‘Quis pautar debate consciente’, diz Leo Tabosa sobre curta ‘Alto do Céu’, que abordará violência doméstica


O diretor de “Marie”, que foi premiado no 47º Festival de Cinema de Gramado e no 29º Cine Ceará, também falou sobre a produção de um novo longa e a importância de dar visibilidade à população trans

*Por Iron Ferreira

O jornalista, escritor, ator, gestor cultural, roteirista e cineasta pernambucano Leo Tabosa vem fazendo bonito nos principais festivais de cinema do país, onde já conquistou inúmeras vitórias e se consagrou como um diretor de sucesso. Além de possuir uma extensa filmografia, com títulos como “Retratos” (2010), “Tubarão” (2013), “As aventuras do Menino Pontilhado” (2016), “Baunilha” (2017) e a ficção “Nova Iorque” (2018), o seu mais recente projeto, o curta “Marie” (2019), foi premiado com quatro Kikitos no 470 Festival de Cinema de Gramado e dois prêmios no 29º Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema. Preparando o roteiro do seu próximo lançamento, o curta-metragem “Alto do Céu”, que abordará a violência doméstica e tentará propor um debate mais consciente sobre o assunto, o diretor falou com exclusividade ao Site Heloisa Tolipan sobre a produção.

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O diretor prepara duas produções: o curta “Alto do Céu” e o longa “Gravidade” (Foto: Divulgação)

“Eu terminei agora de escrever o roteiro de um novo curta, intitulado ‘Alto do Céu’, que é o nome de uma estação de metrô do Recife. O filme conta a história de uma mulher que trabalha em uma loja de tecidos, desenhando vestidos para suas clientes. Ela sofre violência doméstica. A produção será muito silenciosa. Como ela não consegue colocar para fora todos esses anos de abuso, ela decide se confessar. Porém, não encontra acolhimento dentro da igreja. Embora não seja o meu lugar de fala, eu quis pautar um debate mais claro e consciente sobre o que acontece”, revelou.

O diretor também nos contou sobre “Gravidade”, o projeto de longa-metragem que vem desenvolvendo. O filme bebe na fonte do cinema fantástico e foi inspirado pela peça de teatro “Esperando Godot” (1952), escrita por Samuel Beckett (1906-1989), vencedor do Nobel de Literatura em 1969.

“O meu segundo projeto em produção é o longa ‘Gravidade’, que narra a história de duas mulheres que estão presas na cobertura de um prédio durante um apagão. Durante esse momento, todos os medos, segredos e conflitos familiares que estão escondidos vêm à tona. É um filme que fala sobre se despir dos preconceitos e enfrentar mágoas do passado. Assim como em outros trabalhos, eu utilizo uma personagem trans. É o filho de uma dessas mulheres que retorna, após ser deixado para adoção, para uma reconciliação”, disse.

“Marie” venceu a Mostra Competitiva Brasileira de Curta-Metragem no 29º Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema (Foto: Arlindo Barreto)

Apesar de inúmeras iniciativas cinematográficas em planejamento, o diretor ainda colhe os frutos do profundo e visceral “Marie”, que venceu, recentemente, a Mostra Competitiva Brasileira de Curta-Metragem durante o 29º Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema. A obra conta a trajetória de Mário, que depois de 15 anos, volta a sua cidade natal para enterrar o pai. Agora ele é Marie, uma mulher trans. A protagonista reencontra seu melhor amigo de infância, Estevão, e com ele, o seu passado. Os dois partem numa viagem para a cidade do Crato, no Ceará.

Ele afirmou que a necessidade de construir um personagem trans forte nasceu da experiência com o seu projeto de conclusão de curso na faculdade de jornalismo, quando, há dez anos, produziu um documentário em cima da vida de seis travestis pernambucanas que desenvolvem profissões desvinculadas da prostituição.

“Desde a produção do projeto, eu quis voltar a trabalhar com esse público. Queria fazer um filme para elas novamente. “Marie” nasceu disso. Embora o movimento tenha avançado muito nesses últimos dez anos, eu já tinha esse roteiro e entendi que a hora de apresentá-lo era essa”, comentou.

Leo Tabosa ainda completou ressaltando a necessidade e a importância de valorizar a força de trabalho dessa população: “Seria muito fácil pegar uma atriz cis para viver o papel de uma trans. Porém, eu quis valorizar essa cultura e tentei contratar uma atriz que efetivamente fosse trans. É muito bonito ter um discurso político voltado para as minorias, mas na hora de montar um espetáculo ou fazer um filme muitos se esquecem de que há indivíduos capacitados”.

Segundo o cineasta, parte da qualidade da obra é devido ao trabalho de Wallie Ruy, que interpreta a protagonista. A atriz, que foi homenageada com o Prêmio Especial do Júri durante o 470 Festival de Cinema de Gramado, conseguiu se comunicar com o público e transmitir um pouco do seu universo. Como a produção fala sobre família, amizade e afeto, todos saem da sala de cinema tocados pelo que foi apresentado.

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“Ela traz muita potência para esse filme. Queria que ela voltasse ao seu lugar de origem para se reencontrar consigo mesma. Acho que se fosse a história da trans que voltasse ao sertão e encontrasse um amigo de infância com quem acabasse transando, eu iria reforçar alguns estereótipos, o que eu não quis. Embora o morto seja o elemento central para unir os familiares que estão há anos separados, ela está muito bem no papel e consegue ser o destaque. A sua história de vida, que possui semelhanças com a narrativa, acabou criando um vínculo entre a personagem e a atriz, trazendo mais verdade”, frisou.

O cineasta também fez questão de exaltar o trabalho de Rômulo Braga, vencedor do Kikito de melhor ator pelo Júri da Crítica no 470 Festival de Cinema de Gramado, em seu papel como Estevão, no qual criou uma química perfeita com Wallie: “O Rômulo é um ator incrível e totalmente disciplinado. Ele não erra! Ele é ator de take único. Às vezes, eu fazia mais de um take só para garantir. Ele é comprometido e se entrega em cem por cento na sua atuação”.