*Por Rafael Moura
“O artista é anarquista, e ele está aqui para gerar a reflexão perante ao caos”, foi com essa frase que o ator e produtor Allan Souza Lima iniciou essa conversa com o site Heloisa Tolipan. O recifense, de 35 anos, começou a trilhar nos caminhos da arte ainda na infância e foi vizinho de Chico Science, o grande nome do movimento Manguebeat. Mais tarde foi estudar música no Conservatório de Pernambuco e, aos 18 anos, se mudou para o Rio de Janeiro, onde mergulhou no universo da interpretação. Atualmente, o artista está em dose dupla nas telinhas, nas reprises das novelas ‘Novo Mundo’ (2017), TV Globo, vivendo o Cacique Ubirajara, e na Rede Record, Judas Galileu, em ‘Jesus’ (2018).
“É engraçado, né? Acompanhar essas reprises é quase como ver a minha trajetória como ator, uma evolução do meu trabalho, que pode até ter algumas derrapadas, mas eu me orgulho de tudo”, frisa. Allan estreou na televisão interpretando o antagonista Meduso, no folhetim‘Os Mutantes: Caminhos do Coração’ (2007), na Record.
“Eu venho de uma família cristã, minha avó era muita católica e cresci com essa filosofia. Sempre tive uma grande curiosidade de entender, empiricamente, sobre religiões, por isso acabei ‘frequentando’ muitas delas, o catolicismo, evangelismo, umbanda, candomblé… mas a minha identificação aconteceu com o budismo, o que me fez crescer muito como ser humano. Lá no Oriente, não existe culpa, tem o efeito, eu sou o responsável por tudo o que acontece na minha vida. Então acabamos aprendendo pelo amor ou pela dor”, explica.
“Meu objetivo agora é tentar fazer personagens mais próximos da minha personalidade, porque até agora só interpretei papéis mais distintos, fora do habitual, o que é sempre um aprendizado”, conta. Para viver o Cacique Ubirajara o ator foi para uma aldeia indígena, conhecer e vivenciar essa cultura. “Foi uma experiência muito enriquecedora, é um momento único para um artista, se alimentar, e ter essa ferramenta para dar vida ao personagem. “A inteligência desses povos é milenar, junto com os cuidados com a natureza e a sabedoria. Impressionante. O que mais me marcou foi o espírito de coletividade, que deveria ser um exemplo para todas as sociedades”.
Os livros e a escola nos conta que o português Pedro Álvares Cabral usou seus conhecimentos de navegação da época para procurar as Índias usando uma rota ‘alternativa’, em linha reta pelo Oceano Atlântico, por acaso chegou ao Brasil, sem perceber esse erro. Por esse motivos os primeiros habitantes desse país foram chamados de ‘índios’. O que nossos professores não nos contam é que os mapas de Portugal indicavam que havia terras a serem exploradas a Oeste. A notícia da chegada de Américo Vespúcio, ao Caribe, em 1498, circulou bem rápida e quando Cabral chegou em Porto Seguro, sabia exatamente a importância da descoberta e das riquezas que teriam a explorar esse novo território.
Já no papel de Judas Galileu, o ator revela que foi desafiador. “Carregar a dor de toda a humanidade é a própria crucificação”, conta. E completa. “Eu geralmente começo a ver o início da novela para entender a linguagem que está sendo apresentada, e depois acabo focando no meu núcleo para captar o conjunto da obra”. Seu papel mais recente na TV foi em 2019, em ‘Órfãos da Terra’, vivendo Youssef Abdallah, o sobrinho que Aziz, Herson Capri, que era apaixonado por Dalila, Alice Wegmann.
Allan antes dessa pandemia causada pela Covid-19, estava na expectativa de reestrear a peça que dirige, ‘Ao Anoitecer’, texto do espanhol Juli Disla, com Julianne Trevisol e Márcio Kieling que fala da oscilação entre o sentimentalismo e o absurdo, enfrentando isolamento e medo do amor ou de serem amados. Drama que reflete o atual momento do mundo. “O problema do ser humano pelo medo é muito característico. E no andar carruagem, iremos viver a teoria de Darwin, e tem um momento em que essa crise irá se agravar, vamos acabar entrando em um processo de seleção natural da vida”, enfatiza.
No próximo dia 2, o ator estaria nas telonas de 800 salas de cinema, em todo o Brasil, com o personagem Cristian Cravinhos, no longa ‘A menina que matou os pais’ e ‘O menino que matou os pais’, baseados nos autos do processo do assassinato do casal Von Richthofen, um dos crimes que mais abalou o país, trazem as versões apresentadas no tribunal por Daniel Cravinhos e Suzane Von Richthofen respectivamente. “Minha crise existencial começou no ano passado, por conta desse processo de interpretar o Cristian, um mês após o término das gravações, me gerou vários questionamentos, além de insônia e ansiedade. Ele trabalha com uma sombra humana e eu gosto de ir a fundo nessa criação, tentando entender a cabeça dessa pessoa. Essa pergunta ficava 24 horas na minha cabeça. E essas vivências sempre nos transformam de alguma forma, porque acredito que trazemos observações próximas da nossa identidade para criar esses personagens”, desabafa.
Com um papel tão intenso e com uma carga emocional grande, o artista revela que não foi fácil desligar essa chave. “Fiquei com alguns reflexo por um tempo, precisei viver um processo de quarentena até me desapegar. Tive uma estafa grande, por isso comecei a fazer terapia pós esse trabalho. Foi um divisor de águas na minha vida como indivíduo. Aos poucos vamos eliminando essa pessoa da nossa vida, mas ainda ficam algumas reflexões”.
Depois de um ano intenso em 2019, o ator passou todo o mês de janeiro de 2020, ‘desligado’, no Uruguai, em uma praia e agora está isolado dentro de casa. “Não estou me obrigando a ter que criar algo, estou lendo, dando uma atenção especial para as minhas plantas. Me reconectando com a natureza, praticando exercícios, fazendo yoga. Após essa onda acredito que a nossa forma de se relacionar com o mundo irá mudar muito, as pessoas não irão querer ficar enclausurados, por isso acredito nesse processo de reconexão com a vida”, frisa.
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