*Por Jeff Lessa
Todo mundo está falando de “A Serpente”, filme inspirado na peça homônima de Nelson Rodrigues (1912-1980), primeira escrita pelo dramaturgo e última a ser publicada, em 1978. Nós, do site HT, batemos um papo com a atriz Lucélia Santos, protagonista da película ao lado de Matheus Nachtergaele. Lucélia era a atriz preferida de Nelson – e isso não é lenda, foi dito pelo dramaturgo para quem quisesse ouvir.
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Ela anda ocupadíssima fazendo novela em Portugal (“Na Corda Bamba”, dirigida pelo ex-global Marcos Schechtman). Na trama, contracena com Edwin Luisi, seu par romântico em “A Escrava Isaura”, exibida às 18 horas na Globo entre 1976 e 1977). O casal se tornou um dos mais famosos da televisão brasileira e é lembrado até hoje, passados 43 anos. Do ator, Lucélia já disse que tem um “casamento em casas separadas”.
Em “A Serpente”, Lucélia interpreta as gêmeas Lígia e Guida, casada com Paulo. Lígia, com Décio. Os dois casais vivem na mesma casa, presente do pai das meninas. No entanto, mesmo casada, Lígia permanece virgem e chega a tentar o suicídio. Para livrar a irmã da tristeza e da morte, Guida “empresta” seu marido para que tenha uma noite de amor. Só que Lígia não quer ser a mulher de uma noite só do homem que a deflorou. E decide brigar com a irmã pela “posse” de Paulo. “Alguém vai morrer”, é a frase que se repete ao longo do filme. Enfim, um Nelson básico, digamos assim.
Vivendo uma ótima fase na vida e na carreira, Lucélia Santos ainda ouve os ecos de suas batalhas pró-LGBT, a favor dos índios, contra os destruidores da Floresta Amazônica e tantas outras. A atriz está feliz e plena, morando em Portugal por motivos profissionais e pela proximidade com o filho, Pedro Neschling, que já vive no país há mais tempo com a família.
Heloisa Tolipan: Você atuou em muitos filmes baseados em obras de Nelson Rodrigues. Agora está no cinema com “A Serpente”, uma trama na qual o machismo impera. Você, uma mulher libertária e ativista sempre ligada a causas relevantes, onde buscou inspiração para compor sua personagem?
Lucélia Santos: Em obras de Nelson, o grande esforço que cabe ao ator é se manter fiel ao que ele escreveu, a maneira como construiu o personagem. Ele já vem pronto e alimentado, nutrido nas rubricas. Não há muito como fugir. É fazer ou não fazer. Em Nelson, como nos grandes escritores, é assim, não se consegue ser melhor ou mais imaginativo do que eles. Isso serve também para a direção.
HT: Acredita que haja algum tipo de conexão com o Brasil atual, em que muitas mulheres elegem políticos machistas?
LS: O Nelson debochava da psicanálise, mas sempre traçou personagens a partir da pisque das mulheres do subúrbio carioca e das grã-finas paulistanas, criando personagens universais. O que você fala faz sentido. O que posso visualizar nas minhas redes sociais das mulheres é que essas que votaram e se rasgam por políticos… isso é um traço da pisque de algumas personagens atuais. Só que elas são fora da casinha. Dariam ótimos textos para Nelson. Com isso não estou afirmando que as personagens do universo rodriguiano sejam fora da casinha, só as normais! (Risos)
HT: Dos filmes baseados em Nelson Rodrigues que estrelou tem algum preferido? Qual? Por quê?
LS: “Bonitinha Mas Ordinária”. Porque ele significou muito para minha carreira. Foi um grande desafio para transformar padrões. E me fez crescer como intérprete e como artista.
HT: O que a peça “A Serpente” tem de diferente dentro da obra de Nelson? O que a destacaria entre outros textos tão conhecidos?
LS: Ela funciona como uma espécie de síntese da obra dele. Foi seu primeiro esboço de texto e o último que publicou na vida. Isso é muito, em se tratando do gênio que é. Nela ficam configuradas e simbolizadas todas as noivas de Nelson. É muito forte. Ainda mais que o Jura (o diretor pernambucano Jura Capela) lançou esse símbolo na lama tóxica de Mariana, recém-destruída pela ambição.
(As primeiras cenas do filme foram rodadas em Mariana, Minas Gerais, após o desastre causado pelo rompimento da barragem da Vale, em novembro de 2015. A intenção era simbolizar a destruição do casamento, a devastação causada no âmago dos casais.)
HT: Você está fazendo novela em Portugal. O processo é muito diferente do brasileiro? Como?
LS: Está sendo muito gratificante. A equipe é muita boa. Todos são gentis e muito menos estressados que nossos colegas brasileiros. Essa é a maior diferença que vejo. O estresse aqui (em Portugal) é tão menor! Não só no trabalho na TV, mas em todo o universo lusitano.
HT: Foi o seu primeiro encontro profissional com Edwin Luisi desde “A Escrava Isaura”, de 1976?
LS: Sim, foi nosso primeiro encontro desde a “Escravinha” Isaura! E agora entramos juntos nesse barco.
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