Hugo Bonemer vira debatedor do Sem Censura: “As pessoas devem cobrar da TV pública como cobram médico do SUS”


O ator afirma que voltar às novelas não está em seus planos imediatos. Hugo Bonemer agora, em rede nacional, figurará entre os debatedores do programa “Sem Censura”, da TV Brasil, canal público que vem buscando se reerguer em audiência e visibilidade. Especialmente depois de 2018, a audiência da TV Brasil minguou, de modo que pouco do exibido lá ganha projeção. Atualmente, o projeto é levar grandes nomes para que o canal possa ganhar visibilidade. O “Sem Censura” é apresentado por Cissa Guimarães, egressa da Globo, além de ter “um time de grandes curadores”, como Bonemer define. Hugo dedica-se não apenas ao programa da tevê pública, como poderá ser visto na série “Senna” da Netflix, sobre o piloto de Fórmula 1 falecido em 1994. O ator também fala sobre os dilemas dos quais vivem os jovens adultos de sua época e o vazio dilatado pelas redes sociais

*por Vítor Antunes

A  internet aponta, de forma talvez pouco confiável, que o primeiro trabalho de Hugo Bonemer no teatro foi em 1994. Naquele mesmo ano, Ayrton Senna morreu, ao cruzar a curva Tamburello. Tanto a estreia de Hugo como a morte de Senna completam 30 anos neste ano. A história dos dois se cruza para além desse dualismo. Hugo viveu Senna no teatro e voltará ainda neste ano a fazer uma série sobre o ídolo de Fórmula 1. “Para 2024, esse é o meu cartão de visita. Espero que com esse trabalho apareçam outros, além da expectativa do que vai acontecer, tanto pela série como por ser um dos meus primeiros trabalho em projeção, falado totalmente em inglês”. Além disso, Hugo estará recorrentemente na bancada do programa brasileiríssimo “Sem Censura“, da TV Brasil, apresentado por Cissa Guimarães nessa nova fase não só do programa, mas da própria tevê pública, que busca não apenas audiência, mas também, repercussão. Para Hugo, a grande virtude da TV pública é:

A TV pública não precisar ceder a patrocinador. A cobrança pode ser equivalente a de um médico do SUS ou ao buraco no asfalto da rua. As pessoas precisam reconhecer tratar-se de um produto de qualidade. E a TV pública existe há muitos anos. Deve ser feita com excelência como a todo serviço público  – Hugo Bonemer

Especialmente desde o ano passado, houve uma grande grita nas redes sociais sobre os custos da TV Brasil. Principalmente depois que a atual gestão federal assumiu a emissora e tornou a investir, financeiramente e em pessoal, decidida em torná-la mais atrativa, inclusive na audiência, que sempre beira o traço. “Eu me orgulho por fazer parte de uma equipe que faz esse trabalho muito bem, com curadoria e que tem experiência de muitos anos e em muitas emissoras, tanto na TV a cabo como no streaming”. A presença como debatedor do “Sem Censura” não é exatamente uma experiência nova para Hugo já que é apresentador do canal L!KE, na NET/ClaroTV.

Acho que essa relutância com a cultura em geral diz respeito à recusa em se oferecer discussão, conteúdo e expansão de pensamento. Os programas vão ao ar com tanto esmero, e pode se debater desde maneiras de fazer o imposto de renda às pautas progressistas, características de movimentos sociais – Hugo Bonemer

Hugo Bonemer,r um dos debatedores do Sem Censura, atualmente apresentado por Cissa Guimarães (Foto: Oseias Barbosa)

TRANSVERSAL DO TEMPO

Um dos filmes feitos pelo ator e que estreará neste ano chama-se “Domingo à noite“, no qual ele vive a versão jovem do ator Zé Carlos Machado, casado com a personagem vivida por Marieta Severo, protagonista do longa. O filme terá uma pré-estreia em São Paulo no segundo semestre e trata sobre um prolífico autor de livros cuja mulher, atriz, passa a revisitar o passado. O filme fala sobre o processo de envelhecimento. Atualmente, Marieta, tal como Arlete Salles e outros atores maduros têm feito papéis diversas protagonistas. “A profissão parece estar procurando sempre ‘o próximo nome’ e estar constantemente nessa luta. Torna um desafio manter os nomes que já estão há tanto tempo aí. Eu mesmo já estive nessa condição [de ser o nome do momento]. Sabemos que todo papel é importante, mas dar protagonismo para pessoas que são nossas inspirações é necessário não só para eles, mas para nós também”.

Hugo nos disse que voltar às novelas não está em seus planos imediatos. Nos anos 1970 muitos atores pontuavam não querer voltar e/ou fazer novelas por razões muitas. Muitos deles tinham dilemas profundos de suas contemporaneidades que acabavam por chegarem aos palcos. Assim nasceu “Fala Baixo senão eu grito”, de Leilah Assumpção, encenada por Marília Pêra (1943-2015) ou “É… ” de Millôr Fernandes (1923-2012) protagonizada por Fernanda Montenegro. Para o ator, “os dilemas [geracionais] são atemporais. Existe um vazio de todo mundo a ser preenchido. A minha geração preenche de inúmeras formas. As redes sociais são uma delas. Somos uma geração com menos perspectiva de crescimento profissional que tem muito mais gente do que a sua estrutura comporta. Uma geração que não realizou, necessariamente, os sonhos de gerações anteriores e que, ainda que viva melhores políticas públicas, vê profissões sumindo e sendo robotizadas. Batalhamos para conquistar coisas novas, direitos igualitários e o direito de existir com mais qualidade, porém mantendo a perspectiva da felicidade e na luta por preencher o vazio que há na vida moderna, algo que a rede social escancara ainda mais”.

Hugo Bonemer: O dilema da geração atual está no vazio (Foto: Oseias Barbosa)

CUCA LEGAL

Esta não é a primeira vez que Hugo Bonemer conversa conosco. Na nossa outra conversa, falamos dos assuntos com os quais ele é costumeiramente abordado: militância LGBT, parentesco com William Bonner… Igualmente, falamos muito sobre Oswaldo Montenegro, cantor que orientou muito da sua vida, é o favorito de sua mãe e a quem ele homenageou no “Show dos Famosos“. Desta vez, porém, ele concedeu-nos a entrevista num carro de aplicativo, na selva da cidade paulistana, entre os sinais de trânsito, buzinas, e como diria Carlos Drummond de Andrade, entre os “ônibus e rio de aço do tráfego”. Seria possível o contraponto a essa ansiedade das cidades? Seria o amor a ausência de engarrafamento, fechado num carro, numa transversal do tempo? Se houvesse uma casa de campo como a cantada por Elis Regina, onde a cantora queria compor rocks rurais, quem Hugo levaria? “A minha avó. Nos aproximamos mais hoje quando meu pai e minha tia morreram e minha avó passou a estar mais vulnerável. Ficaria ali, junto dela, conversando e jogando baralho”.

Ao falar de afeto, ou dos afetos, é muito recorrente que se pergunte a atores que são assumidamente LGBT sobre a agenda da diversidade. Como se esse assunto fosse obrigatório, fundamental, imprescindível. De fato, falar sobre o tema é importante em razão do preconceito de uma sociedade profundamente heteronormativa e pouco afeita à diversidade. Porém, é necessário etiquetar e monotematizar essas pessoas? Nessa conversa, vimos que Hugo é um indivíduo personalíssimo. Tem nos olhos a força de um propósito: permanecer, vencer as solidões e os horizontes, desbravar e criar, fundar e erguer. Descortina, sem mágoa, as grandes extensões e o círculo infinito do horizonte. De, quem sabe, poder, no deserto, plantar uma cidade plena de pluralismos, esperanças de óculos e de cucas legais.