*Por Brunna Condini
Nesta época, além dos bons desejos para o ano que chega, é sempre bom fazermos uma avaliação do que não desejamos que permaneça, tanto em nós, quanto no mundo. E olhando para um país plural como o nosso, é de espantar que tanto preconceito e desrespeito à diversidade ainda estejam entranhados por aqui. Quando falamos de pessoas portadoras de deficiência, isso não é diferente. O ator Cleber Tolini, no ar em ‘Todas as Flores’, na Globoplay, tem baixa visão, trabalha para levar arte para todos e inspiração para quem tem algum tipo de deficiência, e comenta aqui sobre o capacitismo existente no audiovisual.
Toda a minha adaptação, após ficar com 20% da visão, estava relacionada a como poderia eu seguir na minha profissão – Cleber Tolini, ator
“É assim e será, pois ainda falhamos na interação. Um deficiente visual pode e deve interpretar um personagem onde a sua deficiência é só mais uma camada ou de preferência, nenhuma. E é isso que tentamos fazer na novela. Recebo mensagens de pessoas que dizem: “Eles têm vida normal”. E diria melhor: “Normal, não, vida natural”.
Cleber também fala sobre como o capacitismo impactou em sua vida. “Esse tema é o tabu do momento (risos). E ainda será por algum tempo, lutamos para seu breve fim. O termo ‘normal’ teima em seguir na moda. Tenho a boa sorte de conviver e trabalhar no meio de pessoas mais sensíveis, que também se atrapalham no lidar com a diversidade, mas se abrem com mais facilidade. Passo por isso o tempo todo, mas aprendi que o maior sofrimento humano é a falta de informação, daí a minha forma de combate é informar, dialogar e tentar separar aquele ato capacitista do pessoal, e lidar com alguém que ainda não sabe outra forma de lidar”, divide o ator, que vive um analista olfativo na trama de João Emanuel Carneiro.
“Eu, com a baixa visão, lido com o capacitismo o tempo todo, porque não sou vidente e não sou cego, esse caminho do meio me leva a diálogos constantes. Daí veio a necessidade de criar meu trabalho autoral sobre o tema. O que todos nós precisamos é da convivência, da intersecção, isso trará a nova normalidade”, completa ele, que desde 2018 sobe aos palcos com o espetáculo ‘O Subnormal – Uma História de Baixa Visão”.
O humor é a ferramenta que encontrei para lidar com tudo na vida – Cleber Tolini, ator
Reaprendendo a viver
Aos 42 anos, o paulistano recorda a descoberta do tumor no cérebro aos 24, responsável pela deficiência. Por conta da operação para sua retirada, Cleber teve o nervo ótico afetado e desde então convive com 20% de visão. “Atuo profissionalmente desde os 19 anos, sou paulistano mas morava no Rio. Aos 23, estava em uma produção linda de teatro, com temporada fechada em algumas cidades do Brasil. Daí começaram os sintomas, tontura e perda da audição, foi tudo junto e misturado. Ao mesmo tempo que estava em turnê, ia aos médicos tentando um diagnóstico, e encontrei o tumor”, lembra.
Com a baixa visão, lido com o capacitismo o tempo todo, porque não sou vidente e não sou cego, esse caminho do meio me leva a diálogos constantes – Cleber Tolini, ator
“Fui a um neurocirurgião que pudesse diminuir sequelas, porque eu poderia ter o lado direito do rosto todo paralisado, e operei no INCA (Instituto Nacional de Câncer). Uns 20 dias após a cirurgia, uma pressão intracraniana afetou meu nervo ótico. Foi algo inesperado, nem fazia parte do pacote. Mas apenas no mês da cirurgia e pós cirúrgico não trabalhei. Fazer teatro era meu tratamento”.
Um deficiente visual pode interpretar um personagem onde a sua deficiência é só mais uma camada ou de preferência, nenhuma – Cleber Tolini, ator
Cleber relata ainda, como foi reaprender a viver no mundo. “Toda a minha adaptação estava relacionada a como eu poderia seguir na minha profissão. Então, procurava formas de leitura e locomoção para decorar textos e me movimentar no palco. Me orgulho de nunca cair e nunca ficar fora da luz (risos). Ter a visão e a definição drasticamente reduzidas me valeu como um convite para novas formas e experiências”, avalia.
Chegou a ficar deprimido com toda a situação? “O fato da baixa visão mexeu demais. Eu já era budista, pratico há 21 anos, e ele explica a lei de causa e efeito e a impermanência da vida, mas sentir vai além da teoria. Não tive o diagnóstico da depressão, mas o abalo foi grande, e naquele momento precisei do divã junto com o Nam Myoho Renge Kyo, mantra que praticamos diariamente. Buscar o conhecimento é fundamental. Cada um é único, mas o fato de ter um propósito na vida é que faz toda a diferença. Se tivesse algo pra dizer e incentivar alguém seria isso”.
O que todos nós precisamos é da convivência, da intersecção, isso trará a nova normalidade – Cleber Tolini, ator
O humor como revolução
Na peça ‘O Subnormal – Uma História de Baixa Visão’, que já teve temporadas em São Paulo e Rio de Janeiro, festivais em Minas Gerais, Salvador, Recife e até já saiu do Brasil, indo para Nova Iorque, Cleber Tolini fala com humor de toda essa história. “O meu processo, cirurgia, internação e o próprio lidar com a baixa visão, a meu ‘ver’ geram situações muito engraçadas. O humor é a ferramenta que encontrei para lidar com tudo na vida. Quase sempre uma situação de conflito, quando reproduzida, pode ser hilariante, e a forma de narrar essa história e elucidar sobre a baixa visão não poderia ser de outra forma”, diz.
“Com este espetáculo um portal se abriu em mim. Acredito que até eu tinha dificuldade de me definir pessoa com deficiência, e essa descoberta veio junto com o público que chegava para assistir. O que aprendi nesses quatro anos de estrada mudou tudo, principalmente quando alguém me diz que se sentiu representado ou que o que viu fez sentido. É um golaço. Uma vez fiz duas sessões no mesmo dia, e uma garota de 25 anos, que assistiu a primeira, falou comigo aos prantos dizendo que seus pais não lidavam bem com sua baixa visão. Na segunda sessão ela voltou com os pais demos um abraço coletivo no final. Ali, pensei que está valendo a pena”.
O que diria para uma pessoa deficiente que se sente limitada? “Que responsabilidade, mas se me derem licença, falaria não levarem para o pessoal, e que os que estão de fora dizem ou agem pode não ser pessoal. A limitação está nos outros e isso dói. Faça o possível para expressar o que sente, não deixe arestas. E não se sinta só, porque não está. Procure os seus, juntos somos mais fortes. Se quiser bater um papo me procure, eu adoro conhecer gente”.
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