Solange Castro Neves, coautora de “Mulheres de Areia”, fala do drama pessoal que enfrentou e está longe da TV


A roteirista, afastada desde 2001 das novelas, tem junto a seu nome e ao de Ivani Ribeiro os maiores recordes de audiência da década de 1990. Com a falecida escritora assinou “A Viagem” e “Mulheres de Areia”. Esta última estará em reprise na faixa de “Edições Especiais” tão logo seja encerrada “Chocolate com Pimenta”. Além desta, voltará ao ar através de “O Sexo dos Anjos”, pelo Viva. Solange rememora os bastidores das tramas acima citadas e as dificuldades pessoais que viveu desde a escrita de “Mulheres de Areia” até o falecimento de Ivani Ribeiro e seu afastamento, por motivos de mortes seguidas na família. Nesta entrevista, Solange abre o coração de forma sincera, revela suas saudades, os percalços na Globo e antecipa musical inspirado em novela espírita que escreveu

*por Vítor Antunes

Solange Castro Neves, assim como Ivani Ribeiro (1922-1995), são os nomes por trás de dois dos maiores sucessos da teledramaturgia brasileira, especialmente aquelas produzidas nos anos 1990:  “A Viagem” e “Mulheres de Areia“. Esta última ganhará sua terceira reprise na TV aberta a partir da segunda quinzena de junho. Contando com a transmissão original, em 1993, esta é a quinta exibição da trama – outra em 1996, um repeteco em 2012 e um novo em 2016 e agora, em 2023. “Mulheres” fez parar guerra na Rússia, ultrapassou em 15 pontos a média estabelecida para o horário das 18h, e eternizou Glória Pires como as gêmeas Ruth e Raquel, além da figura de Marcos Frota como “Tonho da Lua”. Já a novela espírita “A Viagem“, impulsionou o horário das 19h, a venda de livros sobre espiritismo e solidificou a imagem de Guilherme Fontes como o vilão Alexandre. O sucesso é tão grande que Solange pretende, junto aos autores Vítor de Oliveira e Thama Bertozzi, lançar para o ano que vem, 2024, o musical “A Viagem“, inspirado na novela.

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Além das reprises, Solange revisita sua carreira, destacando a parceria com Ivani Ribeiro, o afastamento da TV Globo, mesmo após grandes sucessos de audiência, e a migração para a Record ainda previamente à retomada da produção teledramatúrgica da emissora, em 2004. Ela assinou “Marcas da Paixão” (2000) e “Roda da Vida” (2001). Essas duas tramas foram escritas ao mesmo tempo em que a autora passava por um drama pessoal. “Próximo ao fim de “Marcas da Paixão“, perdi meu pai e, logo depois, minha mãe. Continuei lutando pela saúde do meu marido, meu grande amor, que adorava a vida. Encerrada a trama, passei a dar aulas de roteiro na minha própria casa, mas quando meu esposo veio a falecer, dois meses depois meu irmão a quem tinha muito afinidade, também partiu”, diz. Desde então, Solange não escreve mais novelas no Brasil e está afastada desde 2001 do formato. Negocia, porém, sua arte com outras produtoras e outros países.

Eu e minha equipe temos temos feito roteiros de novelas, séries, filmes, que estão nas mãos de produtoras negociando com streamings e tevês nacionais e internacionais como Globo, HBO, Netflix, Telemundo, Televisa e RCN. Temos elaborado também adaptações de livros para teatro e seriados” – Solange Castro Neves

Lucinha Lins e Fernanda Rodrigues eram mãe e filha em “A Viagem”. Sucesso de 1994 (Foto: Bazilio Calazans/Globo)

♫ COISAS DO PASSADO SÃO ALEGRES QUANDO LEMBRAM AS PESSOAS QUE SE AMAM

“Escritora roteirista, idealista e sonhadora”. É assim que Solange Castro Neves se apresenta nas redes sociais. Com mais de 40 anos dedicados à arte da escrita, a novelista celebra a reexibição de dois trabalhos seus: “Mulheres de Areia“, que voltará ao ar na Globo em meados de junho, e “O Sexo dos Anjos“, trama de 1989, que ganhará um repeteco no Viva. O último trabalho de Solange na Globo foi a novela “Quem é Você?”, malfadada trama das 18h, cujo argumento original era de Ivani Ribeiro, e da qual saíra ainda em seu início, por problemas familiares. Logo depois disto, Solange migra para a Record, onde escreve duas novelas “Marcas da Paixão” e “Roda da Vida“. Depois da trama da Record exibida em 2001, a novelista afastou-se do formato. Ela explica que “esse afastamento se deu devido a uma série de problemas que enfrentei desde o fim da novela “A Viagem”, relata ela. E enumera algumas situações que sucederam concomitantemente às novelas “Quem é Você“, (Globo, 1996), e aquelas exibidas pela Record acima citadas.

Pouco tempo depois da exibição da novela protagonizada por Christiane Torloni, a autora titular da trama faleceu. “A Ivani já estava muito doente e não queria que ninguém soubesse. Assim, muitas situações difíceis aconteceram para esconder o que havia de verdade. Durante “A Viagem“, Ivani foi internada, falecendo logo depois. Ela possuía muita confiança no meu trabalho e sempre procurei fazer jus a isso. Ela ensinou-me tudo sobre roteiros e teledramaturgia, e eu me sinto privilegiada por sua presença em minha vida. O trabalho me ensinou por um lado e a vida por outro. Entre nós sempre existiu um pacto de confiança, cumplicidade e amor e eu trabalhei ao lado da minha mestra e amiga durante 17 anos”.

Solange Castro Neves e Ivani Ribeiro. Amizade – e amor – a toda prova (Foto: Acervo Pessoal)

Ivani falece em julho de 1995. No ano seguinte, baseada num argumento de Ribeiro, Solange escreveria “Quem é Você?”. Fez os primeiros capítulos, mas não ficou até o final. “Logo no início desta novela, meu marido foi diagnosticado com câncer e foi muito difícil para minha família enfrentar essa doença . Para piorar, o Boni, pessoa que eu confiava, estava saindo da Globo. Isso me abalou muito. Tive como supervisor o Lauro César Muniz e nós dois tínhamos estilos totalmente diferentes. Afastei-me da trama e ele continuou com a novela”. A contrário do que se especulou na mídia na época, a autora diz que seu afastamento foi pacífico, ordeiro. “Sem brigas e em comum acordo, a fim de ficar ao lado da minha família”.

Tudo o mais foi especulação, maldade , mas acredito que um dia a verdade vem à tona. E as pessoas importantes sabiam do drama que eu estava vivenciando naquela época – Solange Castro Neves .

Ela prossegue dizendo que mais tarde foi trabalhar na Record, porque as gravações eram em São Paulo, mas, no final de “Marcas da Paixão“, eu perdi meu pai e, logo depois, minha mãe. Continuei lutando pela saúde do meu marido, meu grande amor, que adorava a vida. Passei a dar aulas de roteiro na minha própria casa, mas quando ele veio a falecer, e dois meses depois meu irmão, pessoa a quem tinha muita afinidade desde criança, fiquei sem chão. Não tenho vergonha de dizer, fui ao fundo do poço”. Castro Neves também cita as perdas, nesse meio tempo, de Cassiano Gabus Mendes (1929-1993), Paulo Ubiratan (1947-1998) – pessoa responsável por levá-la à TV, em 1982, para produzir “Final Feliz“. 

Além de ser uma mestra maravilhosa, a nossa ligação era muito forte, não tenho palavras para descrever Ivani Ribeiro. Foi minha mãe de coração e alma – Solange Castro Neves

Diante de um período tão difícil, Solange tirou ensinamentos: “As perdas que sofri nessa época também me ensinavam, mesmo que de forma indireta. Na época, eu nem entendia muito tudo isso, e hoje consigo ver que os caminhos que percorri me transformaram no que sou hoje. Amo a vida e o trabalho, e respeito e agradeço todo o ensinamento deixado pelos meus dois mestres. Criar, escrever, contar histórias faz parte do dia a dia da minha vida, assim como um chefe de cozinha precisa sempre estar elaborando novos pratos”.

Solange Castro Neves na casa de Ivani Ribeiro. Ambas tinham uma profícua amizade (Foto: Acervo Pessoal)

MARCAS DA PAIXÃO

Apaixonada por seu ofício. Apaixonada por sua família. Solange Castro Neves é vocacionada a apaixonar-se. Não à toa, sua primeira novela para a Record tinha o nome que abre este trecho da reportagem. No tempo em que esteve ausente dos roteiros dedicou-se a aperfeiçoar seu talento e ensiná-lo a jovens roteiristas. “Com a ajuda de meus filhos e amigos, resolvi fazer o curso de Cinema e TV na FAAP, pelo qual sempre fui apaixonada. Voltei a dar aulas de roteiro pelo Brasil todo, enquanto estudava e me reciclava junto aos alunos. Nesse tempo fui me recompondo enquanto diluía a dor que carregava dentro de mim, e hoje as lembranças dos que se foram, me dão a certeza de que estou no caminho certo”.

Todas as tramas assinadas por Solange têm um alto teor de romantismo. Ela própria vê poesia mesmo nos momentos mais duros da vida, tal como enxerga beleza nos encontros. “Sempre fui muito ligada à minha família. Brinco que ninguém conseguiu tirar o meu romantismo. Amo a vida e acredito no AMOR.  Penso que nada nessa vida é por acaso e nosso encontro – com Ivani e Cassiano – também não foi. Estava escrito que seria assim e hoje eu devo muito a eles, tanto no profissional, quanto no espiritual. Tenho certeza que nossa passagem por essa Terra não foi em vão e que iremos nos encontrar. Muito disso eu já sabia, mas não entendia, só veio a cristalizar e acalmar meu coração”. Afinal, assim como afirmado no último capítulo de “A Viagem”, a vida continua.