Maitê Padilha é estrela de filme com temática LGBT teen + conflitos familiares e fala de competitividade no audiovisual


Maitê Padilha tem milhões de fãs e cresceu diante das telas. Ela, que começou no sucesso da série teen “Gaby Estrella”, amadureceu e hoje faz uma análise profunda do cenário artístico e os desafios que enfrenta na profissão que escolheu. Para a atriz, é necessário aprofundar o debate sobre a questão LGBT, um dos temas do seu próximo filme “A Miss”, que aborda o sonho de um rapaz gay em ser escolhido/a miss. Além disso, a atriz revisita a própria carreira e como foi ter sido atriz mirim – assunto que vem recebendo mais atenção hoje, especialmente de atores que também começaram cedo na profissão. Recentemente graduada em Artes Cênicas, ela também analisa a migração de influencers para a TV, e como lida com a autocobrança, já que quando chegou à faculdade já tinha uma trajetória profissional. “No início eu me senti bem insegura. Quando cheguei, vi que essas pessoas já conheciam o meu trabalho e eu ficava me sentindo como se fossem esperar alguma coisa de mim, e que eu seria descoberta como uma pessoa triste”

Um menino gay que sonha ser miss e que para viver seu desejo se passa pela irmã. Esta é a premissa de “A Miss“, longa de estreia de Daniel Porto que traz Pedro David, Helga Nemetik e Maitê Padilha nos papéis principais. No longa, a personagem de Maitê está prometida para ser miss – tanto que tem o nome de uma das mais importantes, Martha Rocha (1932-2020). A mãe da personagem, Ieda (Helga Nemetik) foi miss e quer que a filha mantenha a tradição. A personagem de Helga – que tem o nome da miss Universo 1963, Ieda Maria Vargas – margeia com traços narcisistas. Maitê, que foi intérprete da protagonista-sucesso da série teen “Gaby Estrella“, exibida entre 2013 e 2015 pelo Gloob, canal por assinatura, destaca a importância de o filme trazer à tona o debate sobre a temática LGBTQIA+. “É necessário. Tá aí no mundo. As pessoas que fazem parte da comunidade estão aí vivendo, existindo. Elas precisam se assistir na televisão, no cinema, no teatro. Precisam se sentir vistas. Levar temáticas como essa, que falam sobre elas e dialogando com as relações familiares, com as relações de vida, de família é algo que faz diferença. Além de tudo, isso facilita a discussão de pessoas que não conseguem falar tanto sobre esse tema, que é uma essência da vida. Essas pessoas precisam se sentir amadas também e merecedoras de receber amor, e por muitas vezes isso lhes é negado. Eu acho que o cinema o teatro e os produtos culturais, eles têm muito esse poder de dar uma possibilidade de poder ser visto”.

A Miss”, filme de Daniel Porto, é, ao ver de Maitê, um longa que trata sobretudo de relações familiares. “Me encanta essa temática familiar muito forte. Relações familiares conflituosas e com pessoas que se amam muito também, mas que têm jeitos muito difíceis de lidar com as coisas. Então, essa relação sendo vivida e construída ali dentro, particularmente é algo que me interessa. Eu gosto de histórias de família”. Para Maitê, “a personagem Martha tem conflitos com a mãe, muito fortes”. O longa conta também com a participação de Ellen de Lima, cantora do famoso tema das misses do passado. 

Um dos motivos que fez Maitê aceitar estar no elenco de “A Miss“, segundo ela, foi a subversão pelo humor, tanto do gênero, como do diretor, Daniel Porto. “Ele é muito inteligente, ácido, irônico, e de um jeito que me pega muito, porque a meu ver, ele fazer piada com as coisas que deixam ele muito triste. Me identifico com isso, com o lidar com as tristezas, com os sentimentos. Eu fiquei muito encantada com o projeto e isso me deu muita vontade de poder fazer parte”, analisa.

Sobre a sua própria família, Maitê diz ter uma relação próxima, própria. “Temos muitos  conflitos. Sempre que eu estou fazendo algum projeto que fala sobre relações familiares isso me interessa bastante. Me identifiquei muito com a personagem, ainda que ela seja mais explosiva que eu. Fomos meio que equalizando os nossos sentimentos e o jeito que ela reagia. Ainda que eu seja muito tranquila, já tive momentos de estourar e brigar com pessoas que eu gosto muito e me assustar depois. Minha personagem conseguiu acessar esses lugares que estavam aqui, mas colocados de outra forma”.

Maitê Padilha está em longa que traz um rapaz gay que sonha ser miss (Foto: Divulgação)

CRESCER DIANTE DAS TELAS 

Pelo menos desde o ano passado, especialmente depois que o ex-ator mirim Eduardo Caldas anunciou estar fazendo um longa-metragem documental sobre ter sido artista durante a infância, muito desse debate tem ganhado a cena moderna. Maitê Padilha, hoje com 23 anos, foi intérprete da protagonista da série teen “Gaby Estrella“, exibida entre 2013 e 2015 pelo Gloob, canal por assinatura. Sobre essa fase da vida, a atriz observa que foi “boa, na época, para ser sincera. Eu queria muito, tinha vontade de ser atriz, nunca foi um sacrifício. Em muitas vezes, artistas infantis desistem das carreiras por serem oprimidos, ou por não conseguirem crescer nesse meio, se diferenciar dos personagens”. Mas ela reflete:

Era muito cansativo. A gente gravava de terça a domingo e eu estudava de manhã. Então, de segunda a sexta eu estudava e sábado e domingo eu acordava cedo também porque ia gravar. Eu acho que, na época, eu ainda não enxergava muito as minhas responsabilidades, o que poderia me deixar pressionada, angustiada. Não fui às festas de 15 anos, nem à minha própria formatura de terceiro ano, por estar trabalhando. Não que me arrependa, mas sinto que isso gerou um pouco desse sentimento de pressa, como se o tempo me passasse muito rápido. Houve uma época da minha vida que me  questionei se perdi um pouco da minha adolescência – Maitê Padilha

Ela relembra também que nas gravações “eram muitas crianças, um elenco infantil grande. E gravávamos num hotel fazenda onde passávamos cerca de um mês. Era algo muito divertido também. Na infância, a preocupação com a profissão era uma. Hoje, são muitas. Acho que eu sou mais responsável hoje, tenho uma cobrança muito grande, que dialoga com a paciência, no sentido de pensar que eu preciso tê-la comigo e com as minhas coisas”.

Por haver crescido nas telas, Maitê também criou um laço afetivo junto com os telespectadores. Como é essa sensação de estar presente na nostalgia das pessoas e ser reconhecida por elas? “É uma coisa que eu gosto muito. É muito divertido. Até por que cresci acompanhando “High School Musical“, “Isa TKM“, “Malhação (2012)… Acredito ter a sensação de que fiz parte de um lugar na vida dessas pessoas. Uma sensação de gratidão muito boa”.

Uma das queixas de atores que fazem papéis imoredouros é o de ficarem marcados justamente por ele. Lucélia Santos marcou-se por Isaura. Mel Lisboa, por “Presença de Anita“. Será que Maitê vai ser lembrada dessa forma, por conta de Gaby Estrella? “Talvez sim. Talvez tenham pessoas que vão sempre lembrar de mim desta maneira. Mas eu não acho que isso tire nem um pouco do que eu ainda posso fazer. Talvez dificulte um pouquinho o processo, mas facilita de as pessoas e até meio do mercado me verem dessa forma. Não é importante só sentir que as pessoas gostam de mim, do meu trabalho. Mas [ante à minha juventude] sinto que não fiz nem metade das coisas que eu ainda quero fazer. Então, sinto como se eu tivesse que correr atrás do tempo”, afirma.

Com mais de 10 anos de carreira, a mineira de Juiz de Fora tem um currículo extenso, passando da TV para o cinema. Além do sucesso como protagonista da série infantil “Gaby Estrella”, a atriz participou de algumas novelas bíblicas da Record. Seu primeiro papel fixo em uma novela foi em “Jesus” como Gabriela, uma jovem com bom coração, filha do apóstolo Pedro. Já no cinema, Maitê coleciona adaptações de livros infanto-juvenis. Sendo o primeiro lançado em 2017 e sucesso da autora Thalita Rebouças, o longa “Tudo por um popstar” que tem continuação prevista para ser lançada ainda este ano. Ainda ano passado, a atriz estrelou “Um Ano Inesquecível – Inverno” como a protagonista Mabel. O projeto da Amazon Prime faz parte de um dos filmes adaptados do livro de contos das autoras brasileiras Paula Pimenta, Thalita Rebouças, Babi Dewet e Bruna Vieira.

Maitê Padilha e os desafios de ser artista no Brasil (Foto: Divulgação)

SER ARTISTA

Recentemente formada pela Casa das Artes de Laranjeiras (CAL),  Maitê ressalta a importância do estudo. “A questão da faculdade em si foi muito importante por conta da pressão a qual sofrem os atores. Eu acho que eu sou uma pessoa muito perfeccionista, principalmente com o meu trabalho. Quando se adquire muito repertório, algo que é muito importante para o ator, isso o ajuda a ter uma cabeça cada vez mais criativa”. 

“Hoje em dia”, analisa a atriz, “muitos atores têm um grande repertório, e chegam em espaços de trabalho e experimentam. Cansei de ver isso em salas de preparação e foi algo que me deixou muito admirada. Acho que a experimentação permite atingir o acerto. Demorei a perceber isso, por achar que precisava acertar, e acertar rápido, para poder mostrar ali o meu trabalho. A faculdade me ensinou [essa cautela]. E foi o lugar onde fiz amigos que são meus melhores hoje em dia. Aprendi muito com o pessoal da minha faculdade fazendo a sua arte, num espaço educacional, não competitivo, de experimentação mesmo”. 

Porém, isso não impediu a grande autocobrança:

De início eu me senti bem insegura. Quando  cheguei, vi que essas pessoas já conheciam o meu trabalho e eu ficava me sentindo como se fossem esperar alguma coisa de mim, e que eu seria descoberta como uma pessoa triste, e isso foi algo que com o tempo foi passando e fui vendo que era um ambiente de aprendizado e fui me abrindo, aprendi jeitos diferentes de fazer as coisas. Acho que a formação ajuda a ter um lugar pra pesquisar, pra justificar as escolhas – Maitê Padilha 

Ainda que destaque a importância de se estar numa faculdade, Maitê acredita que também há “cursos e workshops de técnicas de atuação que vão dando ferramentas diferentes para se expandir o trabalho. Acho que é importante isso, para nos fazer sentir mais confiantes”. A sua relação com a atuação deve-se muito ao fato de ter começado muito nova no ofício. “Isso deu  a mim uma simbiose com o acting e uma conexão com a persistência. Esta é uma profissão na qual há muitas negativas, muitas frustrações, que tento não levar pro lado pessoal, apesar de reconhecer a difículdade”.

Meu trabalho é uma parte importante de mim. Por vezes vejo outros atores que nem sempre estão trabalhando, pegando um projeto, produzindo… Eu sinto como se a frustração não tivesse muito como mudar o que eu faço. Mas quando estou num trabalho, estou 100% dedicado a ele – Maitê Padilha

Atualmente, em face da ascensão das redes sociais, quando o número de seguidores acaba por fazer as vezes de produtor de elenco, isso acaba sendo definitivo para a montagem do cast. Para Maitê, “é bem complicado. Particularmente não me sinto muito bem pensando que tem gente ganhando papeis por conta do número de seguidores. Não por crer que essa pessoa possa não merecer, mas esse motivo não faz sentido, já que ela não está recebendo o personagem por algo que tenha a ver com atuação. E, às vezes, até pra quem vai assistir, o resultado pode não ficar tão legal e ser frustrante pra todo mundo. Ao mesmo tempo, lamento por ver que a gente pode acabar perdendo muitas pessoas muito boas, que têm desempenhos, trabalhos muito bons pra entregar e que não serão vistas por não terem seguidores suficientes e que se o tivessem, teriam mais oportunidades”.

Estar no vídeo é sinônimo de uma alta competitividade. É algo saudável? “A alta competitividade sempre foi algo que me desestabilizou muito, de eu não não saber me colocar, me defender, me proteger. Sempre foi uma coisa que me incomodou e frustrou. Acho que todo ambiente de trabalho é muito competitivo e o do ator talvez influencie um pouco mais por estar lidando diretamente com o seu físico, seu olho, o jeito que você fala, o tom da voz… A gente luta pra aprender a lidar, a se defender, a aprender a saber. É preciso dialogar com esse ambiente competitivo sem se deixar mudar por causa dele, mas também sem se deixar sumir”.

E pensando na solidão do artista, algo que é muito citado, entre os atores, Maitê faz coro. “A gente ouve muito falar nisso, talvez por nos envolver com os personagens. Os personagens são muito diferentes da gente, mas em muitas das vezes é um desafio equalizar tudo. Acabamos por trazer pontos nossos à tona. E aí, vira uma imagem muito desfigurada de si. Talvez por isso, creio que ninguém faz o mesmo personagem da mesma forma. São coisas suas que estão ali”.

Sobre o processo de abandono dos personagens, Maitê ressalta que achou ser algo mais difícil. A falta mesmo, a dificuldade em deixar residia “na falta das pessoas. Eu sempre tive a sensação de que, depois que ganhamos a vida, eu fui deixando um pedaço meu ali. Eu sempre senti os personagens muito individuais. Eles têm coisas de mim, mas eu sinto eles fora de mim. Talvez por isso, assim, porque eu sinto que eu só deixo um pedaço meu”.

Por vezes ia preencher uma ficha e quando perguntavam a profissão eu colocava “atriz”. Havia quem dissesse nunca me haver visto em nada, como se eu mesma tivesse que me provar o tempo inteiro. E esse é o meu trabalho, o que paga as minhas contas. Fico muito feliz de poder pagar as minhas contas trabalhando – Maitê Padilha 

Maitê Padilha e os atravessamentos da profissão (Foto: Divulgação)

ABSOLUTE CINEMA

Tal como o meme que, na Internet, sinaliza o que é tão cinematográfico que só pode ser cinema, Maitê fala sobre as questões que são inerentes ao fazer a sétima arte no Brasil. Uma delas, a dificuldade de distribuição, que para ela é algo “muito difícil, por conta de precisar de dinheiro. É muito importante as pessoas irem ao cinema para ver o filme nacional, porque a quantidade de telespectadores que tem numa semana define quanto tempo o filme vai ficar em cartaz. Não adianta esperar pra ver o longa daqui a duas semanas, porque, às vezes, nem vai estar mais lá. O primeiro final de semana de estreia do filme é muito importante por isso. Além do mais, há muitos projetos importantes voltando depois de ficarem muito tempo parados.

E eu fico muito feliz porque eu acho que o Brasil é muito rico em profissionais. Eu acho que a gente tem profissionais muito bons, muito talentosos. E rico em História, com um povo muito interessante e diverso – Maitê Padilha

Com o movimento de evasão das salas de cinema especialmente depois da pandemia, a atriz aponta a importância de ver os lançamentos nos espaços tradicionais por ele possibilitar “acesso de pessoas diferentes. Não é todo mundo que tem streaming, então acaba atingindo um público diferente. Eu, particularmente, gosto muito de cinema, assim como de estrear no cinema. Eu acho que tem uma energia legal, com a galera toda lá, eu acho menos solitário. A minha expectativa é bem grande”.

Sobre “A Miss“, a perspectiva é fazer o circuito de festivais, “assim as pessoas começam a assistir e isso ajuda na logística de distribuição. Disponibilizar ele numa maior quantidade de salas possível, também, pra todo mundo poder assistir. Quando estreou o “Um Ano Inesquecível –  Inverno“, eu estava em casa, assim, com a minha mãe, já que o filme saiu no Prime Vídeo. Daí eu fiquei com a sensação de estar sozinha, ainda que o filme tenha sido liberado para um monte de gente. No cinema estão todos ali para isso, concentradas num só lugar pra assistir”.

O Brasil tem muita coisa boa, tem muito filme bom, tem muito profissional bom. E por ser muito extenso tem temáticas muito diferentes e, às vezes, um humor muito diferente. O cinema nos ajuda a entender o nosso país, a linguagem, o jeito de pensar, de ver o mundo, o nosso jeito de se vestir. Eu acho que é bom estar conectado com isso. Se a gente ficar consumindo só muita coisa de fora, creio que começamos a ter uma visão até meio deturpada de si – Maitê Padilha

Maitê Padilha na época de “Gaby Estrella”, do Gloob (Foto: Reprodução)

As falas de Maitê são definitivas, profundas de quem tem pressa de viver. “Como eu comecei muito nova, eu ainda quero fazer muitas coisas, mas também sinto que eu já fiz outras tantas, daí essa sensação de ter mais pressa. Mas, é muito importante hoje em dia me sentir satisfeita, o que nem sempre é possível. Mas, acredito fazer o possível pra tentar, pra conseguir”, finaliza.