SICC 2019 – “Sem planejamento a moda não anda e as empresas não sobrevivem”, ressalta Walter Rodrigues


O coordenador do Núcleo de Design do Inspiramais falou no auditório ConecTech, no Salão Internacional do Couro e do Calçado sobre como as inspirações norteadas pelo tema Play já chegaram às vitrines das lojas e ao consumidor

Walter Rodrigues mostrando os conceitos que norteiam o Play, dentro do SICC 2019 (Foto: Dinarci Borges)

Em edição histórica do SICC – Salão Internacional do Couro e do Calçado, na qual o diretor da Merkator Feiras e Eventos, Frederico Pletsch, revelou que houve recorde de venda e de público – que em relação a 2018 passou de 8 mil visitantes para 11 mil -, o coordenador do Núcleo de Design do Inspiramais  (Único Salão de Design e Inovação de Materiais da América Latina), Walter Rodrigues, foi convidado a apresentar os novos rumos para o mercado de varejo + 2020_I em duas palestras. Uma ação feita em parceria com o SEBRAE e a Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal). O designer que, no encontro Papo Legal, no domingo, falou sobre as Perennials, apresentou, no auditório Conectech, as pesquisas para uma plateia de expositores, lojistas e compradores nacionais a internacionais. Os direcionamentos de design, tecnologia e sustentabilidade para a temporada 2020_I, que contaram com as inspirações provenientes da palavra-chave Play, já chegaram ao varejo com força total e começam a ser processados pelos consumidores de moda.

O que era inspiração já se traduz em coleções abrangendo toda a cadeia dos setores de moda, calçadista e moveleiro. “O pensar e concretizar inovações começam Inspiramais, a partir das pesquisas, passa pela produção (confecções) e chega no consumidor (vitrines). Precisamos entender os processos de design para conseguir relevância no mercado de moda, que é extremamente competitivo. Sem estratégias e planejamento a moda não vai para frente e as empresas não sobrevivem. Um grande desejo de mudanças, porque o mundo está muito chato, foi o grande start (por isso o mote play) para chegar às vitrines com tanta força”, ressalta Walter no início de sua palestra. O coordenador cita ainda as mudanças nos cenários político, econômico e cultural como a força desse conceito.

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A informação é combustível para fazer prosperar qualquer negócio. No varejo, então, ela é de extrema importância para guiar o mercado de maneira mais assertiva. Não basta mais saber o que está acontecendo. É preciso pensar o futuro de forma sustentável e com muita união. O ConecTech é um espaço do SICC, localizado no Módulo 4, e foi criado para auxiliar os lojistas a entenderem o mercado de forma mais abrangente por meio de ferramentas, tecnologias, palestras e conexões. O espaço, que nasceu na edição de 2018, é uma parceria entre a Merkator Feiras e Eventos com Instituto Brasileiro de Tecnologia do Couro, Calçado e Artefatos, IBTeC, e a SetaDigital, e foi criado pensando totalmente no varejo.

“Sou coordenador de toda uma pesquisa que é apresentada às empresas para o desenvolvimento dos produtos. Levamos muito em consideração a tecnologia e o DNA de cada marca. Não adianta só pegar a pesquisa, é preciso assimilar as considerações a partir do segmento da empresa, do produto que faz e do que pretende vender. Sustentabilidade e tecnologia são pontos fundamentais hoje na moda. Precisamos olhar para o design e interpretar. Design é começo, meio e fim”, enfatiza Walter.

“O Play remete a um pensamento muito interessante, porque diz respeito à diversão, ao lúdico, quase infantil. É uma busca para se soltar e ser livre de novo para criar. Esse é um ponto importante. Mas o tema carrega também a ideia de apertar o botão e acelerar na criatividade e no fazer diferente. Hoje, não temos uma forma de vestir, mas sim uma nova maneira de interpretar a roupa e os acessórios. Não é apenas um jogo de peças, mas um diálogo entre a liberdade de usar, a criatividade e a identidade. Tudo expressando um novo jeito de ser”, afirma Walter.

Nessa busca pelo entendimento do novo, está a Metodologia da Pirâmide. Trata-se de assertividade nos negócios. Todo um estudo é elaborado com base na criação da figura de uma pirâmide, que representa o 100% do mercado de moda. Dividida em três estágios que, juntos, vão atender a diferentes necessidades e desejos, facilitando a compreensão de quem é e como se comporta o consumidor – para quem os produtos são criados.

A Metodologia da Pirâmide que serve para compilar os dados das pesquisas de tendências e consumo.

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No topo da pirâmide, os 10%, é o início de todo o processo e o surgimento das ideias, com base em uma pesquisa direcionada que determina os objetivos e sistematiza a inovação e a experimentação. Surgem produtos que se tornam desejos de consumo. É nessa faixa que estão os inovadores, os visionários, os trendsetters, os lançadores de tendências, sejam eles marcas ou pessoas. E, segundo Walter, quando falamos sobre os 10%, o “Play” simbolizou uma ideia divertida de interpretar a moda e de iniciar movimentos que se dividem em: Reconfiguração, Referências Aleatórias e Expressionismo.

A Reconfiguração traz um sistema de rupturas e mudanças. É ela que, de maneira inovadora, faz a moda estar sempre viva redescobrindo silhuetas, desconstrução, mudança em uma estrutura. Como exemplo temos Rick Owens, que há 24 anos cria produtos carregados de uma estética gótica pós-apocalíptica, construídos a partir de modelagens tradicionais reinterpretadas e configuradas com novos volumes. O divergente, os volumes, cortes enviesados, estruturas de papel e desdobramento são as palavras importantes em reconfiguração”, aponta Walter.

A rua é a grande inspiração de Referências Aleatórias. Os movimentos urbanos pautam esse item em combinações audaciosas de imagens e cores. Por isso, o trabalho do artista Jean-Michel Basquiat é a grande referência. O americano ao longo de sua carreira construiu imagens com fortes traços. Seu sucesso é tão grande que em 2018 uma mostra homenagem passou pelos CCBBs do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte com um imenso número de visitantes. É como um grande outdoor em que colamos diversas ideias com um toque de artes gráficas – a partir de diversas camadas formando muitas texturas que geram novos princípios de estamparias. O trabalho de colagem reflete todo o movimento de extravagância visual urbana. Esse conceito é aplicado em produtos, imagens de inspirações, campanha e novos designers que surgem nesse movimento. A extravagância aparece também em saltos, a partir desse conceito. Portanto, quando se fala em referência, fala-se de colagem, extravagância visual e urbano para construção de novos produtos.

“Se pegarmos como exemplo a Gucci e a Balenciaga, vemos realmente coleções de colagens, referências de estampas, cores, formas, estruturas diferentes. Podemos ver nessa mistura de estampas uma gigantesca colcha de retalhos, e isso vai acontecer no mobiliário, em roupas, calçados… é complexo e interage com todos os setores de moda”, disse Walter. Segundo ele, usar todas as referências aleatórias que nos atingem ao olhar a internet ou sair à rua é fundamental, mas é necessário fazê-lo de forma inteligente e inovadora, utilizando essas informações para criar produtos para consumidores ultraconectados e que estão em busca de experiências únicas. “Hoje há escolha de produtos basicamente feita por smartphones. Com todas as marcas colocando produtos online, o consumidor vai escolher a cor através do plasma do celular. Pense nisso na hora de escolher a cartela de cores”, ensinou.

A obra de Van Gogh é a base do Expressionismo conceituado por Walter, a inspiração vem da importância das cores do pintor. “Podemos buscar no trabalho dele inspirações para superfícies com pinceladas com plissados pequenos e repetitivos como decodificação. Suas pinceladas marcadas e cores brilhantes e ensolaradas nos fazem pensar em cores vibrantes”. Como usar “pontilhados, pinceladas, formas sinuosas que se completam, novos usos de plissados – em mangas, decotes de blusas…”. As cores dos 10% são turquesa sujo, laranja e cinza areia. O que isso significa na prática? Que para estampas e efeitos é permitido o uso de até 3 semi-tons da cartela dos 10%, mas mantendo o protagonismo das cores originais.

Nos 30%, são onde estão os pragmáticos. São aqueles que entendem o valor e o potencial de um produtos, a partir dos resultados do estudo do ranking de aceitação proposto nos 10%. É como se eles esperassem um review dos inovadores para mergulhar nesses conceitos. Com base nesses resultados, a criação é alinhada com os processos industriais, com uma adequação de modelagem e fabricação para uma ficha técnica definitiva, para a busca da matéria-prima mais competitiva, do fornecedor mais confiável do mercado e para a planificação da distribuição. Neste ponto, o produto incorpora a informação de cores, texturas, acabamentos e estampas previstas nas tendências de moda, preparando-se para a grande produção e venda no mercado.

Casa cheia no auditório Conectech para assistir Walter Rodrigues falando sobre o Play. (Foto: Dinarci Borges)

O conceito chave desta faixa da pirâmide é a simbiose entre tecnologia com a natureza, o grande desafio das empresas sustentáveis, atualmente: “As modelagens se mantêm como uma estrutura a ser trabalhada e é um bom momento de falar de matéria. Como vamos interpretar a matéria?”, questiona Walter, apontando o caminho das pedras: muito brilho, ultraverniz, metalizados, holográficos – seja em solados, objetos e tecidos -, brilho, glitter, pedrarias, franjas. Esses elementos acionam um lado divertido, ressaltando estruturas disformes com cara de futuro de ficção científica.

“A franja está em um momento interessante. Não é boho, nem hippie chic, é delicada, suntuosa, luxuosa, vem acompanhada de pérolas, cristais, e criam um enorme impacto visual”, disse. “A aposta em materiais ‘estranhos’ vale a pena aqui. Isso causará grande impacto”, afirma ele, que não restringe as ideias a um único público. Aquecer, impermeabilizar e multifunções são as características desses produtos. Exemplos de tubulares e correntes, o xadrez disruptivo – que não é como o comum, e sim mais sofisticado -, o jacquard 3D, mutações de peças, workwear, utilitário, cordas, tiras e ganchos.
“O zíper é um elemento forte nessa categorias, pois ele é extremamente funcional e transformador, por dar a capacidade de uma peça ter capuz, esconder, tirar uma manga, uma barra. É a ideia da mutação a caminho do workwear, da roupa de todo dia, da praticidade”, explicou. A cartela de cor dos 30% tem tons mais escuros. “De metalizados, o mais importante aqui é o prata. Vermelhos, vinhos, berinjela e os tons que vem dela, roxo profundo…”, listou Walter.

Na base da pirâmide, os 60% estão os conservadores ou early majority, que é a grande maioria de usuários/clientes que entendem a importância da tecnologia e informação, mas precisam da influência de outros públicos para sentirem o desejo de inserção, pois, não estão dispostos a assumir os mesmos riscos que os dois primeiros grupos. Essa base fala sobre resistência. É nessa etapa que abordamos o volume criativo e caminha-se para uma venda com conceito certeiro. Ou seja, na base, o tema já vem sendo estudado há um ano (seis meses em cada segmento superior) e, por isso, é unânime entre os consumidores de moda. Essa etapa tem uma produção ágil e lucrativa, tendo em vista a experimentação, nos 10%, e o processamento, nos 30%. As etapas anteriores fornecem ferramentas que facilitam a aceitação e o sucesso comercial dos produtos no mercado. É a relação de preço e competitividade entrando em cheque neste ponto, sempre observando o consumidor de massa.

Abra os olhos e veja tudo, pois uma euforia de informação domina esse conceito. Over-info, volume e blocos de cores são as apostas certeiras. “O over info traz a ideia de preencher todos os espaços sem deixar lugar para a saudade. Para isso, é bom olhar para as raízes, as culturas interessantes do mundo e, a partir disso, investir em bordados, desenhos e capricho. Nesse universo temos quatro palavras para o desenvolvimento dos produtos: folclore, corações, barroquismo e animal print. A tradição do folclore, com elementos carregados nas culturas latinoamericanas ou europeias e o barroco trazem a força. Em época de refugiados, povos negando a entrada de imigrantes, a ideia de construção de um muro entre EUA e México, há o contraste de cor, que traz otimismo para lidar com toda a guerra do mundo. Quanto mais colorido, mais interessante”, afirmou Walter. Os corações também vêm como elemento de amor e doçura e viram enfeites de estamparia e bordados. “Ele fortalece a ideia de refugiado, imigrante, saudade do seu local de origem, de sua música, comida. Pode vir rebuscado, barroco, leve, como um traço, em estampa diluída em moletom. O coração ressalta a importância do amor no mundo”, disse.

Volume é o segundo tema dos 60%, e proporção é a grande senha, seja nos solados, fivelas, enfeites que podem ser tops, brincos ou amarrações. O tamanho é bem exagerado. Esses exageros acontecem tanto na decoração quanto na moda. O paetê entra em cena como o grande astro desse espetáculo do vestir. O matelassê cria volumes para os tecidos trazendo um tom teatral. “Solados maiores, mangas bufantes, saias balonê, drapeados dramáticos, peças com mais feitas em tafetás ou tecidos rígidos, pelúcia….”, exemplificou Walter.

O vermelho é muito importante para as coleções. A cartela cria contrastes como o vermelho com o azul (a combinação de cores mais linda da face da terra) nos detalhes de fivelas ou puxadores. A composição de cores é uma tônica e pode ser usada pelo menos quatro que conflitem entre si. A mistura dos vermelhos, dos laranjas, dos amarelos e dos azuis aparecem em um único produto. “Não é como no final dos anos 90. É uma nova forma de repensar a cor, o monocromático da cabeça aos pés. O vermelho é uma das mais importantes da estação, e pode surgir puro e em combinações nostálgicas com preto e branco, azul…”, listou. “A própria novela que está no ar, ‘Verão 90’, tem muito a ver com essa brincadeira de cor… o consumidor vai se sentir impactado e interessado. O colorido é importante agora”. Por isso, a cartela de cores dos 60% tem tons vibrantes e iluminados e o preto e o dourado, que dão fundo à construção de imagem de moda.

Leia mais aqui: Minas Trend – Durante palestra de Walter Rodrigues, o start de Inspirações 2020_II norteadas pela palavra-chave Zen

Quer ficar por dentro de todos os estudos de Walter Rodrigues e entender mais sobre as inspirações para 2020_II? Fique de olho na próxima edição do Inspiramais. O evento promovido pela Assintecal, Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB) e Programa de Internacionalização da Indústria Têxtil e de Moda Brasileira (Texbrasil), Brazilian LeatherBy Brasil Components, Machinery and Chemicals e Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) apresenta a designers, empresários, profissionais da moda e players das indústrias de calçados, bolsas, acessórios, vestuário e móveis de Norte a Sul do país e do exterior mais de 1.000 materiais inovadores para as indústrias da América Latina após um amplo estudo com referências e cartela de cores. O Inspiramais será realizado entre os dias 4 e 5 de junho, no Centro de Eventos Pro Magno, em São Paulo. O Inspiramais 2020_II norteado pelo tema “Zen” trará um olhar sobre vínculo, tempo e relação humana e apresentará, em formato de exposição com palestras, os produtos inovadores após estudos e pesquisas comportamentais aprofundados lançando um olhar sobre o passado, desde os movimentos globais à identidade local, e o presente, com análises de macrotendências, para, assim, adiantar o que vem no futuro na relação entre a indústria criativa e o consumidor, que vive em transformação constante.

Leia mais aqui: Inspiramais 2020_II: norteado pelo tema “Zen”, um olhar sobre vínculo, tempo e relação humana.