*Por Karina Kuperman
O curta-metragem “A Namoradeira” estreou ontem, dia 30, no Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul, no Cine Odeon, Cinelândia. Estrelado por Sheron Menezzes, o filme é um projeto especial. Isso porque “A Namoradeira” tem roteiro de Veralinda Menezes, mãe da atriz, é produzido pela Príncipes Negros Cultural, fundada por Veralinda e os filhos – irmãos de Sheron – Sol Menezzes e Drayson Menezzes. Além disso, Sheron foi dirigida por Licínio Januário, responsável pela Bará Filmes e seu cunhado. “Eu sou a mais velha dos meus irmãos e comecei muito antes na dramaturgia e depois cada um despertou para arte, estudou e começou a sua trajetória e seu caminho. E ver ali uma história criada pela minha mãe, o meu cunhado dirigindo e meus irmãos envolvidos me deu um orgulho. Orgulho de fazer parte e ter despertado a arte neles”, conta a atriz. “Agora quero ver todo mundo transformando esse filme em um longa”.
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A obra aborda temas complexos como violência e educação sexual, religiosidade, abandono psicológico e suicídio ao contar a história de Naná, uma mãe ausente que não percebe o sofrimento da filha durante anos por conta de abusos sofridos dentro da própria casa. “Naná é a figura central da trama, porque são as atitudes dela que precisam ser pensadas na sociedade a partir do filme. Quando se fala em mãe vem junto a figura do amor, da proteção e, ao que me parece, ela não sabe cumprir esse papel. O assunto é um grande tabu, mas que faz sofrer muitas crianças e muitas famílias todos os dias no Brasil. As estatísticas oficiais mostram isso. E sempre que se fala, nunca é abordado o papel na mãe ou no responsável pela criança numa história como essa, e isso precisa ser discutido. O foco é sempre o abusador e a vítima direta”, analisa Sheron.
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Veralinda, roteirista e que ainda assina o sobrenome Menezes, com um ‘z’ vai além: “Esse filme tem várias causas, várias mensagens! Ele chega para causar um certo desconforto, provocar discussões sobre assuntos tão graves que ocorrem dentro de muitos lares brasileiros. Não tenho pesquisas sobre como acontece em outros países, e a ideia inicial era ampliar essas informações e seu enfrentamento através da realização de debates após a exibição do filme, que espero que se dê não somente em festivais, mas também em muitas instituições jurídicas e sociais”, diz. “A Sheron tem um papel muito controverso na história, que é a base do filme: as mães, que deveriam ser as protetoras, são coniventes ou também são vítimas? Por que as mães se calam? A opção dos diretores por uma linha mais lúdica, com certeza, vai contribuir para que o filme tenha uma melhor aceitação da história por parte público”, analisa.
Apesar de não ter sido pensado em família, o curta despertou o desejo dos Menezzes de trabalharem juntos mais vezes, pelo menos é o que garante Sheron. “Não foi algo pensado inicialmente como projeto de família, mas foi acontecendo, a partir do momento em que li o texto da minha mãe, que já é escritora. Aí eu achei interessante para a sociedade. Topei, os outros toparam e foi acontecendo. Agora temos uma experiência que pode nos levar a outras experiências pensadas para a família, pois temos roteiristas, atores, diretores e produtores na família. E isso é muito importante pra realização de projetos em uma época em que os recursos financeiros estão tão escassos”, diz ela, que elege o momento mais emocionante no set: “Foi quando vi a minha irmã caçula , a Sol, coordenando como assistente de direção, pensei ‘caraca, ela cresceu!’. É que embora ela já seja uma atriz bem atuante, acabou de estrear em uma série e de filmar um longa e atua também no teatro. Pra mim, ela é sempre a pequena. Me sinto meio mãe dela”, confessa.
Veralinda ressalta: “Nossa família de artistas pensa que precisamos estar em todos os espaços de criação artística e falar de temas universais. Então, resolvi me dedicar a estudar roteiros para cinema. A ideia é ampliar o número de roteiristas negros, que estão na base da criação cinematográfica”, explica ela, que lembra claramente do início do processo: “Quando mostrei para a minha filha Sheron o roteiro que eu ainda estava finalizando no curso, ela gostou e trocamos ideia sobre a história. Ali percebi que o que eu havia escrito suscitava outras discussões, não só a que eu achava que era a principal. E, então, quando a Sheron isse que se virasse filme ela faria, eu fiquei muito emocionada e quase não acreditei. Outro momento muito especial foi quando eu comentei sobre isso com o Licínio Januário, mostrei o roteiro e ele disse: ‘então vamos fazer! Vamos mesmo! Vai ser a estreia da Bará filmes!’, eu vibrei: imaginem um filme feito em família! E foi quando entrou a minha filha Sol Menezzes e disse: ‘eu produzo!’ Acabou que ela ficou também na vice-direção. Então virou uma parceria em família e das nossas produtoras: a Príncipes Negros Cultural e a Bará Filmes. E em fevereiro o sonho virou realidade”, lembra. “Foi muito incrível, porque eu deixei de ser mãe para ser a mentora de uma obra que eles transformariam em realidade. E com o olhar deles e sem que eu pudesse palpitar muito”, conta, aos risos.
Licínio, responsável pela direção do curta, fala da emoção dessa estreia: “Estrear no Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul é um sonho luxuoso. Zózimo e muitos outros mais velhos deixaram um bastão com muitas responsabilidades para nossa geração e para mim o audiovisual é a ferramenta mais eficiente para gente potencializar e dar continuidade a todo que eles construíram para nós. A direção é um lugar de muita responsabilidade, poder. Poder falar e mostrar aquilo que o meu povo quer consumir não tem preço. É um ato político”, declara ele, que sabe da importância de debater um tema forte como esse com o público. “Eu penso que certos problemas sociais prevalecem porque a gente não conversa sobre eles. Tenho seis irmãs e graças a Deus elas nunca passaram por uma situação de violência sexual, mas muitas amigas próximas que já. Eu não sabia e se não fosse o processo do filme, talvez nunca soubesse”. Nesta parceria, entrou a co-diretora Jessica Barbosa para ajudar Licínio a ter um olhar feminino sob assuntos tão duros.
Sol Menezzes, que está na série ‘Irmandade’, no canal Netflix, como Juliana, define o curta: “‘A Namoradeira’ mostra a hipocrisia de uma família de ‘pessoas de bem’ que prezam por valores que não cumprem. Acho um filme de extrema importância para os dias atuais. Precisamos estar atentos às nossas crianças e aos sinais que elas dão. Crianças traumatizadas viram adultos traumatizados e essa ‘regra’ precisa acabar urgentemente”, diz ela, que, assim como os irmãos, a mãe e o companheiro, também ressalta a alegria de um set familiar. “Foi muito gostoso trabalhar rodeada de pessoas queridas, além das pessoas da família todos os outros profissionais da equipe estavam em harmonia para fazer o trabalho acontecer da melhor forma possível. Ansiosa pela resposta do público. Estamos fazendo nosso espaço no audiovisual brasileiro”, diz. Nós também.
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