Gaúcha, Bárbara Paz lança exposição importante em Portugal e sobre tragédia no Sul diz: “Choro diariamente”


Bárbara Paz transitou por muitas esferas dentro de sua profissão: participou de reality, fez novelas populares no SBT, fez papéis importantes e sofisticados com Walcyr Carrasco e Manoel Carlos, dirigiu longas e mergulhou na versatilidade. A artista está à frente da exposição “Auto Acusação” em cartaz em Portugal após passar por Rio e São Paulo, na qual revisita suas próprias cicatrizes – tecidas após um acidente m 1992 – e com as quais convive e fazem parte de sua identidade. Além disso, a atriz lamenta as catástrofes no Rio Grande do Sul, seu estado natal, onde cidades foram devastadas. Na cidade onde Bárbara nasceu, Campo Bom, 80 pessoas estão desabrigadas e 91 desalojadas. A família da atriz está bem e em local seguro. Ao voltar para o Brasil, Bárbara quer se voluntariar para ajudar o RS

*por Vítor Antunes

Não ha alívio no Rio Grande do Sul. Especialmente para os gaúchos que ainda têm familiares no estado, que se encontram duramente afetado pelas cheias. O número de moradores fora de casa após temporais, no RS, é superior à população de oito capitais no Brasil – Rio Branco (AC), Macapá (AP), Vitória (ES), Porto Velho (RO), Boa Vista (RR), Florianópolis (SC), Aracaju (SE) e Palmas (TO). A desvastação no Estado é grande. Em Campo Bom, cidade natal de Bárbara Paz, cerca de 80 pessoas estão desalojadas, segundo a Defesa Civil e 81 campo-bonenses estão desabrigados e foram acolhidos pela Prefeitura no Ginásio Municipal. A atriz ressaltou em entrevista ao Site Heloisa Tolipan que “A minha cidade está alagada, mas minha família conseguiu sair ilesa por a casa deles ficar numa região mais alta. Estou acompanhando diariamente os índices e com muita tristeza. Quando voltar ao Brasil quero me voluntariar a auxiliar o RS. A rede solidária é emocionante. Eu estou em vários grupos de auxílio, tanto de doação de água como de gás, já que não tem gás para cozinhar. Trata-se de uma tragédia nunca vista”

Bárbara destaca que está em Portugal em razão de estar lá capitaneando uma exposição autoral, a “Auto-Exposição”. Projeto que nasceu em São Paulo na Galeria Fontes, chegou ao Rio na Casa Hélio Oiticica e agora está em Portugal, na Appleton, em Lisboa, onde fica até o dia 16/05. Na exposição, ela propõe uma nova leitura sobre as cicatrizes que ficaram em seu corpo após haver sofrido um acidente no Natal de 1992. “Sempre quis fazer falar sobre minhas cicatrizes, sobre o meu olhar e meu discurso, sobre as nossas cicatrizes, sobre essa transformação como ser humano. A expô está muito bonita e a abertura foi um sucesso”. Além da exposição, que fica por um período curto, há nela uma performance e tudo remete ao acidente ao qual viveu a atriz. “O vidro que me cortou, os cabelos e que ajudaram a me esconder, a maquiagem, o ponto de sutura que me costurou, fotos, vídeos…”

Ser atriz é descansar de mim. O soro foi a primeira coisa que fiz. A arte chama “cicatriz” por que me dei conta de que na palavra cicatriz há outra, que é atriz – Bárbara Paz

Sobre ser múltipla – atriz, performer, artista plástica, cineasta – Bárbara diz que “sempre fui várias coisas. Não sou só uma atriz que me fixe à TV. Trabalhei no teatro, no cinema, nas artes visuais. Tudo isso sempre existiu. É mais um braço meu, uma ramificação”. Por mais que não esteja na TV, Bárbara tem planos de voltar ao cinema fazendo seu primeiro longa de ficção. Vou para onde a arte me leva”.

Elementos da própria Barbara Paz compõem sua exposição (Foto: Divulgação)

Bárbara paz olha para suas próprias cicatrizes em “Auto acusação” (Foto: Divulgação)

.

PASSO DOS VENTOS

“Sempre que me acontece alguma coisa importante, está ventando”, costumava dizer
Ana Terra. Mas, entre todos os dias ventosos de sua vida, um havia que lhe ficara para
sempre na memória, pois o que sucedera nele tivera a força de mudar-lhe a sorte por
completo”. O trecho anterior é um recorte de Ana Terra, livro do mais gaúcho dos autores, Érico Veríssimo (1905-1975). Foram os ventos que levaram Portugal a encontrar o Brasil. Foram eles que levaram Bárbara a levar sua arte para Portugal. Foram os mesmos a contribuir para que a água não escoasse para o mar, no Rio Grande do Sul. Mudança por completo, oriunda dos ventos. “Eis aí a resposta da natureza. E quem tem que calar-se são aqueles que não seguiram o que deveria ser visto isso há muito tempo. O aquecimento global não acontece só no Brasil e isso tende a mudar. Espero que com essa tragédia, as pessoas abram os olhos e que se mudem as direções”. Ainda segunda ela, nenhuma pessoa próxima, nem mesmo seus familiares foram atingidos pelas chuvas.

A relação de pertencimento de Bárbara com o Rio Grande é única, íntima e pessoal. “Eu já saí do Sul há muito tempo, mas o Sul nunca saiu de mim. Eu sou muito gaúcha, tomo chimarrão – tanto que encontrei erva e cuia em Portugal. É triste isso tudo. É algo impensável. Temos que ajudar e nos solidarizar. Ainda vai demorar a resposta. Por quanto tempo essas pessoas não vão trabalhar? Por quanto tempo o Sul ficará sem lavouras e sem gado? Isso é muito triste”. Bárbara lastima que, também, por tempos não haja produção audiovisual, por motivos óbvios.

Quanto à exposição, em cartaz em Portugal, Bárbara nega tratar-se de uma ressignificação de seu acidente, mas sim, um verniz para suas cicatrizes. “Não acho que seja a exposição sobre o acidente, ainda que se inicie por conta disso. Ela pauta na transformação em outra coisa, sobre os outros buracos que todos os seres humanos temos. Aqui em Portugal as pessoas se emocionam por que ela sempre toca em alguma ferida. Ela começa por conta das minhas cicatrizes, mas traduz as cicatrizes da nossa condição humana”.

“CicAtriz”: Um soro virou simbolo para Bárbara Paz na exposição “Auto acusação” (Foto: Divulgação)

A ARTE, O TEMPO, AS LOUCAS

Desde que estreou na Globo, Bárbara Paz sempre fez as personagens que são fora da rota. Intensas, contraditórias, desequilibradas. Incomoda a recorrência das mulheres, literalmente, à beira de um ataque de nervos? “Não. Me incomoda ficar sem trabalhar. A gente é tanta coisa, gosta de desafios. Mas as escalações pedem que os personagens se encaixem bem aos atores. Quando o personagem vem eu o abraço. Não me incomoda, contanto que o texto seja bom”.

Bárbara trabalhou com as grandes feras do teatro. Foi dirigida por Paulo Autran (1922-2007) – numa incomum função de diretor -, Bibi Ferreira (1922-2019) e pelo próprio Hector Babenco (1946-2016), seu marido, Bárbara rememora algumas dessas parcerias. “Passei por boas mãos, foi um grande aprendizado. Jô tinha um humor pessoal, dirigia mostrando como ele queria atuando. Era único. Bibi, também à sua maneira. Juca de Oliveira, com quem também trabalhei e aprendi muito. Fui moldada, educada e por eles, que me fizeram respeitar mais a profissão, para o sagrado dela, e onde ela deságua. O teatro é vivo e é parte nossa.

Bárbara Paz estreou na Globo em 2009 e desde lá fez vários tipos de mulheres de várias energias (Foto: Divulgação)

A atriz já passou por vários estilos de trabalhos. Desde as novelas intencional e excessivamente pops do SBT, que tentou fazer dela uma espécie de Thalia brasileira, às obras mais conceituadas na Globo, como “Amor à Vida”, ou a uma mulher viciada em bebida, a drunkoréxica – pessoa que por beber excessivamente acaba tendo distúrbios alimentares – Renata de Manoel Carlos, em “Viver a Vida”, sua primeira novela na Globo. O que dizer desse trânsito de personalidades artísticas? É pop ou cult? Bárbara diz ser ambas. “Ser popular não é uma escolha. Eu gosto de gente e isso me torna popular. Eu gosto de conviver com gente de todas as classes e de todas as pessoas. Eu sou simples e isso me faz ser popular. Ninguém passa em vão por nós nessa vida. Há troca a todo momento. A gente vive em sociedade e para ser popular é preciso gostar de gente, gostar de troca. Não fiz tanta TV como outras atrizes, em algumas ocasiões não tive escolhas, mas consequências da vida me levaram para trabalhos que não eram exatamente o que eu desejava, mas gosto de trabalhar e transito por esses lugares por me sentir uma estudante da vida”.

Bárbara Paz está em “Auto Acusação” e promete iniciar neste ano anda a produção de seu novo filme (Foto: Divulgação)

Para exemplificar essa questão, Bárbara lança mão da própria exposição, em Portugal. Ali é uma mistura do que sou. Tem fotos com painéis enormes e outras com fotos pequenas contidas num vidro pequenininho, que morou na minha pele. Tudo isso reside em mim. A gente é tudo”. E se uma poesia ordenou o conceito da exposição, Bárbara diz onde ela vê na vida, poesia. “Em tudo. A poesia me me salvou. Só vejo a vida através da poesia”. Entre bandeiras, sabres e farrapos, a gaúcha clama pela dignidade de suas cicatrizes e declara que o amor É seu País.