Exibida em 1987, “O Outro“, de Aguinaldo Silva, voltará ao Globoplay, numa informação confirmada pela própria plataforma, com exclusividade, para o Site Heloisa Tolipan. A novela marcou a estreia solo de Aguinaldo Silva, a primeira protagonista às 21h de Malu Mader e o retorno de Francisco Cuoco, depois de estar fora das novelas desde 1983.A novela nunca foi reexibida. Uma das razões para não ter havido repeteco deve-se ao fato de a trama ter sido acusada de ser plágio de uma novela nunca exibida, chamada “Enquanto Seu Lobo Não Vem“, de autoria de Tânia Lamarca, que havia escrito uma sinopse para ser aproveitada pela casa, em 1986, através da Casa de Criação Janete Clair, uma espécie de oficina de dramaturgos elaborada pela Globo em 1985. Ante à acusação de plágio, a Casa de Criação deixou de existir.
Ainda que tenha tido boa audiência em sua transmissão original, “O Outro” acabou sendo mais lembrada diante do fato de sua trilha sonora internacional ter sido a sexta mais bem vendida da História da teledramaturgia. Por mais que não tenha data fechada para entrar para o catálogo – conforme ressalta o player da Globo – a informação confirmada é: “A obra está prevista para o Projeto Resgate”.
ENTENDA O CASO
A acusação de plágio a qual “O Outro” recebeu não distou muito da exibição original da trama. Aconteceu ainda em 1987. Em matéria de Márcia Cezimbra publicada no Jornal do Brasil em setembro de 1987, a jornalista revelou: “Tânia Lamarca apresentou uma trama idêntica [a “O Outro”], rejeitada em 1986 pela Casa de Criação Janete Clair. Registrada sob o número 23635, em 18 de agosto de 1986, na Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), e sob o número 37914, em 4 de setembro de 1986, na Biblioteca Nacional (BN). Tânia denunciou a Rede Globo à Justiça por crime de lesão de Direito Autoral. O processo número 5.003 está em exame pelo juiz Sílvio Teixeira Moreira, da 35ª Vara Criminal. (…) “Enquanto Seu Lobo Não Vem“, contou com a colaboração de Marilu Saldanha, mulher do diretor-adjunto nacional da vice-presidência de operações da emissora, Walter Borja Lopes, o Borjalo (1925-2004). Ao ver a sua assinatura na capa do manuscrito da sinopse, Borjalo reconheceu-a: ‘Sem dúvida, esta letra é minha'”. O site Heloisa Tolipan consultou os registros públicos e online da Biblioteca Nacional para ver se havia menção a “Enquanto Seu Lobo Não Vem“, contudo só há disponibilidade para consulta no site da BN, obras registradas a partir de 1995.
Márcia segue relatando em matéria do JB que “Tânia Lamarca teria (…) um manuscrito, em papel timbrado da emissora, atribuído a Borjalo, que tem justamente a função de realizar esse tipo de apreciação que é a avaliação do manuscrito”. Segundo reportagem de Cezimbra, “Tânia Lamarca não acusou judicialmente Aguinaldo Silva, mas a Rede Globo”. Porém, o Site Heloisa Tolipan, localizou um processo de mesmo número, datado de 1989, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no qual Silva e Globo eram citados por Lamarca.
As diferenças de “O outro” e “Enquanto seu lobo não vem” eram precisas. As profissões dos personagens protagonistas, que eram sósias, era uma destas. Na de Tânia, ele era um preso político. Na versão que foi ao ar, ele era um preso comum. Na de Tânia, um incêndio numa penitenciária motivaria a troca dos sósias – que na trama oitentista foram vividos por Francisco Cuoco. Na de Aguinaldo, a troca foi motivada pela explosão num posto de gasolina. Fora isso, o uso de cirurgias plásticas, um motorista de táxi com papel de destaque em ambas, uma relação entre personagens que poderia ser incestuosa, a amnésia de um outro e uma situação criminosa específica corroborariam a cópia.
À época, Aguinaldo falou em “armação”, ao Jornal do Brasil de 11 de setembro de 1987 e afirmou que sua única fonte de inspiração foi o filme “O Terceiro Homem“, produzido em 1949, com base na obra de Graham Greene. A perícia judicial, porém, constatou a existência de plágio: as duas tramas possuíam desdobramentos semelhantes e circularam, na mesma época, pela Casa de Criação. Por fim, Tânia Lamarca assinou um acordo com a Globo, e em 1994, o Supremo Tribunal Federal obrigou a emissora a indenizá-la. Segundo o pesquisador e crítico de televisão Nilson Xavier, Tânia embolsou R$ 3 milhões, com o qual produziu o filme “Buena Sorte“. A partir de então, a Globo passou a proibir qualquer funcionário de receber sinopses de autores que não sejam da emissora.
Anos mais tarde, Aguinaldo voltaria a ser acusado de plágio por causa de “O Sétimo Guardião” (2018). Sílvio Cerceau e alguns alunos de seu curso de roteiro entraram com um processo pelo pagamento de direitos relacionados à novela, cuja sinopse era uma criação coletiva, e que serviu de base para a trama exibida em 2018, em numa questão que se arrastou por anos. O autor foi defendido pela autora Regiana Antonini, sua ex-aluna, inclusive em reportagem do Site HT. A novela foi ao ar creditando todos os autores do argumento original. A trama, porém, não foi bem de audiência.
O OUTRO, A OUTRA, E OS OUTROS
A trama teve bastidores bastante turbulentos, além da autoria. O problema começou com a direção. Marcos Paulo (1951-2012) faria a trama e acabou saindo, dando vez a Paulo Afonso Grisolli (1934-2004). José Lewgoy (1920-2003) odiava o folhetim e pediu para deixá-lo apesar de ter um papel importante. Elaine Cristina é outra que tem ojeriza à novela que, segundo ela, “foi um corvo” em sua vida, segundo relatou ao Site Heloisa Tolipan: “Os problemas começaram com o meu cabelo, que estava comprido e foi cortado, mas não fotografava bem, segundo eles. Depois passaram a deteriorar a minha imagem, a destinarem a mim figurinos maiores que o meu manequim, a me tirar a iluminação a fim de que eu perdesse totalmente o brilho em cena. Quando eu percebi isso comecei a chamar a atenção das pessoas responsáveis. Até que em certa ocasião um dos diretores reclamou de que eu estava demorando muito para me arrumar e pediu que eu cortasse o cabelo, o que neguei e sugeri fazer um coque”.
Não satisfeito, o diretor reclamou, segundo ela, com dedo em riste, pedindo que cortasse os cabelos e atingiu o ápice quando ela ouviu o mesmo diretor falando barbaridades de um colega de elenco a uma figurinista. A atriz e o diretor discutiram e Elaine pediu demissão da novela. Paulo Afonso Grisolli (1934-2004) amainou as energias, Elaine não saiu da trama e o tal diretor não mais fez as suas cenas. A experiência traumática, contudo, refletiu-se num pedido de rescisão de contrato vindo da própria Elaine quando ainda havia alguns meses de vinculação à TV carioca. Segundo o livro “Autores – Histórias da Teledramaturgia”, Ricardo Linhares, colaborador de Aguinaldo Silva, também desabafou, dizendo que aquela “Foi uma novela um pouco complicada”.
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