Brigas no elenco, novela odiada por atriz e acusação de plágio. O Outro está de volta, no Globoplay


Disponível no Globoplay a partir de hoje, 02/12, O Outro (1987), de Aguinaldo Silva, retorna cercada de polêmicas que marcaram seus bastidores. A novela foi palco de conflitos envolvendo Elaine Cristina, que denunciou supostas sabotagens em figurinos, iluminação e penteados, culminando em um pedido de rescisão contratual. José Lewgoy, por sua vez, expressou descontentamento com a trama e abandonou seu papel. A obra, que nunca foi reprisada, também enfrentou acusações de plágio envolvendo a trama de Tânia Lamarca. Apesar disso, o retorno ao streaming resgata a estreia de Aguinaldo Silva no horário nobre e uma das mais emblemáticas novelas no que diz respeito à trilha sonora, que foi recordista de vendagem

*por Vítor Antunes

Conforme informado com exclusividade em maio pelo site Heloisa Tolipan, “O Outro”, de Aguinaldo Silva, será disponibilizada hoje, no Globoplay. A novela de 1987 marcou a estreia solo de Aguinaldo Silva como autor, o primeiro papel principal de Malu Mader no horário nobre e o retorno de Francisco Cuoco às novelas, após uma ausência desde 1983. A trama nunca foi reprisada. Supostamente, uma possível razão para a falta de reexibição seria a acusação de plágio envolvendo a novela “Enquanto Seu Lobo Não Vem”, criada por Tânia Lamarca e desenvolvida em 1986 para a Casa de Criação Janete Clair, um projeto da Globo iniciado em 1985 para roteiristas. A autora acionou a Globo, o caso foi parar na Justiça e, após as acusações, a oficina foi encerrada.

Embora tenha alcançado boa audiência em sua exibição original, “O Outro” ficou mais conhecida por sua trilha sonora internacional, que foi a sexta mais vendida na história das novelas.

O Outro volta hoje no Globoplay (Foto: reprodução)

BASTIDORES TURBULENTOS

Os bastidores de “O Outro” foram tumultuados. A direção começou com Marcos Paulo (1951-2012), mas acabou passando para Paulo Afonso Grisolli (1934-2004). O ator José Lewgoy (1920-2003) odiava a novela e pediu para sair, apesar de seu papel importante. Elaine Cristina também enfrentou dificuldades e classificou a novela como um “corvo” em sua vida. Ela relatou ao site Heloisa Tolipan: “Os problemas começaram com o meu cabelo, que foi cortado e, segundo eles, não fotografava bem. Depois passaram a deteriorar minha imagem, me dando figurinos maiores que meu manequim e tirando minha iluminação para que eu perdesse o brilho em cena. Quando percebi isso, comecei a chamar atenção. Até que um diretor pediu que cortasse o cabelo, o que recusei, sugerindo fazer um coque”.

Após um desentendimento com o diretor, Elaine pediu demissão, mas Grisolli mediou a situação, evitando que ela deixasse a novela. Ainda assim, o episódio levou Elaine a pedir rescisão de contrato meses antes do término de seu vínculo com a emissora. Segundo o livro Autores – Histórias da Teledramaturgia, Ricardo Linhares, colaborador de Aguinaldo Silva, também desabafou, afirmando que “foi uma novela um pouco complicada”.

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Cláudia Abreu, Cláudia Raia e Luma de Oliveira em externas. Copacabana foi cenário da trama (Foto: Divulgação/Bazilio Calazans)

PLÁGIO?

A acusação de plágio envolvendo “O Outro” ocorreu ainda em 1987, próximo à exibição original da novela. Em setembro daquele ano, uma matéria de Márcia Cezimbra no Jornal do Brasil revelou: “Tânia Lamarca apresentou uma trama idêntica [a ‘O Outro’], rejeitada em 1986 pela Casa de Criação Janete Clair. Registrada sob o número 23635, em 18 de agosto de 1986, na Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), e sob o número 37914, em 4 de setembro de 1986, na Biblioteca Nacional (BN). Tânia denunciou a Rede Globo à Justiça por crime de lesão de Direito Autoral. O processo número 5.003 está em exame pelo juiz Sílvio Teixeira Moreira, da 35ª Vara Criminal. (…) ‘Enquanto Seu Lobo Não Vem’ contou com a colaboração de Marilu Saldanha, esposa de Walter Borja Lopes, o Borjalo (1925-2004), diretor-adjunto nacional da vice-presidência de operações da emissora. Ao ver sua assinatura na capa do manuscrito da sinopse, Borjalo reconheceu: ‘Sem dúvida, esta letra é minha’”. Em maio, o site Heloisa Tolipan verificou os registros públicos da Biblioteca Nacional, mas não encontrou menções a “Enquanto Seu Lobo Não Vem”, já que o acervo online disponibiliza obras registradas somente a partir de 1995.

A capa da trilha internacional de “O Outro”. O disco vendeu quase 1.700.000 cópias (Foto: Reprodução)

Márcia ainda relatou que “Tânia Lamarca teria (…) um manuscrito, em papel timbrado da emissora, atribuído a Borjalo, cuja função era justamente avaliar sinopses”. De acordo com a matéria, “Tânia Lamarca não acusou judicialmente Aguinaldo Silva, mas a Rede Globo”. No entanto, o site localizou um processo com o mesmo número, datado de 1989, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em que Silva e a Globo foram citados por Lamarca.

As diferenças entre “O Outro” e “Enquanto Seu Lobo Não Vem” eram pontuais. Na obra de Tânia, o protagonista era um preso político, enquanto, na novela exibida, ele era um preso comum. A troca de identidade se dava por um incêndio numa penitenciária na trama de Tânia, mas, na novela de Aguinaldo, ocorria devido a uma explosão em um posto de gasolina. Outras semelhanças reforçaram a acusação de plágio: cirurgias plásticas, um taxista com papel relevante, uma relação que poderia ser incestuosa, amnésia de um personagem e um crime específico.

Malu Mader foi uma das protagonistas de “O Outro” (Foto: Divulgação)

Na época, Aguinaldo declarou ao Jornal do Brasil de 11 de setembro de 1987 que tudo não passava de uma “armação” e que sua única inspiração foi o filme O Terceiro Homem (1949), baseado na obra de Graham Greene. A perícia judicial, porém, constatou plágio, apontando desdobramentos semelhantes nas duas tramas, ambas analisadas pela Casa de Criação. No fim, Tânia Lamarca assinou um acordo com a Globo, e em 1994, o Supremo Tribunal Federal determinou que a emissora a indenizasse. Segundo o crítico de TV Nilson Xavier, Tânia recebeu R$ 3 milhões, valor que usou para produzir o filme Buena Sorte. Após o caso, a Globo proibiu seus funcionários de receber sinopses de autores externos.

Anos depois, Aguinaldo Silva enfrentou nova acusação de plágio com “O Sétimo Guardião” (2018). Sílvio Cerceau e alunos de um curso de roteiro reivindicaram direitos sobre a sinopse, supostamente criada coletivamente. Apesar da controvérsia, todos os autores do argumento original foram creditados, mas a novela não teve boa audiência.

PING-PONG: OUTRAS CURIOSIDADES SOBRE “O OUTRO”

  • Em carta ao Jornal do Brasil, um leitor de Vitória da Conquista (BA) disse ser algo herético “Um típico malandro de praia e conquistador barato chamar Cordeiro de Deus (…)”. Cordeiro de Deus é uma menção a Jesus em João 1:29. O personagem foi vivido por Jonas Mello.
  • Mesmo acabada a ditadura, a Censura ainda armava uma das suas: Tesourou uma cena em que Índia do Brasil (Yoná Magalhães [1935-2015) relembrava a primeira transa com Denizard (Francisco Cuoco). Ambos os personagens estavam na cama sugeriando que tinham acabado de consumar um novo ato. A Censura também implicou com o relacionamento entre Pedro Ernesto (Marcos Frota) e Zezinha (Claudia Abreu), segundo Elizabeth Orsini, também do JB, em matéria de 26/5/87.
  • Para voltar ao ar em “O Outro”, Cuoco teria exigido Cz$ 500 mil à Globo. Uma fortuna. O salário mínimo na época do contrato, janeiro de 1987, Cz$ 964,80. Em razão da inflação, o mínimo era ajustado mês a mês, em 87.
  • O nome provisório da novela é o que acabou se tornando definitivo
  • Vera Fischer era cotada para ser par de Paulo Della Santa (Cuoco). O papel acabou ficando com Natália do Vale. Vera estava fora do ar desde “Brilhante” e só voltaria em “Mandala”.
  • Ainda sem Projac, a Copacabana de “O Outro” era gravada em Guaratiba, Rio.
  • As gravações de “O Outro” atrasaram e complicaram de tal maneira que, segundo Ancelmo Gois, do JB (05/2/87). Daniel Filho estava “disposto a reprisar ‘Cavalo de Aço‘”. O que gera uma dúvida: A novela era em preto e branco, dificilmente a Globo reprisaria, no principal horário da casa, uma novela assim. Possivelmente Gois referia-se a um remake, não uma reprise, já que “Selva de Pedra” tinha sido exibida há pouco.