Destaque de filme “Ela e Eu”, Lara Tremouroux fala sobre política e afirmação da pauta LGBTQIA+


Costumeiramente são entregues à Lara personagens muito ativas, revolucionárias. Depois de colher os louros com a personagem Joy de “Um lugar ao Sol”, ela está no elenco do longa-metragem “Ela e eu” e interpretando personagem homossexual: “Para mim, que desde muito nova me entendo como bissexual, acho que para romper com algumas coisas que estão vigorando, não há facilidades”, observa

*Por Vítor Antunes

No filme “Ela e eu”, de Gustavo Rosa de Moura, a atriz Lara Tremouroux vive Carol, filha de Bia (Andréa Beltrão), que entra em coma após o parto. O filme, primeiro de Lara em grande circuito, trata da relação deste núcleo familiar diante do coma, de modo que a homossexualidade de Carol não é sequer discutida, pois está dento de um contexto muito naturalizado na casa. Um avanço na abordagem LGBTQIA+, especialmente quando Lara é assumidamente bissexual: “Para mim, que desde muito nova me entendo como bissexual, acho que para romper com algumas coisas que estão vigorando, não há facilidades”.

Eu já ouvi muito que a bissexualidade é uma fase, de que eu estou em dúvida, mas eu sempre fui assim. Algo que sempre desde criança me impressiona é sentir a possibilidade de alguém se chocar com a orientação sexual do outro, quando isso não interfere na vida pessoal de ninguém”. – Lara Tremouroux

Inclusive, em sua atuação na novela na TV, “Babilônia”, a discussão pautou-se não apenas através do grande insucesso da trama, mas por ter havido, em seu capítulo de estreia, o beijo gay entre Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg. Ambas interpretavam um casal de mulheres que tinham uma longa história em comum, de mais de 30 anos: “Eu lembro de haverem falado que seria natural o beijo entre as personagens, haja vista que eram casadas há muito tempo. Se fosse um casal hétero haveria o beijo, independente da faixa etária. Estranho seria se não houvesse. Talvez o estranhamento seja decorrente disso ter acontecido no primeiro capítulo. Eu acho que o debate público é importante para não construir na teledramaturgia uma realidade que não é real. Vemos casais héteros beijando em cena, rolando na cama em várias aventuras sexuais e ativas enquanto que os casais gays são retratados quase como amigos.”

Quanto à novela “Babilônia“, na qual atuou no início da carreira, ela diz “lastimar, porque era uma novela repleta de atores incríveis e que poderia ter ido para outro lugar. Espero que possamos ver beijos lgbtqia+ mais frequentemente. Nem sempre as coisas caminham como a gente gostaria, mas se o passo de formiguinha está funcionando é sinal de que algo está”.

Sobre a temática LGBTQIAP+: “Nem sempre as coisas caminham como a gente gostaria, mas se o passo de formiguinha está funcionando é sinal de que algo está” (Foto: Rael Barja)

“ELA E EU”: ENTRE O TALENTO DOS COLEGAS E A POLÊMICA DO POSICIONAMENTO POLÍTICO

A atriz estava tão apaixonada pelo projeto do filme “Ela e eu” que mandava mensagens para o diretor dizendo que tinha muito interesse em fazer o projeto. A seu ver, a realização do filme era tão rica que ela dizia ser quase “inacreditável estar ali com aqueles atores”. Com efeito, quando a atriz nasceu, todos os seus atuais companheiros de cena já eram experientes. Mariana Lima já havia realizado alguns trabalhos no teatro e repercutia o sucesso de “O Rei do Gado”, sua primeira novela. Andrea Beltrão já era uma jovem atriz consagrada e havia passado pela sua primeira experiência como protagonista na malsucedida “Vira Lata”, de Carlos Lombardi. Ainda naquele ano, Eduardo Moscovis, ganharia o Brasil com o piloto de helicóptero Nando, de “Por Amor”. Os sets do filme eram o melhor lugar para a troca e aprendizado para a mais jovem atriz do elenco.

“Ela e Eu” tem a primazia de ter um elenco majoritariamente feminino. Lara nos diz que a equipe também era bem diversa, razão pela qual ela é muito elogiosa ao diretor: “Gustavo é um homem que ouve bastante, e, especialmente, que ouve bastante as mulheres. O filme tem um lugar feminino muito impresso. Trata-se de um filme bem sensível. Um dos trabalhos mais tranquilos, dos que fluiu muito. A gente se ama muito e essa é uma coisa que não é comum de acontecer nos sets. Eu tenho muito afeto para com eles todos”.

A pré-estreia do longa contou com pessoas muito emocionadas. Tremouroux diz que “Num geral as impressões têm sido bem positivas estou bem feliz”. A atriz anuncia que está alinhavando três trabalhos para o streaming, dos quais, por questões contratuais, faz mistério.

Lara Tremouroux na pré estreia de “Ela e Eu” (Foto: AgNews)

A POLÊMICA NO FESTIVAL DE VASSOURAS

Quando do lançamento do filme no Festival de Vassouras, uma situação desagradável marcou a passagem da atriz na cidade e no evento. A produção do festival não permitiu que a atriz subisse ao palco para participar da mesa dos debates junto ao elenco, em razão de ela estar usando uma camiseta onde apoiava ex-presidente e atual candidato ao cargo, Lula. “Uma das pessoas da organização disse que com uma camisa em alusão ao Lula eu não poderia entrar no evento. Retruquei: ‘Então, eu não vou entrar’. Eu acho que isto é algo como provar a liberdade de expressão de qualquer pessoa. Evidentemente não diz respeito apenas às minhas predileções e ideologias ou o que eu acredito ser certo. Mas creio que todas as pessoas têm o direito de expressar suas opiniões”, defende.

A atriz prossegue dizendo: “A organizadora do Festival disse-me que eles não gostariam de deixar o festival ‘político’. Eu acho que, em primeiro lugar, tudo é política. Desde a maneira em que a gente se posiciona, às nossas atitudes que tomamos, à forma com a qual enxergamos o mundo”, observa.

Em um festival de cinema, num momento tão crítico como a gente está vivendo e passando, não tem como um evento de cinema não ser político. Ele deveria se apropriar disso, orgulhar-se dessa plataforma e desse espaço que se ganha. Vendo o que tem acontecido junto ao governo com a total falta de investimento e de fomento à cultura, esse já seria um assunto importante, já que o cinema e a cultura vêm sendo destruídos – Lara Tremouroux

Outra questão delicada e alvo de debate que a atriz traz à tona é o empobrecimento da população e sua vulnerabilidade social: “Observo o que vem ocorrendo nas redes, especialmente depois que comecei a aparecer mais na televisão. Tenho recebido muitos pedidos de ajuda por pessoas que estão passando fome. Em alguns momentos, eu reposto e tento dar voz a estas pessoas, mas há um desamparo tão grande e o Governo deve estar atento e gerir a questão. Nós, artistas, não temos essa responsabilidade ou a possibilidade de resolver. Talvez estejamos sendo acessados por estas pessoas, justamente em decorrência desta falta de social”.

Karine Teles, Lara Tremouroux – e a camiseta polêmica -, Eduardo Moscovis e Marina Person no lançamento de ‘Ela e Eu’ (Foto: Webert Belicio/AgNews)

JOY DE “UM LUGAR AO SOL” E A CONTRADIÇÃO DE UMA MULHER DESAMPARADA

Coincidentemente, “Ela e Eu” tinha todo o elenco principal escalado para a novela “Um Lugar ao Sol”. As gravações em meio à pandemia de Covid impediu que houvesse uma relação mais próxima entre o elenco. A personagem de Lara, Joy, transitava no núcleo de Ravi (Juan Paiva), personagem orelha de Cristian/Renato vivido(s) por Cauã Reymond. As grandes contradições de Joy na relação com a vida e especialmente na sua relação com o doce Ravi, provocaram discussões acaloradas na internet: “Quanto à Joy, eu até me surpreendi um pouco, porque ela era muito contraditória, muito complexa e difícil de defender… se assim podemos dizer. Ao mesmo tempo, a personagem tinha uma história bem dura, o que me fazia ter bastante empatia por ela. Joy tocava em pontos muito delicados, tabus.”

A personagem transitava sob o desamparo em diversas esferas, quer o social, quer psicológico, quer familiar. A personagem, segundo a atriz, vinha de “uma sequência de desamparos muito sérios e grandes na vida dela, além da questão do abuso familiar que vivenciava”. Este posicionamento a fez ler a personagem de modo empático.

Costumeiramente são entregues à Lara personagens muito ativas, revolucionárias. Especialmente na televisão. A atriz diz identificar-se a estas mulheres, como a Catarina, de “Filhos da Pátria” e sob algum aspecto, a Joy “Me identifico completamente. Desde mais nova eu entendi que esse espaço que a gente acaba ganhando como artista é um lugar importante de estar, de se colocar. Talvez tenha algo meu que dialogue com essas personagens, algo da minha energia que atraia este lugar, o que é uma delícia de fazer também”.

Apesar de entender que Joy se colocava em complexas, e controversas, atitudes, especialmente com o Ravi, um cara tão doce, eu compreendo que, como atriz, é importante exercer a empatia por todos, e por ela para que eu pudesse interpretá-la com a maior honestidade possível”  – Lara Tremouroux.

O fato de a irmã mais nova de Joy, Yasmin, vivida por Maithê Rodrigues, sofrer os mesmos abusos que ela, realizados pelo padrasto, revelou uma situação muito delicada. A própria mãe estava tão desamparada em outros sentidos e lugares que não acreditava na criança. “É muito comum as crianças relatarem este abuso e os familiares duvidarem. Então, isso eu acho que Joy, como pessoa, precisava de ajuda”.

A atriz destaca outro ponto que está sempre presente em situações como esta, que é o de desvalidar o discurso da mulher e/ou da criança abusadas: “Há sempre uma desvalidação dos discursos da mulher. Eu acho que ainda está muito enraizada essa ideia nojenta – inclusive presente em algumas falas da personagem da Yara de Novaes, que vivia minha mãe – que é a de endossar o fato que o abuso se dá em razão de a criança, supostamente estar ‘provocando’, o que é algo que não existe. Além de tudo, há as mulheres que usam burca e são assediadas da mesma maneira. O assédio se dá em razão de sermos mulheres. Não é por nada que tenhamos feito, mas uma forma de manipular e inverter para que a culpa seja transferida para a vítima. O que eu vejo é que, neste campo do abuso, de 90% para 100% das mulheres dizem haver sido abusadas sexualmente, ao passo que se perguntamos o mesmo para os homens, eles dizem não conhecer nenhum abusador. Essa conta não fecha”, frisa. Para além da questão feminina, Lara reitera ser importante dar voz, e ouvidos, às crianças, a quem se diz “defensora absoluta”:

Eu acho que a gente as desrespeita muito, tratando-as como se não fossem seres humanos. Se um adulto falasse com o outro da mesma maneira como trata as crianças, esse fato geraria uma grande estranheza. A gente enche o saco delas quando não as ouve, e, na maioria das vezes, trata-se da opinião mais sincera – Lara Tremouroux

Ainda sobre a personagem escrita por Lícia Manzo, Tremouroux observa-a sob a ótica da psicanálise: “Eu sou fã de terapia. Acho que há pessoas que não foram ensinadas a vivenciar o amor de maneira profunda, e que por isso têm muito medo de vivê-lo. Até mesmo quem o viveu às vezes o tem. Fala-se muito do medo do fracasso, mas há também muito do medo do sucesso em saber administrar e sustentar em si uma certa força quando as coisas começam a mudar de modo afetivamente positivo. Eu acho que Joy morreu de medo quando encontrou o Ravi e viu nele uma nova possibilidade em viver o afeto. Ela era uma menina que precisava muito de ajuda”, analisa.

Lara Tremouroux viveu Joy em “Um lugar ao Sol”: Uma mulher desamparada (Foto: João Miguel Júnior/Divulgação TV Globo)

UMA HISTÓRIA RECONTADA

Seu primeiro trabalho na TV, “Filhos da Pátria” tinha o interesse de recontar a história do Brasil sob uma ótica mais bem-humorada. Perguntamos à Lara que, se tivesse ela o poder de recontar a História do Brasil, a quem ela daria o protagonismo, ou como recontaria. Ela diz: “Há tantas Histórias que foram apagadas e que poderiam ganhar espaço… Penso que poderia ser a vez dos indígenas contarem essa História. A gente fala tão pouco sobre isso. Teria de haver um presente em que se fale dos indígenas de forma honesta, de que não tratou-se de uma descoberta, mas de uma invasão, de que eles têm uma cultura e costumes e tão sábios e com tanta destreza para lidar com a natureza (…). Acho que a gente como um país viveu apagando a memória e tendo dificuldade em construir uma identidade”.

A atriz encerrou a entrevista achando por bem esclarecer um equívoco a qual ela é posta sempre quando se referem à sua idade: “Colocaram na internet que eu tenho 28 anos, mas eu tenho 25. Eu não nasci em 1993, mas em 1997”. Ano em que, pela primeira vez uma mulher – Nélida Piñon – foi presidente da Academia Brasileira de Letras. Talvez tenha sido aquele um ano onde nasceram “as” fortes. Entregando-se ao que acreditam, para ser o que são, sem medo. Lara Tremouroux é, sobretudo, uma mulher independente. E tem a independência como a força motriz de sua opinião.

Lara Tremouroux (Foto: Rael Barja)