“Sexo dos Anjos” em reprise: Bia Seidl revisita participação e Solange Castro Neves, coautora, relembra problemas


“O Sexo dos Anjos”, novela de 1989, foi assinada por Ivani Ribeiro. Novela de repercussão mediana na época de sua primeira exibição, e famosa por não ter o resultado – nem o nome – esperado pela autora, “O Sexo dos Anjos” estará de volta ao ar, no Viva, a partir do dia 19. Sua colaboradora desde 1982, quando Ribeiro escrevia “Final Feliz”, Solange Castro Neves também conduziu “O Sexo dos Anjos”. Por estar muito próxima à veterana autora, Castro Neves conta-nos algumas curiosidades sobre a estruturação da trama e alguns bastidores, como o que resultou no afastamento do diretor Roberto Talma. Além da autora, conversamos com Bia Seidl, uma das protagonistas da, então, novela das18h. Ela também rememora sua chegada à novela global após haver sido desligada de “Kananga do Japão”, da Manchete. Saiba mais sobre a nova estreia do Viva!

*por Vítor Antunes

O Sexo dos Anjos“, novela de Ivani Ribeiro (1922-1995), estará de volta ao ar no Viva. A trama de 1989,  será reexibida pela primeira vez este mês. Nunca esteve anteriormente em nenhuma faixa de reprise. Solange Castro Neves, colaboradora de Ivani e coautora da trama contou sobre sua relação com a autora principal. A parceria foi tão bem aventurada – e já vinha desde “Final Feliz” (1982) –  que se estendeu para outros trabalhos, como as novelas “Mulheres de Areia” e “A Viagem“. Bia Seidl, uma das protagonistas da trama e que, inclusive, estampou a trilha sonora nacional da novela, falou com o Site Heloisa Tolipan sobre como é a sua relação com o projeto, que será exibido novamente depois de 34 anos. “Recebia muitas mensagens e pedidos para que essa reprise acontecesse”. Na novela, Bia vive o Anjo da Morte, encarregado de fazer Adriano (Felipe Camargo) levar consigo a vida de Isabela (Isabela Garcia). O plano, porém dá errado e o jovem apaixona-se pela moça. Com repercussão mediana na época de sua transmissão, especialmente quando comparadas às outras novelas de Ivani, esta é a chance de “O Sexo dos Anjos” revelar-se junto a um novo público e escrever uma nova história.

Solange Castro Neves, no entanto, revela alguns problemas que a novela enfrentou, como um desacerto estético entre a autora e o(s) diretor(es). Lembra ainda que Roberto Talma (1949-2015), “seguia um padrão que o Jorge Fernando (1955- 2019) adotava em seus trabalhos, que era o “ espelho” – no qual os personagens olhavam para a câmera, quebrando a quarta parede. Em comédia essa técnica deu super certo, mas em uma novela romântica não (…) . Tive de ir à Globo conversar com o Talma e escolher outro diretor, porque eu gostava e o admirava, mas especificamente nessa novela, a parceria entre autor e diretor não deu certo”. Sobre a primeira reexibição de “O Sexo dos Anjos”, Castro Neves aposta no sucesso entre os adeptos das histórias escritas por Ivani: “Penso que o público de hoje tem uma necessidade de histórias com a leveza que a Ivani escrevia, tanto isso é verdade que suas tramas sempre voltam e o público vibra”. Para Solange, rever a novela depois de 34 anos é “como se eu ganhasse um presente. A sensação é quase a mesma de quando iniciamos o trabalho e aguardamos com ansiedade pelo dia da estreia”.

“O Sexo dos Anjos”: Bia Seidl e Felipe Camargo em cena na trama que entrará em reprise no Canal Viva (Foto: Acervo/Globo)

MATINÊ NO RIAN

O clima de fantasia e ingenuidade, que sempre norteou a dramaturgia de Ivani Ribeiro estava presente em “O Sexo dos Anjos” desde a sua abertura. A música cantada pelo extinto grupo João Penca e Seus Miquinhos Amestrados era um rockabilly entremeado por um baile de atmosfera cinquentista –  com direito a bolas de chiclete, e dança de rosto colado – enquanto um anjo desastrado tentava flechar um casal. Inclusive, a canção de abertura fazia referência a um cinema extinto de Copacabana, o Rian, que viveu seu auge nos anos 50 até ser demolido em 1983. Bia Seidl entrou na trama por acaso. Estava escalada para fazer “Kananga do Japão“, da Manchete, emissora concorrente, mas acabou indo parar na novela das 18h da Globo.

Eu havia deixado a novela da extinta emissora por divergências com a direção. Roberto Talma (1949-2015) me convidou para ser uma das protagonistas. Fiquei extasiada! Era um enorme desafio fazer o Anjo da Morte. Ivani era uma autora talentosíssima e sempre foi uma honra ser protagonista de suas novelas – Bia Seidl

Todavia Bia não teve contato com Ivani. Em contrapartida, outra que teve contato muito próximo, não apenas por questões profissionais, mas também por amizade, era Solange Castro Neves. Foi sua colaboradora em outras novelas – “Final Feliz“, Mulheres de Areia” e “A Viagem” –  e na primeira experiência solo de Neves na Globo, com a novela “Quem é Você?”, o argumento era de Ivani. Conta-nos Solange que a aproximação entre ela e Ribeiro aconteceu em 1982, por conta de “Final Feliz“, através de Paulo Ubiratan (1947-1998). “Ele foi fundamental em minha vida profissional e era peça chave para a Globo nos anos 1980. Através dele cheguei também até Cassiano Gabus Mendes (1927-1993), que, tal como Ivani, são considerados dois monstros da teledramaturgia brasileira”. Através destes autores, Castro Neves passou a ser funcionária efetiva da Globo, estando em dois projetos dos novelistas – “Sexo dos Anjos” e “Brega e Chique“.

A historiografia teledramaturgica aponta que Ivani Ribeiro não gostou do resultado da trama e que não tinha simpatia sequer pelo título. Solange apresenta, porém, outros elementos dos quais Ribeiro não se agradava, e mais. Relata que a autora titular “teve um problema sério de saúde”, o que fez com que sua braço-direito, Solange, tomasse decisões “muito delicadas sobre a novela. No caso de “Anjos”, o estilo da Ivani era o romantismo, trazido para a modernidade do final dos anos 1980, adentrando em 1990 e o diretor, que era Roberto Talma, por ser mais jovem, seguia o padrão de Jorge Fernando, que usava em seus trabalhos “o espelho” onde os personagens olhavam para a câmera, quebrando a quarta parede. Em comédia essa técnica deu super certo, mas em uma novela romântica não, pois a emoção da trama se perdia. “Foi um dos momentos mais difíceis para mim, quando tive de ir à Globo conversar com o Talma e escolher outro diretor, porque eu gostava e o admirava, mas especificamente nessa novela, a parceria entre autor e diretor não deu certo”, revela.

A relação entre Solange Castro Neves e Ivani Ribeiro era muito amistosa. E como a veterana passou por problemas de saúde durante a roteirização da novela, algumas decisões passaram pela escolha da própria colaboradora. “As minhas ideias passavam por sua aprovação e foi um lindo trabalho. Ivani estava muito envolvida com o texto, uma vez que era a autora da primeira versão da novela ,  “O Terceiro Pecado” (1968).

Acredito que uma adaptação, para dar certo, tem que ser analisada de forma minuciosa e com muito cuidado, pois toda mudança pode comprometer o trabalho. Alguns assuntos abordados numa novela se tornam tremendo sucesso, pois acontece uma harmonia entre o texto, a época, a música e, principalmente, os diálogos atualizados para a época presente. Uma dessas alterações, pode desandar toda a trama – Solange Castro Neves

A temática espiritual sempre seduziu Ivani, tanto que este foi o norte de produções suas como “O profeta” (1977) e “A Viagem” (1975 e 1994). Bia Seidl relata que “sempre fui espiritualista, embora a minha base tenha sido o catolicismo. Sempre fui muito estudiosa de todas as vertentes espirituais. Sim, tenho fé e creio no poder da oração”. Castro Neves dialoga com a religiosidade de outra maneira, e muito por influência de Ivani Ribeiro. “Eu fui criada no catolicismo, batizada, crismada no interior de São Paulo, mas sempre fui muito questionadora. Só encontrei respostas para minhas dúvidas quando fui trabalhar como voluntária na APAE de Araçatuba, cidade que nasci. Ali, no meio do convívio com outras crianças, vim a descobrir que a vida é a continuação de uma longa história e que somos hoje o resultado de nossas escolhas do passado. Que o planeta Terra é uma grande escola e que cada um de nós tem um aprendizado.  Quando comecei a trabalhar com a Ivani, ela me ensinou tudo sobre trabalho e a olhar a vida com outros olhos. Tornei-me espiritualista, valorizando o espírito, e quando fomos escrever essas duas novelas [A Viagem e O Sexo dos Anjos], tive que fazer muitas pesquisas sobre o mundo espiritual”.

Solange Castro Neves foi coautora de “Sexo dos Anjos” (Foto: Arquivo pessoal)

Sexo dos Anjos” é uma novela é uma novela lúdica, romântica. Hoje temos tramas muito cheias “de realidade”. Há espaço para a fantasia no tempo atual? Para Seidl, sim. “Ninguém fica refratário ao belo, à poesia e à bondade. Hoje, mais do que nunca, precisamos deste contato com algo talvez impossível: termos uma experiência de vida baseada em pequenos atos de generosidade, a cada dia. A bondade é a maior religião”. Algo que se alinha com o pensamento de Solange: “Acredito que as novelas da Ivani Ribeiro são atemporais. Sempre há espaço para o romance. Uma novela tem que ser construída por uma gama de emoções, entre elas o amor. Não pode ter apenas vilões fazendo maldades, mas mocinhos românticos para mesclar a história. Penso que o público de hoje tem uma necessidade de histórias com a leveza que a Ivani escrevia, tanto isso é verdade que suas tramas sempre voltam e o público vibra.

 Ivani tinha muita confiança no meu trabalho e sempre procurei fazer jus a isso. Ensinou-me tudo sobre roteiros e teledramaturgia, e eu me sinto privilegiada por ela ter feito parte da minha vida. O trabalho me ensinando por um lado e a vida por outro – Solange Castro Neves

Elenco de “O Sexo dos Anjos” em cena. (Foto: Bazilio Calazans/TV Globo)

Sobre o saldo da relação com a mestra, Castro Neves diz que “As perdas que sofri – Solange fala dos autores Cassiano Gabus Mendes, Ivani Ribeiro, Paulo Ubiratan,  e a saída de Boni da Globo, além do falecimento de seu marido – também me ensinavam, mesmo que de forma indireta. Na época eu nem entendia muito tudo isso, hoje consigo ver que os caminhos que percorri me transformaram no que sou hoje. Amo a vida e o trabalho, e respeito e agradeço todo o ensinamento deixado pelos meus dois mestres”.

BIA SEIDL

Bia Seidl faz teatro desde muito jovem. Um de seus primeiros trabalhos foi na montagem de “Sereia de Prata”, encenação na qual estreou também a falecida atriz Claudia Jimenez (1958-2022). Desta peça, e da Tijuca, bairro no qual ambas foram criadas, Bia tem boas recordações. “Eu e Claudia e sempre fomos amigas próximas. Jimenez tinha carisma e um talento enormes! Sou tijucana raiz, sim. Morei a vida toda lá, estudei e tive meus melhores namorados”, e, descontraidamente, adjetivou os seus conterrâneos, únicos cariocas a lançarem mão de gentílico próprio: “Tijucano é meio cafoninha, mas pode confiar!”, brinca.

Não tardaria para a tijucana entrar na televisão. Sua primeira foi “Jogo da Vida”, em 1981. Mas, seu maior sucesso foi, sem dúvida, a Gláucia de “A Gata Comeu“, trama igualmente de Ivani Ribeiro. “Glaucia de “A Gata Comeu” continua sendo uma marca indelével na minha carreira e de que muito de orgulho. E a razão é simples: tudo que toca no coração da gente, eterniza. Novelas como as que Ivani escrevia trazia o que todo folhetim tem de mais forte, duas pessoas querendo ficar juntas e um monte de gente atrapalhando, pessoas simples superando obstáculos e vencendo, vilões tendo seu castigo e as esperanças sendo renovadas”.

Bia Seidl, Claudia Jimenez e elenco na montagem de “A Sereia Prateada”. Primeira peça de ambas (Foto: Reprodução)

Diante de uma carreira longeva, por óbvio, há alguns fracassos retumbantes. Um deles Bia acredita ter sido a novela “Tudo ou Nada”, obscuríssima trama da Manchete da qual não há quase nenhum vestígio. Ainda mais agora, após a falência da TV e o paradeiro incerto dos seus arquivos. “Creio que sim, [tenha sido uma de menor repercussão], mas fiz muitos fracassos, o que me deu a chance de conhecer os dois lados de minha profissão”.

Sem fracassos você é um impostor – Bia Seidl

Bia Seidl e Gracindo Junior em “Tudo ou Nada”: “Creio ser meu trabalho de menor repercussão” (Foto: Reprodução/Revista Amiga-Bloch)

Em 2019, Bia lançou-se num grande desafio na carreira, que foi fazer sua primeira novela fora do Brasil: “Valor da Vida“, na TVI: “Foi uma experiência fantástica e espero continuar atuando em Portugal. As diferenças são maiores em termos técnicos. Mas é sempre bom ter desafios e atuar sem recursos que tragam conforto desnecessário para boas atuações. Adaptei-me muito bem e foi uma enorme alegria ter sido convidada. Inclusive está reprisando na Band, às 22 h”.

Diante da constante onda de demissões nas TV’s, que desvalorizam a experiência de atores mais maduros, Bia tem uma perspectiva para isto: “Veteranos e bons atores, custam mais e às vezes isto encarece o produto. São mais exigentes, também. Uma série ou novela depende muito de temas que estejam interessando no momento, são escritas sob esta tendência. Não creio que atores com imenso talento e profissionalismo estejam fora disto”, vaticina.