Matheus Nachtergaele sobre atuar com Lucélia Santos em ‘A serpente’: “Tem santidade e animalidade visceral’


Nesta quinta-feira (dia 25), “A Serpente”, filme baseado em texto homônimo de Nelson Rodrigues (1912-1980) estrelado por Matheus Nachtergaele e Lucélia Santos, com direção do pernambucano Jura Capela, chega ao Rio. “Colocar este filme nas salas de cinema é devolver ao público a arte brasileira, é trazer Nelson Rodrigues e a Lucélia Santos para o tempo do agora”, declara o diretor Jura Capela

Matheus Nachtergaele e Lucélia Santos (Foto: Jura Filmes)

*Por Jeff Lessa

Nesta quinta-feira (dia 25), “A Serpente”, filme baseado em texto homônimo de Nelson Rodrigues (1912-1980) estrelado por Matheus Nachtergaele e Lucélia Santos, com direção do pernambucano Jura Capela, chega ao Rio. Mais precisamente, ao Estação Net, em Botafogo. O Site HT teve uma conversa com o ator Matheus Nachtergaele sobre o resultado: um filme enxuto (tem uma hora de duração), rodado em esplendoroso e ousado preto e branco, filmado na ordem cronológica da trama. Nosso papo focou, basicamente, na admiração de Matheus por sua companheira de elenco, a atriz Lucélia Santos. Para se ter uma ideia, foi ela quem “determinou”, como Matheus brinca, que ele seria ator.

Antes de tudo, vamos ao enredo do texto adaptado para o cinema. “A serpente”, primeira peça escrita por Nelson Rodrigues e último texto a ser publicado, em 1978, conta a história de uma mulher que, após desfazer seu casamento, permanece virgem. Morando na mesma casa com a irmã gêmea casada, ela se apaixona pelo cunhado (Paulo) depois de dormir com ele, com o consentimento da irmã, que “emprestara” o marido para livrar a outra do suicídio. As duas passam, então, a disputar o mesmo homem. As consequências desse jogo são mortais. Afinal, conforme é repetido inúmeras vezes no texto, “alguém deve morrer”.

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Matheus interpreta esse homem, alvo da disputa mortal entre as gêmeas Guida e Lígia, ambas vividas por Lucélia Santos num elenco que também conta com os atores Silvio Restiffe e Cellia Nascimento. “Poucos cineastas me chamariam para fazer o papel do Paulo, objeto sexual de duas irmãs. Eu sou o símbolo do masculino no filme. Não chamaram um homem bonito. É interessante”, diz Matheus, acrescentando, divertido: “Eu sou o bofe da Lucélia!”.

Ele conta que, ao longo da história, Paulo vai passando de homem a menino, “como todos os homens de Nelson. E isso torna o personagem perigoso, porque esse ‘menino’ é machista”, observa. “Percebi isso durante as filmagens, não antes, durante a leitura do texto”.

Nossa conversa começou com a pergunta obrigatória: “Você já havia atuado em alguma peça do Nelson Rodrigues em cinema, teatro ou TV?”. O repórter espera uma resposta rápida para seguir em frente. Não. No way. Do outro lado, o ator relata uma história de vida. E algo assim não é para ser compartilhado em poucas linhas.

“Minha primeira experiência com Nelson Rodrigues foi através do Antunes Filho em 1989, quando eu estudava Artes Plásticas na Faap (Fundação Armando Alvares Penteado, instituição de ensino particular das mais respeitadas do país). Uma amiga me convidou para ir ao CPT (Centro de Pesquisa Teatral) e eles estavam em pleno ensaio de ‘Paraíso Zona Norte’, que encenaria ‘A Falecida’ e ‘Os Sete Gatinhos’. Entrei no ensaio, no coro, sem nunca ter feito teatro na minha vida”, conta Matheus.

A questão é que Matheus era jovem demais e, na hora da montagem à vera, Antunes comunicou que ele não estrearia com a trupe. “Fiquei magoado, triste, muito chateado. Tinha ensaiado por oito meses com o elenco. Voltei para a faculdade de artes plásticas e, depois, fiz vestibular para a Escola de Artes Dramáticas (EAD)”, conta o ator.

Mas… O que isso tem a ver com “A Serpente”? “Este filme é o florescimento de uma semente plantada há muito tempo”. É que, quando cursava a EAD, Matheus já havia encenado várias cenas curtas de peças rodriguianas – nunca profissionalmente. A isso somou-se à presença da atriz Lucélia Santos no elenco.

Era aí que queríamos chegar.

Desde muito cedo, Matheus se encantou por Lucélia Santos. Com oito anos, ficava à frente da TV para ver novela “A Escrava Isaura”, exibida às 18 horas na TV Globo, entre outubro de 1976 e fevereiro de 1977. Na adolescência, chegou a ter uma pasta abarrotada de recortes de jornais e revistas com fotos dela. “É uma atriz maravilhosa. Num certo momento, era, ao mesmo tempo, a doce Isaura e a Luz Del Fuego, nua, com cobras passeando pelo corpo”, derrete-se.

Muitos anos se passaram antes de Matheus encontrar-se com sua musa inspiradora. “Ao longo da carreira de ator, eu encontrava com ela e me sentia muito nervoso, ao ponto de suar”, revela. “Ainda estudava teatro quando fui ver ‘No Natal a Gente Vem te Buscar’, do Nahum Alves de Souza. Fui ao camarim e fiquei tão gelado de emoção que não consegui falar com ela”.

No decorrer dos anos, a timidez extrema diante da “ídola” foi passando. Mas nunca se extinguiu de todo. “Hoje é claro que eu consigo falar com ela. Mas sinto uma espécie de deferência. Lucélia sempre foi a que eu mais admirei. Conheci atrizes incríveis, mas ela faz parte de uma memória afetiva”, diz o ator.

Já deu para entender a grandeza de “A Serpente” na vida de Matheus Nachtergaele, hoje com 51 anos, não? O filme foi a junção de duas paixões avassaladoras: Nelson Rodrigues, que o despertou para a vivência do teatro, e Lucélia Santos, a atriz que mexeu tanto com ele que selou as portas para outros destinos: seria ator. “Lucélia tem a santidade exigida de uma mãe e uma animalidade visceral”, pontua.

“Vi todas as peças do Nelson, sendo ele muito responsável por eu ser ator. Quando fui convidado para o projeto logo imaginei a Lucélia no elenco. Sendo ela a atriz preferida do Nelson Rodrigues e profunda conhecedora da sua obra, imagino que o desejo dramaturgo era vê-la interpretando as duas irmãs. Percebo que ‘A Serpente’ devolve a Lucélia para o cinema e para o Nelson”, conclui Matheus.

No dia 23 de agosto, o filme será exibido no Recife. “É a data de nascimento de Nelson Rodrigues e ele era pernambucano. Acredito que role uma comemoração”, avisa o ator.

Nada mais justo, não é?