“Deixei glamour e me desconstruí totalmente”, revela Gretta Star sobre interpretar uma mulher cis em ‘Greta’


A atriz, artista e maquiadora trans está no elenco do novo filme do cearense Armando Praça, ao lado de Marco Nanini, Denise Weinberg e Demick Lopes. Ao Site HT, ela falou sobre o seu papel e preconceitos. “Esse filme já ganhou algumas exibições na Europa, onde eu tenho muitos amigos. Os que assistiram não me reconheceram nesse papel. Hoje em dia é mais comum ver uma trans ou uma drag entrar no audiovisual, porém sempre com aquela personalidade exuberante característica. Senti que fui contra isso, podendo explorar uma nova vertente na minha carreira”, pontua.

*Por Iron Ferreira

Gretta Sttar, que se identificou como mulher trans em meados dos anos 70, vem provando o sucesso do seu talento multifacetado. Maquiadora, artista e atriz, ela construiu uma respeitada reputação na cidade de São Paulo, onde divide o seu tempo entre o salão em que trabalha e as casas noturnas onde ainda conquista o público com suas apresentações e shows. No cinema, já atuou nos curtas “Os Sapatos de Aristeu” (2008) e “Quem Tem Medo de Cris Negão?” (2012), dirigidos pelo cineasta alagoano René Guerra.E foi o amigo quem a apresentou ao diretor e roteirista cearense Armando Praça, que buscava uma atriz trans para o seu projeto, intitulado “Greta”.

A artista está no elenco de ‘GRETA‘, novo filme do diretor e roteirista cearense Armando Praça (Foto: Arlindo Barreto)

O longa, que foi exibido na Mostra Panorama do 69º Festival de Berlim e venceu três categorias no 29º Cine Ceará – Festival Ibero-americano de Cinema, narra a trajetória de Pedro (Marco Nanini), um enfermeiro de 70 anos que precisa liberar uma vaga no hospital em que trabalha para sua amiga Daniela, vivida por Denise Weinberg, com quem Gretta já havia colaborado em “Os Sapatos de Aristeu”. Para salvá-la, ele ajuda Jean (Demick Lopes), um jovem criminoso que está algemado a um leito a escapar e o leva para casa. Essa relação ajuda Pedro a sobreviver à perda de Daniela, mas, também provoca mudanças surpreendentes nele e em sua forma de lidar com a solidão.

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No filme, que chegou aos cinemas brasileiros no dia 10, a artista interpreta Meire, uma mulher cis que é amante de Jean. Em conversa exclusiva com o Site Heloisa Tolipan, Gretta nos contou um pouco sobre o processo de imersão na personagem:.“Eu acreditei na equipe e no diretor. Eu tentei ficar o mais natural possível, parecia que eu estava sendo abençoada. Eu os deixei fazer o que quisessem comigo, só pensava no que seria melhor para o filme. Deixei todo o meu glamour de lado e me desconstruí totalmente. Ainda mais eu, que trabalho na noite e estou sempre muito bem vestida e produzida. Estou ansiosa e super apreensiva para saber a reação das pessoas. Esse filme já ganhou algumas exibições na Europa, onde eu tenho muitos amigos. Os que assistiram não me reconheceram nesse papel. Hoje em dia é mais comum ver uma trans ou uma drag entrar no audiovisual, porém sempre com aquela personalidade exuberante característica. Senti que fui contra isso, podendo explorar uma nova vertente na minha carreira”.

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A atriz ainda falou sobre como a produção é bem sucedida ao estimular a empatia por figuras que costumam ser tão marginalizadas pela sociedade. “Esse filme é muito elegante, acho que ele pode apresentá-las de maneira mais humanizada. As pessoas irão assistir e perceber que é tudo feito com bastante sutileza. Apesar de ser lírico, ele também é violento. Como eu faço parte desse meio, já vi por diversas vezes esses personagens de perto, eles são reais. A história é bem sublime e acredito que irá chocar muitas pessoas”, contou.

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Assista ao trailer:

Com mais de trinta anos de carreira e muitas experiências, ela revelou que o preconceito ainda é a maior barreira no caminho de pessoas trans. Embora tenha tido oportunidade de estudar e nunca tenha sido abandonada pela família, ela afirmou que essa não é a realidade da grande maioria: “Eu fui percebida como diferente desde pequena. Desde que me assumi, apesar de sair de casa para poder descobrir o mundo e me descobrir também, a minha família nunca deixou de me procurar. Eu não vivi a marginalidade, mas convivi com ela. Muitas pessoas trans não têm o apoio familiar necessário, fazendo com que não levem os estudos, o trabalho e o relacionamento amoroso à frente. Sem apoio é muito mais difícil, me machucava vê-las em condições tão precárias”.

Analisando o triste dado divulgado em novembro de 2018 pela ONG Transgender Europe (TGEU), de que o Brasil segue sendo o país que mais mata transexuais no mundo, a atriz nos relatou um episódio de discriminação sofrido em São Paulo, há mais de 20 anos.

“Na época, eu estava na faixa dos 40, e ouvi do síndico do prédio onde morava a seguinte frase: “pessoas como você não podem morar aqui”. Eu senti o preconceito na pele. A minha sorte foi que uma senhora, moradora do prédio, me pegou pelo braço e me defendeu. Ela me levou até a delegacia para que eu fizesse o boletim de ocorrência. Voltei no dia seguinte e me mudei definitivamente”, disse.

Greta contou ao HT sobre como o preconceito ainda é um difícil obstáculo na vida das pessoas trans (Foto: Arlindo Barreto)

Foi, também, aos 40 anos que Gretta descobriu que era soropositiva. Apesar do choque e do medo de morrer, hoje ela sinaliza que a sua saúde é a prioridade. “A minha preocupação, hoje menor, era ficar doente e sozinha. Tenho uma mãe de 89 anos que está bastante idosa e internada em uma casa de repouso. Eu tinha receio de acabar indo para um lugar desses, mas ao perceber como ela vem sendo muito bem tratada, eu já não tenho mais. Embora a questão da solidão exista, eu quero ter um futuro bonito e com saúde. Todos nós iremos ficar idosos. Porém, eu quero estar o melhor possível”, conclui. Arrasa, Gretta!