*por Vítor Antunes
Quando Emiliano D’Ávila surgiu na TV, ainda durante a exibição de “Avenida Brasil” (2012), algo que chamou a atenção a ele inicialmente foi, claro, a sua beleza. Pouco tempo depois, talvez esta também possa ter colaborado para sua escalação no “Vai Que Cola“, no qual interpretava o bonito-e-burro Maicol. Rompendo esses estereótipos, o ator se lançou em 2023 numa múltipla jornada durante a encenação de “Abismo de Rosas” peça de Cláudio Simões. Para o ano novo, a peça fará viagens pelo País e percorrerá quatro cidades, uma de cada região, além de fazer uma temporada em São Paulo. Segundo Emiliano, o seu afastamento da TV deveu-se, além de tudo, à dedicação em realizar este projeto teatral. “Eu me afastei da TV, um pouco por questões internas na minha relação com o “Vai Que Cola” e o Multishow, mas também em razão de querer investir em minha faceta produtor de teatro. Quando comecei a produzir “Abismo de Rosas” eu ainda estava no “Vai Que Cola“. Estou montando o projeto desde 2018”. Em paralelo, o ator está fazendo Mestrado em Cinema, mas coloca-se “aberto a convites para fazer Cinema e TV” e estará transformando “Abismo de Rosas” em filme.
Baiano, o ator aponta haver ainda sobre o artista nordestino, um preconceito com relação ao seu sotaque e concorda com a fala de Fafá de Belém que relata que, no passado, para o brasileiro “o Brasil acabava na Bahia“. “Acho que isso se aplica ao Nordeste e ao Norte. Sinto que sofri um certo preconceito. Eu sou baiano, tenho sotaque, e ele é misturado devido à minha vivência de 15 anos no Rio. Eu não o escondo e nao quero escondê-lo enquanto Emiliano. Porém, no que diz respeito aos meus personagens, isso vai depender. No “Vai que Cola” ele era benquisto, tanto que Maicol não era necessariamente baiano e passou a ser”
Em “Avenida Brasil sofri críticas por conta de meu sotaque não ser necessariamente carioca e a novela se passasse no subúrbio. O Lúcio, meu personagem poderia ser de qualquer lugar do país. Inclusive a atriz que fazia minha mãe, Claudia Missura, é paulista e nunca foi criticada por seu sotaque na novela. Sinto que, para o Brasil, é como se os únicos sotaques aceitos fossem do Rio e de São Paulo – Emiliano D’Ávila
Militante da causa vegana, o ator fala que hoje há um espaço maior para esse assunto, ainda que ele seja confundido com outros conceitos, ou ainda como dieta, mas que, na verdade, a seu ver, trata-se de uma pauta política. “Antigamente já foi pior em oferta de alimento e de indústria baseada em vegetais (plant based). Hoje em dia, por sua vez, há muito preconceito à palavra veganismo. Ela é associada à alimentação saudável, fit, ou sem lactose, quando na verdade trata-se de um posicionamento político, e, em última instância, um boicote aos produtos de origem animal. E isso não se restringe aos produtos, mas se estende aos serviços, ao entretenimento – como ao zoológico, aos parques de temática animal, aos aquários, às roupas… O recorte da alimentação é só o que responde ao maior de todos. O veganismo tem como intenção acabar com a crueldade animal em sua formação. Há quem ache que uma alimentação vegana é cara e que se precisa substituir tudo. Na verdade só se substitui o que é indispensável, o que não é o caso da proteína animal.”
A pecuária é uma desgraça para o meio ambiente – Emiliano D’Avila
MOTIVOS
Emiliano está ainda colhendo os louros do sucesso no “Vai Que Cola”, ainda que a série não conte mais com ele no elenco. Ela continua sendo exibida em várias plataformas, tanto na TV aberta, como na fechada, e mesmo no streaming, o que faz dar a impressão que o artista ainda está no elenco do humorístico. “Há retorno do público, que acha que eu não saí do programa, fora os que acham que eu devo voltar”. Ainda que muito discretamente, o ator queixa-se e pede uma distribuição mais justa no que tange aos direitos conexos e de imagem em razão das reexibições. “Há muita discussão sobre isso e tenho participado. Não recebo pelas reprises e são contratos complicados. Através da Interartis – Instituto que reivindica por direitos conexos e de iagem para os artistas – lutamos pelos direitos dos intérpretes e temos essa batalha. É preciso um posicionamento da classe”.
Outra questão que mobiliza o ator é o ja citado veganismo. Para ele “veganismo e causa animal são a mesma coisa. Ser vegano toca na causa do Meio Ambiente, especialmente em razão da pecuária ser a atividade humana que mais destrói a natureza. Depois que vi o filme “Cowspirancy”, em 2017, por indicação da minha companheira Natália Rosa, decidi colocar-me mais ativamente na luta”. O documentário ao qual o ator se refere foi lançado em 2017 e faz menção aos impactos da pecuária na pesca e na natureza e como as organizações de defesa do meio ambiente intervém nisso. E a fala de Emiliano pode ser apoiada em estudo recente publicado pela Revista Science, que mostra que “entre 90% e 99% do desmatamento nos trópicos tem relação com a atividade agropecuária”.
UMA COMÉDIA DIFERENTE
Para o Ano Novo, muito da produção artística de Emiliano D’Ávila será voltada à peça “Abismo de Rosas” e não apenas a encenação teatral, mas também à versão cinematográfica desta, que já está em pré-produção. “Esta é uma comédia policial divertidíssima, uma sátira sobre a obsessão humana e que pode ser, ao mesmo tempo, ridícula e perigosa. Os três personagens da peça se conhecem pois cada um quer matar seu cônjuge e estes descobrem o plano. E é onde se arma o quiprocó”. A montagem não só tem Emiliano no elenco, mas ele dirige, produz e colaborou no roteiro. “Eu assisti essa peça aos 11 anos, e foi a única montagem que ela teve, ainda que o autor, Cláudio Simões, seja super premiado e trate da peça que lançou Wagner Moura. Eu tenho 16 anos de carreira no teatro e essa peça foi uma das que mais gostei de ter lido, razão pela qual escolhi montar”. O ator relata que houve a necessidade de fazer alguns ajustes no roteiro em razão de “os valores morais de agora serem diferentes, especialmente no que diz respeito a gênero. Senti a necessidade de adaptar e estar mais próximo desse lado da criação tabém, já que eu iria dirigir. Como eu também estou em cena, Junior Vieira dirigiu as minhas cenas”. Vieira é o diretor de “Nosso Sonho“, filme biográfico sobre a dupla Claudinho e Buchecha.
Um dos assuntos dos quais a peça fala é sobre a dsscoberta tardia da homossexualidade, o que inclusive foi assunto da entrevista que fizemos com Isabel Fillardis quando da estreia da montagem. Ainda que seja hétero, Emiliano teve o cuidado de abordar o tema de maneira empática e pediu que outra atriz da encenação, Vitória Strada colaborasse através do seu olhar, ja que é uma mulher LGBT. “Além da empatia há também muito estudo e eu sou muito estudioso e engajado nas questões sociais. Ainda que este não seja o foco da peça, está presente e a Vitória trouxe a sua experiência e vivência para essa relação das personagens.
Iniciamos a matéria falando sobre preconceito linguistico – quando pessoas que tem outro sotaque, são alvo de ações preconceituosas. Em “Abismo de Rosas“, Emiliano faz quatro personagens e cada um com uma forma de falar diferente. “Um é baiano, o outro com sotaque mais neutro, um outro carregadíssimo carioca e ainda um que tem uma forma bem paulistana, próximo ao modo de falar do jornalista Gil Gomes (1940-2018). Opto por esse caminho por que em algum momento alguém estabeleveu a crença de que não conseguiríamos, por ser nordestinos, fazer sotaques com menos maneirismos e regionalismos”. Eis aí a prova. A única que podemos assegurar que é a “Voz do Brasil” é aquela transmitida pelas rádios, às 19h. Já a dos falantes de português brasileiro?… Não. É essa variedade que faz do Brasil, Brasil.
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