Pensador, pesquisador, defensor e um dos maiores nomes da atuação em prol da cadeia da moda brasileira: Ronaldo Fraga. No futuro, quem sabe, poderemos adicionar mais e mais adjetivos para definir a atuação desse mineiro que nos serve um banquete repleto de inspiração a cada criação assinada por ele, seja nas passarelas, em sua loja (O Grande Hotel Ronaldo Fraga), em seus livros, ilustrações e na direção criativa do Minas Trend, semana de moda e maior Salão de Negócios da América Latina promovido pela Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), e que terá sua 24ª edição realizada no Expominas, em Belo Horizonte, a partir de segunda-feira. A certeza que temos é que a moda pensada por Ronaldo decodifica um Brasil de ontem, hoje e para o amanhã, que emociona e compartilha conteúdo, sustentabilidade, inclusão, democratização, graça e leveza em tempos high tech e de sinergia com a Quarta Revolução Industrial. É um mergulho aos cinco sentidos do ser humano que olha para a moda por um grande telescópio nos fazendo degustar uma pequena fatia de seu infinito particular. Otimismo foi uma palavra-chave na nossa conversa, afinal, o multiartista acredita que podemos trilhar um caminho na moda brasileira.
Com a minha estrada profissional comungo com o olhar de Ronaldo para a moda autoral e o handmade. Tenho levantado a bandeira da brasilidade em meus textos sobre moda, acreditando que esse é um fenômeno de convergência. E o tal do diferencial? O handmade, o criar, criar, criar com o toque pessoal mesmo que estejamos em outra realidade dos Tempos Modernos de Charlie Chaplin. A moda autoral é a nossa Ferrari para o mundo. E as palavras repletas de ênfase podem ser conferidas in loco nas passarelas mais incríveis ao redor do mundo. Como já publiquei aqui, a cada dia a indústria da moda do nosso país tenta deixar de ser refém do alter ego colonizador do europeu e a maximização de potencial do artesanato brasileiro afasta nossa arte de uma armadilha letal, neste movimento progressivo do ambiente local para o internacional.
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E vamos em frente com essa conversa imperdível com Ronaldo Fraga
Heloisa Tolipan: Quais seriam os pontos mais importantes e significativos do contexto nacional da indústria da moda?
Ronaldo Fraga: A indústria da moda nos últimos 30/40 anos sempre oscilou entre a segunda ou a terceira no ranking dos setores que mais empregavam no país. Agora, no momento, ela está entre a terceira ou quarta colocação. E isso está longe de ser pouca coisa. E, muito mais do que gerar empregos ou movimentar a economia, é uma indústria como poucas a falar de cultura e gerar autoestima para a formação de um país. Estamos aí com ou sem crise e o brasileiro imprime muito de sua identidade na moda.
HT: O Minas Trend movimentará toda a cadeia produtiva da moda e o Salão de Negócios é o maior da América Latina. Como deu certo esta simbiose em Belo Horizonte e que não vimos em outros estados que tentaram fazer semanas de moda em paralelo com vendas?
RF: Um fator super importante foi o apoio da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG). Se não fosse a FIEMG apostar e apoiar, não estaríamos colhendo os louros desses 12 anos, agora nessas 24a edição. Foi um trabalho de insistência em que a FIEMG foi fonte de aporte financeiro e que, agora, começa a se tornar sustentável com a inserção de patrocinadores e parceiros. Portanto, a FIEMG com o SESI e o SEBRAE foram de grande importância para esse fortalecimento e crescimento. Houve desde o início um projeto de continuidade respeitado por todos. E aconteceu em um estado que tem sua a cultura muito ligada à moda. A indústria da moda mineira explica muito a formação cultural desse estado.
HT: O Minas Trend continua uma trajetória nova conferida a partir do segundo semestre do ano passado, cujo tema que permeou a edição foi ‘Agora e Para Sempre’. De que forma estamos trilhando esse caminho?
RF: Existem metas que estamos buscando. A primeira: buscar a sustentabilidade do evento. Queremos colocar a moda cada vez mais em diálogo com as diversas frentes da indústria. É de vital importância ser entendida como um veículo de cultura, não só para o estado, mas a partir do Estado de Minas para a cultura brasileira. O ‘Agora e Para Sempre’ é um foco para que não se perca o caminho. No Minas Trend, nós temos espaço para a moda, para o sonho, para o negócio, para a autoralidade, para a criação, para a exposição e outras frentes da cultura mineira e do país, como o teatro, a gastronomia e a música.
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HT: O Minas Trend integra o calendário da moda nacional. Conte um pouco o que já colheu de louros a partir da edição passada na qual você assumiu a direção-criativa.
RF: Pela primeira vez, em janeiro de 2019, o Minas Trend, já tinha batido o recorde de vendas de estandes. Faltavam quatro meses para o evento e já tínhamos a maior vendas de todas as edições. E isso aconteceu muito por conta do oxigênio, do otimismo, da cara que foi impressa na edição anterior com a nova gestão da presidência da FIEMG e de uma equipe trabalhando com muito otimismo e muita garra, superando todas as expectativas.
HT: Quais foram os maiores desafios da pesquisa para o Verão 2020?
RF: É o desafio que eu sempre imponho ao meu trabalho. A moda é o documento mais eficiente do tempo. Mas o desafio do design, do criador é entender o desejo desse tempo. É muito fácil você buscar referências no passado. É fácil você tentar adivinhar o futuro, mas o mais difícil é olhar para o que está acontecendo agora. Entender os buracos que estamos deixando agora. E, para mim, o desejo de agora, é o desejo de otimismo. Gosto de lembrar da criação de Dior (se referindo ao tailleur bar, New Look, 1947), no cenário do pós-guerra. A Europa estava destruída e ele traz o sonho. Nesse momento do Brasil é hora de trazer otimismo, de acreditar que vamos superar. É um momento de dias de sol, de paixão, de sedução, de energia, de inclusão. Não podemos perder de vista esses valores que estão cada vez mais caros no nosso tempo e a moda vai ter que falar disso. Não tenho a menor dúvida.
HT: De que forma as palavras oxigenar e diversificar passam a ser essenciais em momentos caóticos como o que estamos vivendo?
RF: O grande desafio, não é de agora, é da moda mesmo, é você pegar aquilo o que é intangível e decodificar isso em formas, em cores, texturas. E o precisamos é só colocar desejo para que as pessoas tenham vontade de usar, de trocar o personagem e acreditar e que ela vai fazer parte da construção desse novo tempo. E esse novo tempo ele começa no nosso entorno. Essa ideia de ficar na expectativa macro, que o governo vai mudar, que o estado vai mudar, que os nossos políticos serão outros, esquece. Você pode ser outro. Em atos do dia a dia, olhando para o próximo, tendo identidade e autenticidade no que você vai escolher para vestir… nos amigos que estarão ao seu redor, a vida que você vai ter, as músicas que vai escutar, os filmes que assistirá. Então é isso que vai fazer com que você possa ter oxigênio. A provocação foi dada às marcas do Minas Trend. Eu apresentei as palavras e disse: “Por cinco dias vai dar praia em Minas”. O vai dar praia é puro otimismo.
HT: O que o inspirou, o que o inspira e o que vai ainda o inspirar?
RF: Eu acho que essa história da inspiração, por mais que você olhe para um filme, para uma biografia, para tudo e busque inspiração, ela pode vir de jeitos diferentes. Mas o jeito da leitura, como ler, vai partir sempre dos mesmo olhos. É isso que se chama estilo, omo uma história que se conta. E eu continuo nesse lugar, que é pensar o diverso, a luta e a insistência da moda ser entendida como um vetor cultural poderosíssimo no Brasil. É nesse lugar que podemos transformar. A minha inspiração vem daí, das nossas caras, da nossa mestiçagem, das nossas diversas cores que formam o povo brasileiro.
HT: O Minas Trend apoia os novos criadores e como está o cenário da indústria criativa da moda no Brasil atualmente? Estamos indo em qual direção?
RF: A sensação é que há um ar de estagnação no mundo. Como se não houvesse mais surpresa. No entanto, eu digo que se a moda é um documento eficiente do tempo, então essa nossa moda desse momento está fazendo o papel dela. Está olhando para esse tempo e pensando em fazer com inovação. Mas sempre o olhar novo vai ser bem vindo. É importante que a gente dê a oportunidade de nascer uma luz: a dos novos olhares. Até porque eu não costumo usar a expressão novos estilistas nem para quem participa do desfile de abertura do Minas Trend. Tem estilistas ali com dez anos de profissão. Eles são pessoas que apoiam e que apostam na moda autoral. É tempo de autoralidade, e é isso que vai nos salvar.
HT: Temos o Ronaldo designer, pesquisador, mecenas das artes mais plurais do país e diretor-criativo do Minas Trend. Como ter tantas nuances e como conciliar com criatividade?
RF: Eu estou desenhando um novo curso de graduação e pós-graduação de uma faculdade em Belo Horizonte. Eu sempre fui muito crítico ao ensino de moda e, agora, estou tendo a oportunidade de vivenciar na prática. No desenho desse curso que, em breve vou apresentar, acredito que você vai adorar. Eu tenho insistido que o profissional de moda, que vai sobreviver no mercado, é aquele que tenha um olhar difuso de todas as coisas. Da minha geração, eu fui um dos poucos que sobreviveu, a trancos e barrancos, e está aí no mercado. Eu credito isso muito a minha formação e a curiosidade do meu ofício em estabelecer diálogos com outras frentes. É o design, o estilista estando apto a falar em arquitetura, economia, design gráfico, história, antropologia, cultura, arte. É ele de olho no tempo. Ele precisa disso, então não basta, mais, apensar saber fazer roupas, ok, moçada, tem que saber mais. Porque vai ficar cada vez mais difícil. A minha criatividade vem daí. Todo esse mundo em ebulição é minha fonte de inspiração.
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HT: Como a sua percepção do mundo da moda mudou?
RF: A moda muda o tempo inteiro e muda de uma forma muito rápida de uma estação para a outra. Quando isso se tornou claro para mim que a moda é o tempo na imagem do retrovisor do tempo, busco olhar e tentar entender esse reflexo. Que marca vou deixar do que estou fazendo hoje? Eu tenho certeza de que, no futuro, as pessoas vão entender que você estava falando de um momento muito próprio Então, essa história da moda alienada, que fala da roupa por falar, que faz a roupa por fazer, eu não acredito mais. Então, quem se presta a ser reconhecido como autor, como criador, hoje o buraco é muitíssimo mais embaixo.
HT: Você que sempre imprimiu em seu trabalho uma pesquisa aprofundada antes de um resultado, o que tem a comentar sobre o Salão de Negócios?
RF: Eu acho que evoluímos bastante. Quando você pensa nas primeiras edições do Minas Trend, a percepção das pessoas era que a moda mineira era apenas roupa de festa. Todo mundo passava a fazer roupa de festa. E hoje você começa a ver uma diversidade muito maior. Eu acho isso muitíssimo bom. Não queremos uma lavoura só com soja. Não queremos uma lavoura só com milho. Nós queremos uma lavoura com soja, com milho, com hortaliças, com mandioca, preservação de mata atlântica, com tudo. Nós precisamos de uma lavoura diversa e isso acontece na moda também. O Salão de Negócios ele tem que retratar isso. Nessa edição nós teremos algumas marcas de moda praia, marcas de jeans começam a vir também e esse é o foco: atrair outras frentes.
HT: Estamos em plena Quarta Revolução Industrial. O setor têxtil começa a operar em 4.0. O que tem a comentar?
RF: A 4.0 é a confecção do futuro e a transição começa a ser feita. E precisamos democratizar o acesso à tecnologia. No entanto, ainda temos que lutar por questões como impostos altíssimos nesse país. A transformação vai ser gradativa e surgirão novas profissões.
HT: Além da moda, o evento une cultura, gastronomia, exposições, shows… como é coordenar tudo? Qual a sintonia que sente com o que é apresentado na passarela e no Salão?
RF: Era um sonho antigo poder unir as artes. Desde o primeiro Minas Trend que assinei a direção criativa. E o fiz por nove edições. E, desde a primeira vez, eu falava assim: “Gente, esse negócio de um salão de moda mineira deve ser ampliado. Nós temos que vender serviço e a cidade como um todo. O evento tem que se fazer imprescindível para a cidade, com hotéis lotados, restaurantes, a cultura local em ebulição e temos que fazer valer aa máxima de que o mineiro recebe bem. Quando os compradores e a imprensa pousassem em Confins, precisam sentir que estão em um local com identidade forte e que a moda é pensada de uma forma diferente. Esse era o meu sonho. Agora, eu realizado também um desejo antigo de abrir o foyer para a população poder conferir as exposições, a nossa gastronomia, palestras, desfiles relâmpago à tarde, shows, apresentação de peças teatrais como a super aguardada da Nathalia Timberg, dentro da programação, com o monólogo da americana fashionista Iris Apfel. Vai ser muito bacana e vai dar praia!
HT: Esse ano o público terá ainda mais acesso ao Minas Trend. Como você vê essa aproximação?
RF: Eu vejo isso com bons olhos. Muito falam em popularização. Eu prefiro chamar de democratização. Democratizar esse universo. O inalcançável ficou cafona e não é por essa porta que o mundo vai se salvar.
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