“Em Família” volta no Globoplay. Marcelo Saback nega que autor Manoel Carlos tenha abandonado a novela malsucedida


Marcelo Saback é um profissional versátil. Ator, cantor, escritor… Escreveu filmes, peças e uma novela como colaborador, “Em Família”, que neste ano completou 10 anos e que naquela época causou a ele uma Síndrome de Burnout, porque estava em outro projeto também. A última novela de Manoel Carlos, marcada pelo insucesso, não “foi um gol”, segundo o próprio Saback, que nega a lenda urbana de que o autor titular tenha abandonado o barco pela baixa audiência e ele tenha tido que conduzir a trama sozinho. “O produto em si gera tensão. Estávamos todos fora da casinha – eu, ele, a equipe – e foi uma espécie de loucura. Tal como tantas novelas, enquanto um capítulo ia para o ar outros eram mexidos. E nessa época já se exigia um número xis de capítulos de frente – ou seja, um intervalo entre o que está sendo exibido e o que está no ar. Com os ajustes fomos quebrando os capítulos e reescrevendo, e tendo que reescrever rápido. Isso conturba a produção”, pontua

*por Vítor Antunes

Um dos autores mais prolíficos da Globo. Manoel Carlos é também um dos mais incensados tanto por seu valor como por sua qualidade artística. Poucos foram os insucessos de suas novelas, especialmente na Globo, emissora para a qual mais produziu para o gênero. A mais malsucedida de todas, muito possivelmente, é “Em Família“, que, coincidentemente, é a mais recente a entrar no catálogo do Globoplay. A novela que tem a última Helena, vivida por Júlia Lemmertz, chegou a ser apontada, em razão da baixa audiência, que Manoel Carlos a havia abandonado face à má resposta junto ao público. Marcelo Saback, colaborador e roteirista final da trama, nega que isso tenha acontecido – ainda que ressalta as turbulências ali presentes. “Eu estava escrevendo a novela do Maneco quando tive a minha aprovada. Comecei o projeto, saí de “Em Família“, mas acabei voltando à novela quando o meu projeto deixou de existir. Cheguei a ter uma Síndrome de Burnout”. A trama que estrearia em 2015 acabou não saindo do papel como uma novela, mas como uma série, “A Fórmula“, assinada em dupla com Mauro Wilson.

Ainda de acordo com o autor, “toda produção de novela é dura. Há sempre uma grande concorrência e cobranças. “Em Famíia” não foi um grande gol do Maneco e teve uma grande. O produto em si gera tensão. Estávamos todos fora da casinha – eu, ele, a equipe – e foi uma espécie de loucura. Tal como tantas novelas, enquanto um capítulo ia para o ar outros eram mexidos. E nessa época já se exigia um número xis de capítulos de frente – ou seja, um intervalo entre o que está sendo exibido e o que está no ar. Com os ajustes fomos quebrando os capítulos e reescrevendo, e tendo que reescrever rápido. Isso conturba a produção. Mas, claro, isso não foi um privilégio nosso. Várias novelas passaram por isso”.

É lenda que ele tenha abandonado a novela. Ele jamais abandonaria um projeto dele, pelo contrário. Fui eu quem saiu de “Em Família” para fazer a minha, ainda que o processo estivesse muito pesado. Ele é um autor maravilhoso e terminou a trama com toda a dignidade – Marcelo Saback

Ele conta, então, mais detalhes sobre a produção da trama. “Maneco não faz escaleta. Isso é uma coisa que eu e minha equipe fazíamos. Havia coisas que ele aprovava, outras que ele reprovava, ou reescrevia, o que é normal. Escaleta – resumo do capítulo que antecede o diálogo – é coisa recente. Os autores mais antigos, como ele, escrevem na emoção. E o Manoel Carlos tem um talento que é só dele. Cabia-nos tentar reproduzir esse estilo”. Com 143 capítulos, esta foi a última novela do autor. Hoje, com 91 anos, Manoel Carlos foi homenageado pela Globo com um documentário e falta apenas uma novela sua – das exibidas na Globo – a entrar no catálogo Globoplay.

Julia Lemmertz. A última Helena de Manoel Carlos era a protagonista de “Em Família” (Foto: Divulgação/TV Globo)

NARRATIVAS

Não faz muito tempo, as novelas tinham seus autores com assinaturas muito presentes. Conhecia-se tratar de uma novela do Manoel Carlos, do Benedito Ruy Barbosa ou da Gloria Perez devido a uma característica: a um estilo. Para Saback, “hoje as pessoas são menos corajosas no processo criativo. Há uma aposta nos remakes e por várias razões, e no mundo inteiro. É inusitado ver que tudo hoje é algo baseado em alguma obra. O futuro sempre foi a ousadia”, analisa.

Uma vez li uma frase do Antonio Fagundes que dizia que tentaram novelizar as séries e conseguiram, mas tentaram serializar as novelas e isso não deu certo. As novelas têm uma narrativa de época, e de um momento em que só tínhamos a elas para consumir e cabia ao autor imprimir ali a sua personalidade no conjunto da ópera. Hoje tem muita gente apitando tanto no streaming quanto fora dele. O mundo aposta em remakes mais que em qualquer coisa. E há a Inteligência Artificial, que não sabemos onde vai dar – Marcelo Saback

Perguntado se voltaria a fazer novela, ele diz estar aberto a qualquer possibilidade, mas que novela como autor não está nos seus planos. “Abriram uma possibilidade para eu fazer novela para o mercado latino, mas acabou não rolando. E novela, sobretudo, não é uma coisa que, de frente eu toparia. Estou cansado”, desabafa. Porém, ele não está afastado do gênero. “Estou escrevendo roteiro para dois streamings, estou com uma peça para dirigir e não ficando restrito ao audiovisual”.

Mas quanto a voltar a trabalhar como ator, eis aí uma questão quase certeira: “Acho improvável que eu volte como ator, virei um ator preguiçoso. Estar trabalhando como ator não faz mais parte dos meus planos Fui por anos de musical, fazendo várias sessões por dia e conciliando com teatro, cinema e televisão. Acabei migrando para trás das coxias e para os roteiros. A página em branco sempre foi uma paixão. Claro que gosto de ver meus amigos atuarem, mas nada disso me diz muito mais”.

Quando se está trabalhando na escrita a gente fica meio abduzido, a carreira de roteirista é muito puxada e muito menos glamorosa do que se pensa. O autor é primeiro a ser lembrado e a ser esquecido – Marcelo Saback

Desde meados de 2023, “História de Amor” vem sendo reapresentada pelo Viva e com sucesso. Foram cinco exibições contando com a transmissão original. Nesta, Marcelo vive um personagem cafajeste, o Renato. “O que eu gosto de rever das novelas antigas é a linguagem. As pessoas me chamam pelo nome do personagem, relembram, resgatam. É nostálgico. A geração passada consumia novela e continua aí, só que mais velha. Há uma nostalgia com novelas antigas com as quais só percebo o sucesso quando passo na rua, já que nunca sei o que está no ar”.

Marcelo Saback não pretende voltar a trabalhar como ator” (Foto: João Miguel Jr)

TOC-TOC

Quando perguntado sobre amadurecer, Marcelo lançou mão da divertida expressão: “O toc toc da velhice batendo à porta. É preciso saber lidar com isso. A outra opção além de aceitar o tempo é pirar. Aos 60 anos não há mais aquele desejo louco de ter que provar nada, mas de ser coerente com a sua vida, positivo, é assim que encaro e nem sempre evito. Encaro na filosofia do day by day. Algumas relações melhoram, outras pioram, mas a gente vai analisando e vendo que o mundo é melhor e menos doido quando não se olha tanto para o passado”.

Da pandemia para cá, o artista passou por um drama pessoal. Perdeu o pai, a mãe e o irmão, todos em uma data muito próxima. “A pandemia foi uma rasteira e revelou a  finitude da vida e foi aí que a velhice provou sua superioridade. Se há um aprendizado é que a vida é curta e passa rápido. E o final, bom ou ruim, chega a todos. O último capítulo sempre chega e nem sempre traz um final feliz”.

Antes do fim dessa entrevista, ele respondeu a uma pergunta inusitada: Se houvesse a produção de uma obra baseada em sua vida, qual seria o gênero, a plataforma e quem daria a primeira fala? “O gênero, sem dúvida, seria comédia. Teria humor, drama como é a vida, uma trilha bonita e a primeira fala seria do personagem principal, eu. Ele diria ‘valeu a pena’, mas certamente seria vivido por um ator melhor. E mais jovem”.

Após a pandemia, Marcelo Saback perdeu muitos familiares e promoveu uma nova leitura da vida (Foto: João Miguel Junior)