Dira Paes sobre ‘Pantanal’: ‘Minha personagem vem para denunciar esse viés machista do país’


A atriz vive a emblemática Filó no remake da novela, e fala sobre o trabalho e a cumplicidade fora do set com a estreante Letícia Salles, que interpreta a mesma personagem na primeira fase. Dira também detalha a alma da sua Filó e as motivações da paixão que vive, e chama atenção para a questão ambiental que permeia a trama: “É preciso que inteligências sejam dedicadas à essa questão do Pantanal, que sofreu com o impacto da exploração e passou por uma crise ambiental terrível. Não tem mais como isso ficar assim. A população está percebendo a questão climática no mundo, vendo como afeta todo o planeta. É urgente a necessidade de pensar o equilíbrio. E que essas inteligências sejam voltadas para revertemos um pouco a questão da aceleração climática no Brasil também”

Dira Paes sobre 'Pantanal': 'Minha personagem vem para denunciar esse viés machista do do país'

*Por Brunna Condini

O que o Pantanal uniu ninguém separa? Para Dira Paes é bem possível. A atriz, que interpreta emblemática Filó na segunda fase da novela, comenta a parceria com a estreante Letícia Salles, que vive a mesma personagem na fase mais jovem. “Mergulhamos totalmente juntas no Pantanal. Sei da vida da Leticia (Salles) inteira, e ela também da minha (risos). Tivemos tempo de nos conhecer. Na história, são 25 anos que nos separam, mas que também nos unem. Minha preocupação era deixá-la livre para voar se encontrando com a personagem”, lembra Dira.

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Com 37 anos de carreira, Dira aposta na troca e nas redes de afeto que se formam através da arte e da vida, como sua personagem. “Letícia faz seu primeiro personagem. Ficamos tentando imaginar o que teria em comum entre nós. Falei: fique livre, estaremos conectadas. Queria que ela se preocupasse com o volume de trabalho, de texto que Filó teria na primeira fase. Estou ansiosa para assisti-la, tenho certeza que vão vir muitas emoções que racionalizei. E tem outro ponto que também nos une neste trabalho. Combinamos de nunca esquecer de onde a Filó veio. Também gostava do que a Jussara Freire – que interpretou Filó na novela original da TV Manchete – fazia: era uma mãe universal, mas tinha algo rascante, e muito apego com a fé. Filó é uma mulher que viveu, amadureceu rápido e isso está impresso nela”.

Registro de Dira Paes com Letícia Salles, que faz sua personagem na primeira versão, e com quem a atriz criou uma conexão além do set (Reprodução)

Registro de Dira Paes com Letícia Salles, que faz sua personagem na primeira versão, e com quem a atriz criou uma conexão além do set (Reprodução)

As atrizes também compartilham da paixão pela personagem, que é parte daquele lugar até de forma mística. Uma mulher da terra, que a honra e está ligada à ela de forma absoluta. Dira, que é paraense, diz ter se sentido em casa, sendo filha da Amazônia, e tendo essa conexão poderosa com a natureza. “Além disso, há 30 anos, essa novela foi um acontecimento na dramaturgia brasileira. Nunca um país tinha se desnudado assim. E personagens femininas tinham ficado tão plenas aos nosso olhos, com força, falando de liberdade feminina. Eram personagens que traziam uma nova mulher para a década de 90. E nós, mulheres, entendemos rapidamente isso. A Guta, por exemplo – vivida na primeira versão pela atriz Luciene Adami, e, agora, por Julia Dalavia era um farol de modernidade. A plenitude dela era inquietante, dona do seu desejo e foi importante na minha formação”. E Dira brinca, falando dos atores que estavam na primeira versão e estão nesta, em outros papéis, mas foram ‘musos’ de uma geração: “Sou testemunha ocular dessa novela na década de 1990. Fora o Marquinhos (Marcos Palmeira), o Almir Sater, que foram impactantes para nós na época (risos)”.

“A Filó faz a ponte entre dois opostos de uma mulher, que são complementares: da prostituta à grande mãe” (Divulgação/ Globo)

No remake que estreia dia 28, Filó é mãe de um dos filhos de José Leôncio (Marcos Palmeira), Tadeu (José Loreto). Leôncio e Filó se conheceram em um prostíbulo e a mulher fazia parte do passado do pantaneiro até que descobre que está grávida e vai até a fazenda dele, e é acolhida. Quando a criança nasce, ela pede que o fazendeiro o batize. Assim, Tadeu cresceu na novela chamando o pai de ‘padrinho’. “Filó tem seus mistérios. Mas é como o próprio nome dela diz, se mantém como uma camada de proteção. É uma metáfora que me remete ao que ela é: uma redinha, protege, mas não quer reconhecimento. Ela faz a ponte entre dois opostos de uma mulher, que são complementares: da prostituta à grande mãe. O começo da Filó é neste universo que é muito machista, dos interiores do Brasil”, detalha Dira.

Jussara Freire e Dira Paes: " Filó veio equilibrar esse viés machista do Pantanal" (Reprodução)

Jussara Freire, que foi Filó na primeira versão de ‘Pantanal’ e Dira Paes: ” Filó veio equilibrar esse viés machista do Pantanal” (Reprodução)

“É uma personagem muito complexa. Primeiro, não tem chance, se entrega à prostituição, mas é regatada por um encantamento, pelo José Leôncio. Mas é atravessada pela nova paixão dele, Madeleine (Bruna Linzmeyer/ Karine Teles). Então, mesmo apaixonada, ela dá dois passos para trás, e considera que vai conviver com esse casal. Esse choque de realidade a amadurece ainda mais. Ela me traz um olhar contemporâneo, do amor sem apego. Sem esperar do outro a mesma medida. Isso vai dando uma dignidade para essa mulher, que acaba adquirindo a sabedoria do lugar e sendo uma referência para todos ali”.

E acrescenta, com admiração pela personagem, que tem muitas representantes Brasil afora: “Filó não esquece de onde veio. Tem maturidade, não é impulsiva, juvenil. Agora, como todos esses personagens do Benedito (Ruy Barbosa), tem um revés, um passado. Ainda estou me permitindo descobrir o motivo pelo qual a Filó faz esse mistério tão grande. Não acho que ela mente, acho que ela omite a verdade (risos). E veio para equilibrar esse viés machista do Pantanal”.

Registro da atriz em um pôr do Sol no Pantanal: ´"É ecumênico, espetaculoso" (Reprodução/ Instagram)

Registro da atriz em um pôr do Sol no Pantanal: ´”É ecumênico, espetaculoso” (Reprodução/ Instagram)

A atriz revela que conversou com Jussara Freire sobre a personagem. “Trocamos mensagens, foi ótimo. É bom observar que a Filó tem uma construção do tempo com o Zé Leôncio. Quando entro na novela, são mais de 20 anos entre uma fase e outra. É uma relação amadurecida com a intimidade da convivência. Ele têm intimidade, comunicação e interdependência, e não tem algo mais casal que isso. Quando Leôncio está com ela é como se conseguisse se despir da obrigação de ser forte. É só o homem. Já a Filó, se mantém como a camada de proteção ali. E tem uma auto análise muito madura, é dona de si. Em um primeiro momento, a relação dos dois vai parecer machista, mas depois vem o olhar do que é: ela não precisa ser bajulada por esse homem”.

A natureza como protagonista

Dira também destaca a importância da temática da preservação ambiental, que vai estar presente ao longo de toda a trama. “O nome da novela já traz toda uma consciência do que falaremos, e evidenciando este bioma, falamos da questão. Será um viés muito mais entendido na nova trama. É isso trará para nós também um impacto visual. Começamos a entender de perto do que se trata, como é a questão da água, que é a alma do Pantanal”, observa.

Filó ( Dira Paes ) e José Leôncio ( Marcos Palmeira ): amor companheiro e sem ilusões (Divulgação)

Filó ( Dira Paes ) e José Leôncio ( Marcos Palmeira ): amor companheiro e sem ilusões (Divulgação)

“É preciso que inteligências sejam dedicadas à essa questão do Pantanal, que sofreu com o impacto da exploração e passou por uma crise ambiental terrível. Não tem mais como isso ficar assim. A população está percebendo a questão climática no mundo, vendo como afeta todo o planeta. É urgente a necessidade de pensar o equilíbrio climático. E que essas inteligências sejam voltadas para revertemos um pouco a questão da aceleração climática no Brasil também”.