, agredindo, matando suas esposas. A mulher vive acuada. Eu acho que a TV tem essa obrigação, que é a de fazer alertas através de novelas e minisséries para as pessoas, que são muito carentes de informação. Acho importante haver esses temas políticos, que falam sobre o dia a dia, que fazem alertas sociais”, destaca.

Em “Delegacia de Mulheres” Mayara viveu Belinha. Produzida em 1990, a série foi pioneira na abordagem de políticas públicas para a proteção da mulher  (Foto: Reprodução/Canal Viva)

A atriz é uma daquelas pessoas que reconhece, na novela e nos programas de televisão, um espaço onde se pode inserir a discussão de temáticas profundas e pautas contemporâneas, o que pode fazer desses produtos uma espécie de crônica do cotidiano: “Novela é algo mais que ‘o acompanhar a vida dos casais românticos’. Cabe a discussão de outras temáticas. Discutir questões políticas ou de interesse público, sem pesar a mão, pode gerar interesse das pessoas. A inserção de questões contemporâneas por exemplo, favorece o reconhecimento da realidade. Em ‘Amor com Amor se Paga’, o personagem do Ary Fontoura (Nonô Correia) reclamava que tudo estava caro, como o leite e a gasolina, tal como hoje”, opina.

Amor com Amor se Paga” e A Gata Comeu, embora sejam novelas mais ingênuas, têm questões delicadas, o que quase impossibilita uma reedição contemporânea. A pancadaria entre Jô (Christiane Torloni) e Fábio (Nuno Leal Maia) seria profundamente problematizada hoje, nesta novela cujo nome provisório chegou a ser “Tapa de Amor não Dói”, até que fosse escolhido o título definitivo. Sobre esta questão, a atriz frisa: “Mesmo sendo novelas mais ingênuas, têm cenas que passavam lá e que hoje nem poderiam ir ao ar. Embora eu ache que, às vezes, o politicamente correto pese a mão, em casos como este ele foi bom”, comenta. “A Gata Comeu” foi recentemente inserida no catálogo da Globoplay e tem fãs ardorosos. Somadas a exibição original e as reprises, a obra de Ivani Ribeiro (1922-1995) foi ao ar cinco vezes. O penteado da personagem de Magri na novela – um corte Pixie com um rabinho que se estendia pela nuca – foi o símbolo dos modismos influenciados pelo poder que a televisão tinha naquela década.

Cogitada de um remake, “Amor com Amor se Paga”, deve contentar-se apenas com a reprise no Viva e com a entrada no catálogo da Globoplay. Porém, outra obra realizada por Magri, em 1986, deve ganhar uma releitura. Trata-se de “Dona Beija”. A novela, exibida pela Manchete (1983-1999), foi um marco na teledramaturgia, tanto pelo esmero como pelas cenas de nudez protagonizadas por Maitê Proença. Para o próximo ano, o folhetim deve ser refeito pelo HBO Max e cogita-se que a protagonista seja feita por Grazi Massafera.

Mayara Magri e Yoná Magalhães em “Amor com Amor se Paga”, novela recentemente reexibida no Canal Viva (Foto: Reprodução/Instagram)

Sobre a experiência na extinta TV, a atriz relembra: “Foi um grande acontecimento para Manchete na época. Ela estava realmente apostando muito na teledramaturgia, embora ainda não tivesse o tamanho ideal para fazer novela daquele porte. Fizemos na cara e na coragem. Passávamos muito calor” – A novela era gravada na Estrada Água Grande, entre os bairros de Irajá e Vista Alegre, no subúrbio do Rio, e não havia refrigeração nos estúdios da TV. Sobre as gravações, Mayara prossegue: “Na época da novela ‘Helena’ (1987) as coisas já estavam melhores e já havia ar condicionado”. A atriz define como “um grande aprendizado” haver trabalhado com Othon Bastos, Sérgio Mamberti (1939-2021), Isabel Ribeiro (1941-1990) e Yara Amaral (1936-1988).

A fim de auxiliar seu marido de então, Herval Rossano (1935-2007), Mayara lançou-se numa experiência pontual como diretora, na novela “Cristal”, do SBT, sendo assistente de seu esposo, que estava adoentado: “Dirigi, de fato, duas cenas importantes. Com o tanto de trabalhos que fiz, teria condição de dirigir cinema ou TV. Teatro eu já não sei se saberia. Mas no momento me vejo dirigindo. Meu desejo na carreira é continuar. Eu, que trabalhei muito nos anos 1980 e 1990, vivo hoje uma vida mais tranquila, mas ainda assim, quero fazer coisas importantes que me marquem enquanto atriz e que possam atingir a vida das pessoas. A arte é transformadora, libertadora e eu acho que os artistas têm essa função”. Talvez por esse motivo a artista não tenha se interessado por nenhum projeto de retorno aos palcos, ou aos sets, no pós-pandemia. Ela não quer apenas representar, quer ser porta-voz de seus personagens. Ambiciona fazê-lo em breve: “Não importa se faço um papel de época, contemporâneo, ou se interpreto um texto de um autor nacional. O que me importa é o que eu vou falar através dessas personagens. A arte também me modifica. Sendo eu atriz, quero levar isso a quem assiste”.

Após influenciar o surgimento de uma geração de “Mayaras” entre os anos 1980 e 1990 e haver estado na recente reprise de “Amor com Amor se Paga”, sua primeira novela na Globo, aos 60 anos Mayara Magri mostra que, depois de uma pandemia, mais que nunca a arte existe e existirá. Talvez instante, talvez espera, mas certa de que para ela não há vida que baste.

Mayara Magri (Foto: Divulgação)