Hugo Bonemer: Adoção monoparental, podcast, representatividade LGBT, ter virado meme… e William Bonner!


Lançando uma audiosérie, Hugo Bonemer traz para o streaming audiofônico a experiência da dramaturgia associada ao musical. Ator também poderá ser visto no filme “Um dia cinco estrelas”, vivendo um policial militar. Nesta entrevista, Hugo fala não apenas sobre a sua homossexualidade, mas traz à tona um importante debate sobre a autoestima do homem gay, assunto que norteia a Psicologia moderna, e acerca de sua vontade de ser pai. Repercute sobre a sua relação com o primo, William Bonner, além de revisitar os vídeos cômicos do TikTok que viralizaram com o bordão “Oi, meu nome é Hugo e eu procuro um namorado que…”.

*por Vitor Antunes

Ao entrevistar um cantor, nenhuma palavra parece mais adequada que “repertório”. E, no caso do ator Hugo Bonemer, que também possui essa habilidade, a expressão revela-se ainda mais imperiosa. Nesta conversa, o ator falou sobre vida, carreira, sonhos e projetos. Um deles é o podcast “Amorlândia”, no qual mistura as linguagens da dramaturgia, do musical e da radiofonia de forma singular. O podcast – disponível em todas as plataformas de áudio – ainda que seja inspirado num original em língua inglesa, tem um quê autoral e a chancela de Bonemer, ator fortemente ligado ao teatro musical. Para fazer “Amorlândia”, diz ele, “eu precisava de pessoas próximas e com as quais eu já tivesse intimidade para eu me sentir mais seguro. Procurei a maior diversidade possível na minha realidade e os personagens têm raça, gênero e afetividade diferentes. Gostaria que eles representassem o mais próximo possível dos seus intérpretes”. Além deste formato, Bonemer também pode ser vistos no cinemas, em “Um dia cinco estrelas“.

Aliás em tratando-se de pluralidade, Hugo foi um dos primeiros atores da sua geração a assumir-se gay. Em 2018, numa entrevista à Rede TV, o artista tornou pública a sua homossexualidade. De lá para cá, não são incomuns as perguntas que permeiam esta seara. E isso não é algo que o incomode. “Ser um ator abertamente LGBT é uma situação nova, inclusive para mim. O que posso fazer é continuar produzindo conteúdo relevante e interessante para que possamos falar não apenas sobre isso mas também sobre”. Outro tema que Hugo fala abertamente é sobre a vontade de adotar um filho. Seu interesse, inclusive, passa pela adoção monoparental. A escolha por ser um pai solo é algo insólito. Dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), revelam que até julho do ano passado, 706 homens solteiros estavam habilitados à adoção no Brasil. Um número pequeno frente à mais de 3.300 mulheres.

Fazer entrevista falando sobre integrar a comunidade LGBT não me incomoda em nada, porque isso faz parte de mim e eu continuo sendo bicha 24h por dia – Hugo Bonemer

Além destes temas, o ator abre o coração sobre um assunto que vem sendo debatido junto aos psicólogos que é a construção da autoestima do homem gay – algo que contribuiu para que ele iniciasse tardiamente sua vida afetiva e gerou um paradoxo quando da sua chegada na TV: como pode um homem com baixa autoestima tornar-se o “galã da televisão”? Hugo também fala sobre seu primo, o jornalista William Bonner, revelando que eles se conheceram já maduros e que têm uma relação de profundo respeito e amizade “Quando soubemos do nosso parentesco, eu tinha 16 anos, e, com 24 anos, ele foi me ver no teatro pela primeira vez. Desde então passamos a ter mais convívio, há cerca de 12 anos, e essa relação foi se consolidando ao longo do tempo”.

Hugo Bonemer. Ator está lançando podcast de dramaturgia e fala de vida, e carreira (Foto: Oseias Barbosa)

FALANDO DA VIDA EM RÉ MAIOR

“Amorlândia” é radionovela ou musical radiofônico? Nem mesmo Hugo Bonemer tem essa resposta. Não havia pensado que, ainda que seja um projeto moderno, bebe da fonte das antigas radionovelas e dos programas de rádio. Mas o autor da audiosérie acabou ponderando: “Creio não ser nem um nem outro. “Amorlândia” tem um estilo mais contemporâneo, mais diferente mesmo. Fizemos um musical em áudio, mas também com a preocupação com os mínimos sons que a pessoa escuta – desde um zíper que se abre a um spray de cabelo – o que instiga a imaginação de quem está ouvindo. E a quem estiver acompanhando de fora das plataformas de áudio, pode ver no YouTube a foto do ator envolvido naquele episódio”.

O nome do podcast musical faz referência à “Amorlândia” , uma cidade fictícia do interior do Rio de Janeiro da qual a maioria dos jovens quer fugir. E ainda que sejam pessoas conscientes do espaço alheio, e saibam usar devidamente os pronomes, por exemplo, nenhum deles têm a menor ideia de como ser feliz nesse mundo. “O nome da audiosérie, “Amorlândia” é o mais brega que conseguimos pensar, já que os moradores da cidade têm vergonha dela, que é uma cidadinha provinciana, com avenida e coreto”. Seis episódios da série serão lançados até o fim deste mês de julho. E sobre o podcast, seu idealizador pontuou: “Gostei de ouvir, me fez sentir bem e com a vontade de que mais pessoas escutem. Ele traz questões, como a adoção, de forma leve e gostosa. Esse assunto, pessoalmente, mexe muito comigo”.

“Amorlândia” pode ser ouvida em todas as plataformas digitais. O episódio de estreia tem o ator Léo Bahia e o próprio idealizador do projeto, Hugo Bonemer (Foto: Divulgação)

Este não é o primeiro projeto do formato no qual Hugo participa. “Fiz outros dois podcasts de ficção do Spotify, o “Sofia” e o “Batman Despertar“. Além deste formato, Bonemer também pode ser vistos no cinemas, em “Um dia cinco estrelas“. “Meu personagem é um policial que  trabalha com o namorado. Fico feliz por conta de, no filme, a sexualidade dele não ser o grande ponto ou o principal conflito da historia. É importante mostrar e sensibilizar, claro. Mas ser LGBT numa trama é um detalhe da vida do personagem e não a vida dele”. Além disso, o ator destaca o protagonista, Estevam Nabote, comediante e o fato de Nany People estar vivendo, no longa, uma mulher cis. Outro elemento afetivo é o diretor, Hsu Chien, uma unanimidade entre os atores “Hsu é o cara mais legal do Brasil”, elogia.

Hugo Bonemer e Estevam Nabote em “Um Dia Cinco Estrelas” (Foto: Divulgação)

Quando estreou como jornalista de televisão, em 1985, ainda na Bandeirantes, William Bonner não assinava o nome que o fez famoso, mas o seu nome de batismo. Chamou a família para vê-lo estrear na tela da TV e em sua primeira entrada, uma informação chocou William, o pai do estreante repórter: No crédito não estava escrito William Bonemer, mas William Bonner. Um erro de digitação rebatizou o comunicador. Por isso, houve quem não ligasse, de maneira imediata, Hugo a William. Bastou apenas que um veículo de comunicação ligasse os pontos para que a relação entre um e outro se estabelecesse de maneira mais definitiva publicamente. Afinal, ainda que sejam parentes, até aquela reportagem, os dois não possuíam uma relação efetivamente estreita.

William é a minha família mais próxima que tenho no Rio. É uma pessoa que não parou no tempo, é alguém sempre disposto a conversar e a ter uma escuta atenta e da qual eu pude ver expandir a forma de seu pensamento – Hugo Bonemer

“Blimos”. Com ascendência árabe, William e Hugo tratam-se com a informalidade típica das pessoas daquela região (Foto: Reprodução/Instagram)

CANTA O QUE NÃO SILENCIA

Durante uma entrevista , em 2018, um repórter perguntou sobre a namorada de Hugo Bonemer, e ele corrigiu de pronto “É ele! É um ator“. Desde então, são recorrentes as abordagens sobre esta temática. Perguntamos ao artista se as perguntas e pedidos de posicionamento sobre esse assunto geram a ele alguma preocupação. Ele negou: “Não é algo do qual eu me preocupe. Tenho a responsabilidade de trazer assuntos diversos além deste. Como em “Amorlândia”, que desenvolvi junto a amigos. De modo que a sexualidade não se torna o único tema”.

Não faz muito tempo, o ator virou meme na Internet por conta dos vídeos feitos para o TikTok nos quais sempre dizia “Oi, eu sou o Hugo e procuro um namorado que…” e deste ponto em diante vinha uma demanda sobre um companheiro idealizado. Intencionalmente cômicos, os vídeos foram vistos como uma espécie de “Edital para pretendentes“, o que, decididamente, não conferia com a realidade: “Publicaram matérias nas quais destacavam que eu estaria fazendo uma campanha para arrumar namorado. Fiquei até meio constrangido, porque os vídeos do TikTok eram coletâneas de histórias de amigos e amigas minhas, levadas à ultima potência. Eu sou ator, interpreto textos e fico feliz que achem que é algo sobre mim”.

De todas as histórias a mais cômica foi quando, ao contextualizar sobre a falta de higiene íntima masculina – e que mais provoca o câncer de pênis – Hugo gravou um vídeo que dizia a frase bordão seguida de “… procuro um namorado que limpe o pinto“. Isto fez nascer várias manchetes cômicas e o ator, descontraidamente pontuou: “A campanha do pinto limpo é uma questão humanitária”.

Eu acho que, para os veículos de comunicação, colocar William Bonner e pinto na mesma manchete é algo irresistível. Até mesmo jornais que não me associavam mais ao meu primo passaram a fazê-lo, só para colocar “Bonner” e “pinto” na mesma manchete. Eu compreendo e faria a mesma coisa – Hugo Bonemer

Um assunto que vem sendo discutido de forma terapêutica na psicologia é a construção da baixa autoestima do homem gay. Não são poucos os casos de relatos que perpassam por este lugar. Hugo mesmo, iniciou sua vida afetiva tarde e deu o primeiro beijo já adulto em face de não entender a sua autoimagem de forma amistosa. Quando vai para a televisão, esta ideia preconcebida se descontrói, pois que ele é tido como a um galã. “Eu não entendo sobre como foi isso por que não era essa a imagem que eu tinha de mim. A imagem que as pessoas têm sobre mim mesmo é maior que aquela na qual me vejo, ainda que eu me reconheça de forma mais amistosa do que via no passado. Ter saído do armário me permitiu ter uma imagem amorosa sobre mim. Espero que em algum momento da minha vida eu consiga achar, assim como a “Alice no País das Maravilhas“, a portinha que é do meu tamanho. Eu ainda não me sinto do tamanho da porta, mas ajustando-me a ela e com o auxilio da terapia. Fui, gradualmente, aumentando o afeto a mim mesmo”.

Hugo Bonemer, a contrário do bordão do meme, diz que, no momento não está procurando namorado (Foto: Oseias Barbosa)

ONDE PRINCIPIA A INTUIÇÃO

Nas últimas semanas viralizou na Internet uma brincadeira na qual os usuárias das redes sociais lançavam mão da Inteligência Artificial para imaginar como seriam os seus filhos. Hugo Bonemer entrou nesta onda e fez uma montagem. Revelando assim um dos seus maiores desejos: ser pai. E, por conta disto, passou a questionar até mesmo a sua afetividade: Precisaria de um companheiro para poder adotar, ou queria apenas paternar? Intuitivamente, procurou um grupo sobre adoção e descobriu que é possível adotar um filho de modo monoparental, ou seja, sem a necessidade de um parceiro: “Foi uma descoberta na minha vida. Se eu quiser ter um filho, posso, desde que comprovada a minha habilidade para tê-lo e que possa oferecer para uma criança que passou por uma situação de abandono, o acolhimento. E para isso não preciso estar em um relacionamento. Posso ter as duas coisas, mas por enquanto eu estou procurando namorado de forma fictícia em vídeos de humor no TikTok”, diverte-se.

Em tratando-se sobre Inteligência Artificial, não foi apenas com filhos fake o mergulho de Bonemer. Recentemente ele usou um recurso de tradução simultânea digital e publicou em suas redes sociais o “experimento”. A inteligência artificial assusta? “Sim. Neste caso, acho que pode ser útil para uma palestra ou para videozinhos rápidos. Se isso se estender para produções culturais, eu acho preocupante. O trabalho do dublador deve ser respeitado”.

Hugo Bonemer (Foto: Raphael Dias/TV Globo)

Quando deu-nos essa entrevista, Hugo estava no casamento de sua melhor amiga, numa cidade do interior gaúcho. Diante do fato de o artista haver vivido o cantor Oswaldo Montenegro no “Show dos Famosos” e este ser o cantor favorito da sua mãe, estruturamos esta matéria fazendo citações à musica “Intuição” , do veterano artista. Surpreendentemente, e talvez por fruto da própria intuição, soubemos que Hugo iria cantar, neste mesmo casamento, “Léo & Bia” uma música… de Oswaldo Montenegro! Atravessados pelo menestrel, perguntamos a ele, baseados numa música do cantor , “que respostas a arte lhe aponta”. E ele disse que “a arte me aponta muitas respostas, mas, com o tempo, ela me trouxe mais perguntas que respostas. A minha função como artista é sensibilizar e sinto-me cada vez mais sensível. Gosto da pessoa que estou me tornando. Quando exerço o meu ofício, quero que o personagem mais escroto do mundo seja acarinhado por mim e que ele me conte o que está sentido”. Arte por afeto e por empatia – ainda que esta seja mais uma palavra perdida em meio a vulgarização dos sentidos vernáculos. Parafraseado Oswaldo Montenegro, metade de Hugo é plateia, e a outra, canção. E, por que não dizer, metade dele é amor e a outra, também.