*Por Thaissa Barzellai
A noite de exibição de “Medida Provisória”, longa-metragem de estreia do ator Lázaro Ramos na direção, no Festival do Rio, foi acometida por um sentimento de triunfo e esperança. As salas lotadas, com pessoas voltando para as suas casas por não ter mais ingressos, e as reações energéticas do público a cada cena foi, para Taís Araújo, uma das protagonistas da obra, a comprovação de que toda a odisseia com a Agência Nacional de Cinema (Ancine) para autorizar a distribuição nacional chegaria em breve ao fim. “Esperamos que o filme saia. É uma questão burocrática, mas esperamos que a Ancine aprove logo para que a gente possa colocar o filme em cartaz. Estamos tendo uma estreia hoje com gente voltando para casa, então tem público para ver e precisamos abrir as salas de cinema para esse público”, disse a atriz.
Diante da repercussão dos questionamentos e comentários sobre “Medida Provisória” após a exibição especial nas redes sociais, a Ancine, finalmente, assinou os tão esperados papéis, tornando, sem saber, proféticas as palavras de Taís. O anúncio da decisão do órgão federal foi feito pelo diretor Lázaro Ramos ao receber o Prêmio Especial do Júri na noite de encerramento do Festival do Rio, realizado neste domingo no Estação Net Botafogo. “Nós fazemos o nosso trabalho da melhor maneira possível. Foi um movimento muito bonito que aconteceu nos últimos dias. Quando saiu o teaser, por exemplo, a curiosidade e a vontade de ver das pessoas, a valorização do elenco, reflete uma onda muito positiva de desejo, de querer ver o filme, que começou desde quando levamos esse debate para a sociedade”, conta o ator que agradeceu ao festival por ter lutado para inserir o longa na programação.
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Para o diretor, a conquista não teria sido possível sem a força e voz do povo, responsáveis por fiscalizar a atuação desses órgãos e, assim, legitimar a importância do cinema para o desenvolvimento sociocultural e econômico. “Censura nunca mais. Descaso nunca mais. É preciso respeitar a economia da cultura. É preciso respeitar o cinema. Espero que a Ancine libere também os outros filmes que estão presos”, declarou o ator que fez questão de frisar sempre que possível o fato de que a produção ofereceu mais de 400 oportunidades diretas de emprego.
Nas redes sociais, Lázaro fez questão de compartilhar cada momento do festival do Rio, de forma a garantir que seus seguidores que não puderam estar presente pudessem fazer parte dessa estreia histórica não apenas para o cinema brasileiro como também para a carreira do ator como diretor. “Não me canso de falar o quão mágica foi a noite de estreia do Medida Provisória. Era um mix de alegria, felicidade, gente que amo estar junto e realização”, publicou Lázaro nas suas redes sociais.
Baseado na peça ‘’Namíbia, Não”, de Aldri Anunciação e encenada em 2011, o longa-metragem explora um Brasil distópico onde a população negra é obrigada a retornar para a África como uma medida de reparação histórico pelos tempos de escravidão. Reconhecido Internacionalmente pelo longa-metragem, que recebeu críticas positivas em festivais renomados no âmbito cinematográfico, dentre eles o Indie Memphis que premiou o projeto com o prêmio de Melhor Roteiro, Lázaro Ramos espera que o filme promova um debate amplo, da linguagem cinematográfica — que brinca com o drama, comédia e thriller – até às latentes questões políticas e raciais que ainda se fazem contemporâneas. “Eu espero muito que quando o filme chegar para as pessoas ele traga reflexões. E o que eu mais gostaria era que as pessoas se estimulassem a fazer o melhor para o mundo. É um filme que fala de muitas dores, mas que no final das contas você vai ver, na escolha de final que eu fiz, que o afeto é uma arma de transformação poderosa”, reflete o diretor que acredita que o filme vai ganhando mais significados no decorrer do tempo, consolidando o que ele chama de “faro da arte”.
Aos olhos de Taís, o filme é um exemplo nato do que foi pregado durante os 69 anos de vida da pensadora Bell Hooks, que morreu no dia do lançamento do filme e foi constantemente homenageada pelo elenco e equipe. Construído por muitas mãos negras, a coletividade que permeia não apenas o roteiro como também todo o processo criativo fortalece a teoria de Hooks de que a revolução vem através do amor como prática de liberdade. “O filme tem muito amor e acolhimento, é um amor político. É um significado muito lindo do legado deixado por ela, que falava tanto desse tipo de amor. E esse filme tem essa marca não só na obra que as pessoas vão assistir como também na forma como ela foi construída e conduzida pelo diretor”, afirma. Agora com previsão de estreia em todos os cinemas brasileiros no primeiro semestre de 2022, embora a data ainda não tenha sido divulgada, “Medida Provisória” está pronto para renascer a cada exibição que lhe espera em breve. Afinal, nas palavras do diretor, “o longa não acaba quando os créditos começam a subir”. Vida longa!
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