*Por Vítor Antunes
O filme “Ela e Eu”, delicada produção de Gustavo Rosa de Moura, está em cartaz e trata sobre o retorno à consciência da personagem Bia, vivida por Andrea Beltrão, cuja patologia neurológica se desenvolve no pós-parto. O filme já chega aos cinemas aclamado após vencer, no Festival de Brasília, algumas das principais categorias: Melhor Roteiro, alinhavado pelo próprio diretor em parceria com Leonardo Levis e Andréa Beltrão; Melhor atriz para Andréa Beltrão; e Melhor Ator para Eduardo Moscovis. O ator, além do longa, repercute três trabalhos vitoriosos que fizera e atualmente podem ser vistos: a novela “Alma Gêmea“, em exibição no Viva; “O Cravo e a Rosa“, sucesso absoluto em reprise especial na Globo; e “Pedra Sobre Pedra”, recentemente inserida no catálogo Globoplay.
ELA E EU: INICIALMENTE UMA COMÉDIA, FILME MUDOU DE PERFIL
Inicialmente uma comédia rasgada, o tom do filme mudou após a chegada de Andrea Beltrão, uma das primeiras a ser contatadas para o projeto. Com o roteiro de um filme de humor, Gustavo Rosa de Moura o apresentou à atriz, com quem sempre teve o desejo de trabalhar, e ela disse: “Muitas coisas legais no roteiro, mas a gente podia contar essa história de outro jeito”. O diretor conta-nos que Andrea fazia sugestões e provocações ao script das quais ele gostava e aderia. De modo que a participação efetiva da atriz no processo criativo, acabou por credenciá-la a co-roteirista. O diretor assume a grande admiração que tem pela intérprete de Bia: “Ela é muito brilhante, a Andréa. (Tanto que) é ela quem propõe haver um protagonismo mais dividido, algo que eu também queria”.
No fim, quando pensaram no elenco, as sugestões também partiram da co-roteirista, que sugeriu a Mariana Lima, a Luísa Arraes e o Du Moscovis. A entrada do elenco implicou numa ruptura ainda maior, pois que o antigo roteiro foi inteiramente reescrito. Fato que, nas palavras de Gustavo, “tratou-se de um processo mais colaborativo. O elenco era composto por pessoas que, além de serem intérpretes, possuem um conhecimento dramatúrgico profundo. Eu vinha pro Rio discutir o roteiro e voltava para São Paulo com ‘uma neblina na cabeça’, como dizia o Du”. Apenas depois de muita discussão entre os atores, e com o roteiro concluído e com os devidos ajustes da agenda, Andrea Beltrão bateu o martelo de que o faria como atriz. Todavia, o cronograma de gravações acabou não se encaixando com o de Luísa Arraes, que deixou o longa e foi substituída por Lara Tremouroux. Luísa esteve presente no pré-lançamento e assina o filme como colaboradora.
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Após a sugestão feita por Andrea para a escalação do elenco, Moscovis diz que “foram sendo agregados os outros atores e sempre nesse processo colaborativo. Muitos aspectos da personagem que acabou sendo interpretada pela Lara veio por sugestão da Luísa, como por exemplo, o fato de a personagem estudar Neurologia”. O ator também destaca a sintonia entre o elenco: “Acaba aparecendo na tela uma intimidade entre os personagens, uma relação de naturalidade que é ótima por que evidencia que estas pessoas se habitam há muito tempo. Isso faz com que o espectador se identifique com as relações ali presentes”, destaca.
LONGA DOBRADINHA COM ANDREA BELTRÃO
Coincidentemente, o elenco protagonista do filme estava todo presente em “Um Lugar ao Sol“. Contudo, o longa foi gravado antes da novela. E antes da pandemia, inclusive. Por acaso, Du e Andrea também foram casal na novela das 21h exibida até março deste ano. Na trama de Lícia Manzo, Du Moscovis era Edgard, alcoólatra em tratamento, que foi casado com Rebeca, personagem de Andrea e com quem torna a viver um affair. No filme, a afinidade cênica entre Du e Andrea também fica latente. Não obstante, um dos primeiros trabalhos protagonistas de Du na televisão, a série “A Madona de Cedro”, já contava com a participação de Andrea e ambos eram casados. Alguns anos mais tarde, em 2003, estiveram novamente como par no esquecido especial de fim de ano “Carol e Bernardo”.
Ao haver recebido o Candango, nome pelo qual também é conhecido o Prêmio do Festival de Cinema de Brasília, o ator dedicou-o à intérprete de Bia que, além do papel protagônico, é uma das roteiristas do longa. Ele diz que “trata-se de um trabalho super bonito e emocionante. Agradeço e dedico à Andrea por me haver indicado a fazê-lo”. No projeto cinematográfico, Moscovis dá vida a Carlos, incialmente marido da personagem adoentada. Porém, após esta última haver entrado em coma, ele casa-se com Renata (Mariana Lima). “Ela e Eu” aborda, também, as relações interpessoais e familiares que se interpõem após a personagem retomar a lucidez.
Perguntamos a Du sobre como era para ele ser o único homem em um universo majoritariamente feminino como o do elenco de “Ela e Eu”:
São mulheres muito poderosas, potentes, então muito mais fortes que nós (homens). Mesmo a Lara, que é muito jovem, tem muita posição, muita presença. (…) Eu acho que temos muito que desmistificar esse lugar da energia e ir mais na questão da essência artística. Essas polaridades não se opõem. Se misturam se comungam – Eduardo Moscovis
DAS REPRISES NA TV
Na TV aberta, Du Moscovis pode ser visto em dose dupla: Tanto na reprise de “O Cravo e a Rosa” como na de “Alma Gêmea”. A primeira, sucesso absoluto da Globo, encontra a sua quinta reprise e é um fenômeno de audiência, chegando perto de atingir os 20 pontos de Ibope, algo que a própria Globo não via há alguns pares de anos. A outra novela encontra a sua terceira exibição, desta vez no Canal Viva. A audiência na TV por assinatura chega a ultrapassar, em números absolutos, a audiência de alguns canais abertos. O folhetim de Walcyr Carrasco lidera a audiência vespertina entre todos os canais fechados e a reprise do capítulo exibida à noite costuma ocupar a segunda posição.
Ao falar dos dois trabalhos, Du aposta na dicotomia existente entre ambos os personagens, embora sejam duas novelas escritas pelo mesmo autor e ambas sejam de época: “É curiosa a resposta de público. Tem gente que ama as novelas. E aparentemente são dois personagens opostos. Petruchio, de “O Cravo”, é mais bronco, do campo, ao passo que o Rafael, de “Alma Gêmea” é um cara refinado, criador de rosas, doce… No começo a história, eu o enxergava muito como a Fera, de “A Bela e a Fera”. Em ambos os casos aparece a eles uma luz que os abre para um novo caminho, para algo muito legal”. Quanto ao incontestável sucesso dos folhetins ele pontua: “As novelas ainda se comunicam muito bem com o público. ‘O Cravo’ bebe muito da fonte de ‘A Megera Domada’, de Shakespeare (1564-1616), e tanto o autor como o diretor, Walter Avancini, se esforçaram para garantir uma grande aproximação da obra original. Não à toa a novela se verte como um grande clássico. Já quanto à ‘Alma Gêmea’, o Walcyr foi de uma felicidade absurda por que ele abordou a questão do amor eterno, os encontros oriundos desse amor e se ele continua quando a gente parte pro Além, se há alguma comunicação ou não”. Além destes trabalhos, um próximo entrou para o catálogo da Globoplay: “Pedra sobre Pedra”. A novela de 1992 foi o primeiro trabalho de Eduardo Moscovis na Globo.
Eu me dou um desconto. Faz parte do processo. Eu vendo o filme, por exemplo, noto algo que podia ser feito diferente, às vezes faria outra escolha. Nossa carreira vive de aprimoramentos – Eduardo Moscovis
MEMÓRIAS
Em razão de “Ela e Eu” tratar muito resolutamente de memórias e, em especial, da necessidade de não perdê-las, perguntamos a Eduardo Moscovis, qual lembrança da vida ele emolduraria. Descontraidamente, o flamenguista falou do gol de Gabigol que credenciou o Flamengo ao título da Taça Libertadores, em 2019. “Eu estava lá no Peru, na arquibancada, e cheguei a cair dela”. Mas, a sério, falou de uma lembrança tocante, também relacionada ao universo futebolístico: “Uma lembrança muito forte que tenho é a da primeira vez em que eu estava sem o meu pai. Eu fui jogar bola em um clube que fica no alto de um morro aqui do Rio e, na época, ainda não havia prédios em volta do campo. Eu tive a minha primeira crise de medo do vento. E eu saí de campo e pedia para o juiz acabar o jogo, mas não por que o time estava perdendo, mas em razão de estar ventando muito e havia uns pinheiros grandes em volta do campo. E, coincidentemente ou não o meu pai não estava ali. Era uma coisa raríssima já que ele me acompanhava sempre e essa uma imagem que é muito marcante pra mim e que eu levo pra vida por uma série de motivos”.
A fala do ator faz lembrar a frase do jogador Juninho, diante diante da derrota da Copa de 1982. Após a imponderável perda, o atleta virou-se aos repórteres e disse “O jogo é amanhã. Hoje foi um sonho”. Diante de tantos momentos que nascem e outros tantos tempos que morrem, nada é igual a um sonho que não partirá, pois é lembrança. E é eterno, portanto.
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