*Por Vítor Antunes
Com previsão de estreia estimada para o fim da segunda quinzena de setembro, “Chocolate com Pimenta” é uma aposta que visa manter os altos índices conseguidos pela Globo na faixa de “Edições Especiais”, no horário das 14h30. A emissora logrou sucesso com a quinta reexibição de “O Cravo e a Rosa” e resolveu ser conservadora ao escolher outra novela de Walcyr Carrasco para ocupar a faixa. Naquela obra, exibida em 2003, Priscila Fantin viveu a vilã Olga e iniciou a parceria com Carrasco, que se faria presente em outras quatro tramas. Sendo inclusive uma delas, “Sete Pecados”, novela responsável por fazê-la ajudar a reconhecer estar em depressão. A atriz entrou em tratamento, engravidou, estreou uma peça de teatro, fez mais uma novela de Walcyr e, hoje, diz haver tomado as redes da vida nas mãos e preferir ver a si mais madura. Casada com o ator Bruno Lopes, Fantin atribui a ele o trajeto que a levou à trilha do autoconhecimento. “Quando a gente se conheceu eu ainda estava num grande buraco. A partir da chegada dele eu me comprometi a me cuidar e ser melhor comigo mesma, de me encontrar e conseguir ser a minha maior potência”, desabafa.
Finalmente vejo a mim como dona dos meus movimentos, pensamentos e emoções. Olho as personagens da carreira e sinto um grande orgulho de tudo o que consegui e os desafios que venci. Não me bate nostalgia, mas a beleza do reconhecimento da trajetória – Priscila Fantin, atriz e empresária
MATURIDADE E VERSATILIDADE
Pouco antes da pandemia, Priscila e seu marido, o ator Bruno Lopes, estavam em cartaz com a peça “Precisamos falar de amor sem dizer eu te amo”, montagem que nasceu diante de uma ação social que ambos foram prestar na cidade de Maputo, capital de Moçambique.
Depois da estada no país africano, ambos decidiram realizar a montagem no Brasil. Na peça, os atores vivem Bento e Pilar, jovens viúvos que se conhecem virtualmente quando decidem se aventurar em um aplicativo de paquera. O projeto estava a todo vapor quando chegou a pandemia e mudou tudo. Agora, os atores estão querendo voltar a montá-la, sob uma ótica quase de atores de Comedia dell’Arte, que levam toda a peça dentro de um carro e desbravam o Brasil profundo. Os atores preferem ir, justamente, para regiões mais carentes de atividades culturais. E estão batalhando para apresentá-la em novos palcos.
Outra vertente profissional dos atores desenvolvida ainda na pandemia é um podcast que tem o amor como protagonista e cujo título é o mesmo da peça. O que move as entrevistas é a pergunta “O que é o amor?”. No programa, profissionais dos mais diversos segmentos são entrevistados e o objetivo é fazer com que o amor e as suas mais variadas formas sejam falados “sem tabu, para ser referência àqueles que têm limites de comunicação em casa. Nossa ideia é abrir os parâmetros e propor discussões e percepções sobre quaisquer assuntos. Quando perguntamos a quem quer que seja sobre o amor, obteremos respostas diferentes, porque a vivência do amor é única e pessoal”, relata Priscila. O podcast passou pela primeira temporada, com cerca de 20 episódios, e voltará para a segunda com estúdios novos, o que também é um sonho de ambos.
Além do teatro, o casal de atores está investindo na moda, um talento de Bruno que verteu-se como possibilidade econômica. O casal, que tem um estilo todo particular de se vestir, achou interessante investir no segmento de moda genderless, tendo como ponto de partida criações do próprio Bruno, que desenha e escolhe tecidos. Embora ainda esteja se estruturando para funcionar como loja virtual, a Fünf – número cinco, em alemão – vem como mais uma possibilidade dentro de um mundo profundamente ramificado e frutífero do casal, que, não obstante, ainda tem um podcast, cujo nome é o mesmo da peça em cartaz, e possui uma agência de atores.
ONTEM E O AGORA
Quase vinte anos separam a Priscila de “Chocolate com Pimenta” desta mulher de agora, que margeia os 40. A menina que surgiu vivendo Tati, na “Malhação” afirma que nunca havia parado para pensar a passagem do tempo. “Eu não me vejo com esta idade. Eu sei, é claro, que ao ver Olga, a Maria ou Serena, eu vou perceber a passagem do tempo. Mas, hoje eu estou tão bem, tão feliz, inteira, preenchida, que não consigo lamentar, ou querer estar no passado”.
A mãe de Romeo, reconhece ao ver no vídeo o “cheiro da tapadeira do cenário antes de eu entrar em cena”. Uma das Poesias Acústicas que ficaram famosas na Internet diz que ‘o fim traz um novo início, e que o começo se tornou vício’ a uma aquariana. A esta, que reconhece que tudo que é livre é super incrível é a mesma que se aproxima dos 40 dizendo que o melhor lugar do mundo é aqui. E agora.
A DESCOBERTA DA DEPRESSÃO
Quando Priscila Fantin protagonizou “Sete Pecados”, em 2007/2008, a atriz vinha de quase 10 anos de trabalhos ininterruptos e em quase todos fora protagonista. Ou seja, o trabalho era intenso e o mergulho na vivência das personagens, mais profundo que o da própria vida. A anti-heroína Beatriz era a motivadora e centralizadora dos pecados que nomeavam a trama. Além disto, a rotina de gravações era profunda e a vida profissional não se interrompia quando a moça deixava os Estúdios Globo, pelo contrário. “Era grande o volume de trabalho ainda que fora das tramas. E eu sou de uma época em que não havia Instagram, redes sociais e celulares com câmera, de modo que todo o contato se dava através das revistas, das sessões fotográficas, das participações em programas. Então, eu não podia, através do meu telefone, atender à demanda de um fã-clube ou de uma revista. E eram requisições diárias, fotos, entrevistas presenciais, o tempo era outro, assim como a forma em que a gente chegava nas pessoas. Era um processo bem desgastante. O tempo inteiro em que eu estava acordada eu estava em função do trabalho”.
Fantin prossegue dizendo que após este trabalho percebeu que “não tinha mais a minha vida. Não era mais a Priscila quem estava experimentando coisas, comendo o que gostava, ou fazendo o que desse prazer. Eu ia de personagem em personagem, e eu não passei um mês sem estar envolvida com algum papel”.
Não que eu me comportasse como elas, mas as minhas experiências já não eram só minhas, mas das personagens. Então, eu passei a ficar sem muito de mim e isso começou a me trazer problemas, a ficar esquisito, me faltavam emoções. Parecia que eu precisava de um roteiro para poder funcionar – Priscila Fantin
Logo depois do fim da novela das 19h, Fantin estrelou, em companhia de Danton Mello, a peça “Vergonha dos Pés”, montagem baseada no primeiro livro de Fernanda Young (1970-2019). Neste trabalho, Priscila vivia Ana, personagem que também tinha traços depressivos. Ela diz: “Eu não sabia o que era a depressão. Passei a vivenciar aquele universo enquanto personagem e a coisa estava ainda mais sem sentido para mim. Ana foi me fazendo enxergar o caminho que eu estava. Até que houve um momento em que eu tive de parar tudo para fazer exames e fechar um diagnóstico. Eu estava com uma depressão crônica em sua forma aguda e já há algum tempo. De modo que precisei parar tudo para me cuidar”.
Segundo ela, neste momento fora acolhido por sua antiga casa, a Globo, que a amparou oferecendo apoio profissional, inclusive. Ainda durante o processo de tratamento da depressão, Priscila foi convidada pelo diretor Pedro Vasconcelos, com que trabalhara em “Alma Gêmea“, a estar com ele num projeto, desta vez teatral, a montagem de “A Marca do Zorro”, em 2009. A atriz mostrou-se insegura com o retorno, mas topou o desafio. Segundo ela, o resultado foi muito satisfatório: “Foi ótimo, porque ele é super humano. O processo começou com atividades físicas intensas e isso me ajudou na questão química da depressão e me permitiu retomar o trabalho e não apenas ele, mas as rédeas da minha vida”.
Este momento de retomada à própria essência ganha uma nova fase quando da chegada de Romeo, filho da atriz, nascido em 2011: “Ele chegou para me fazer dona de mim. Eu queria, desde novinha, ter filho para poder voltar os olhos para mim. Aos 16 eu, já estava sustentando a minha família inteira, de modo que ter um filho era quase uma forma de ter algo, de fato, sob a minha responsabilidade e me fazer aprender a colocar limites nas coisas”.
Tudo meu sempre foi de todo mundo e isso me esvaziou muito, então aprender a dizer não foi uma dificuldade na minha vida – Priscila Fantin
Priscila começou a carreira de atriz aos 16 anos, quando uma foto sua foi selecionada junto a de outras meninas para compor o elenco da Malhação, temporada de 1999, quando a extinta soap-opera mudou de localização espacial, deixando a academia de ginástica e passando a ser sediada numa escola de Ensino Médio. Ela disse haver tentado recusar o convite a fazer a novela, desistiu e mergulhou na aventura das artes cênicas, ainda que não tivesse isso como objetivo tanto profissional como psicológico:
“Eu não tive nem preparo técnico ou psicológico sobre isso. Não era a menina que ficava no espelho botando roupas, looks e maquiagens ou me imaginando dar entrevista no Faustão, ou ainda imitando personagens de novela. Fui meio que pinçada à carreira. Houve uma certa insistência para eu fazer a Tati [de Malhação] e achei uma loucura por parte do universo colocar isso no meu colo. Só aceitei na quarta tentativa – Priscila Fantin
A artista prossegue dizendo que o fato de gostar de desafios e novidades foi preponderante para se lançar naquilo que se tornaria a sua profissão, embora considere não ter tido tempo de “maturação de pensar o que iria fazer da minha vida. Isso tudo foi meio que foi interrompido por eu aceitar entrar nessa loucura que o universo me propôs e quando eu percebi isso já havia passado 10 anos. Ponderei, recapitulei o caminho, observei que fui aceitando tudo, todas as oportunidades, sem perceber que não tinha nas mãos as rédeas da minha vida”.
Quinze anos depois do ocorrido, Priscila diz que tem “uma visão mais esclarecida” do momento que vivera. Ainda de acordo com suas falas, ela passou a observar com “mais propriedade a própria carreira, ainda que tenha passado por uma fase estranha pessoalmente falando e por coisas que não foram tão felizes na carreira”. Ela esteve com esta energia caótica até a chegada de seu atual companheiro, Bruno. Conta-nos ela que ele foi “o apoio que eu precisava para conseguir trilhar o caminho do autoconhecimento, o que é algo muito difícil e dolorido, mas faz toda a diferença na vida de uma pessoa. Eu começo a me enxergar melhor no momento em que ele me propõe isso, que me permite a isso, quando ele é a primeira pessoa que de fato se preocupou comigo, me auxiliando a voar, a enxergar a vida”.
“CHOCOLATE COM PIMENTA” E “ALMA GÊMEA”: SUCESSOS ARREBATADORES
Terceira novela de Walcyr Carrasco na Globo, “Chocolate com Pimenta” foi um enorme sucesso na época. Quase 20 anos depois ainda tem um lugar cativo no coração dos telespectadores que anseiam por ver o pastelão romântico protagonizado por Murilo Benício, Mariana Ximenes e que tem em Priscila Fantin o terceiro vértice do triângulo amoroso que mova a trama. O encontro Fantin-Carrasco deu-se após a entrada deste como substituto de Benedito Ruy Barbosa na turbulenta “Esperança”. Priscila fala com muito carinho da vilã que vivera: “Olga figura de uma forma mais divertida, é uma vilã leve, meio adolescente, que ocupa mais o lugar do ciúme, da inveja. Aprontava coisas lúdicas, como jogar tinta verde na Ana Francisca (Mariana Ximenes), por chamá-la de Maria Mijona e de Pata Choca. Era meio imatura, ingênua”, adjetiva.
Ainda segundo sua intérprete, a vantagem de a obra ser ambientada nos anos 1920 se mostra diante do fato de ela “a novela, quando ela tem essa roupagem de época, nos tira o peso do dia a dia, nos transporta para aquele universo, tirando-nos do mundo moderno, dos nossos problemas, dos boletos, das preocupações, ou do fato de ter de lidar com a violência, por exemplo. A gente se imagina morando ao lado de uma fábrica de chocolates… E essa aura que encanta muito as pessoas, razão pela qual eu acho que a novela se verte nesse grande sucesso”.
Quando a novela descola a gente da realidade ela é mais querida – Priscila Fantin
O sucesso da novela é tamanho que a atriz relatou haver sido recentemente abordada por um casal de portugueses que lhe disse o quanto ama a novela. De fato, a novela foi lançada em 2004 no mercado estrangeiro e não fez sucesso apenas em solo português, mas também na América Latina, em alguns países lusófonos – como Timor Leste e Moçambique – e no Leste europeu. Aqui no Brasil, a novela teve a sua última exibição no Canal Viva, em 2020, e contou com duas reprises na sessão Vale a Pena Ver de Novo, uma em 2006 e outra em 2012.
Outra novela de relevante sucesso foi “Alma Gêmea” atualmente sendo reprisada pelo Canal Viva, igualmente com sucesso. Segundo conta-nos a atriz, a novela espírita marcou muito não apenas por sua temática, a do amor eterno, mas por conta de os telespectadores verem na sua protagonista, Serena, falas de aconselhamento, “Até hoje as pessoas dizem que esta é uma personagem marcante, pois viam nela um ponto de apoio, diziam-me que as falas da personagem lhes aliviava as dores e gostavam quando ela falava sobre a importância do abraço, de se ter contato com os pássaros, com a natureza… Viam nela uma espécie de guru e essas falas devem-se à genialidade e a espiritualidade do Walcyr Carrasco.
ESPERANÇA: O SUCESSO COMO MOCINHA DAS 21H
Diante do sucesso de Terra Nostra, em 2000, a Globo resolveu investir novamente em uma novela de época, convocando Benedito Ruy Barbosa a escrever outra superprodução para o horário. Assim foi elaborada “Esperança”. Estavam ali todos os ingredientes que compõem o estilo “Beneditino” – Imigrantes, discursos políticos, muitos italianos e uma trama firmemente estruturada em elementos históricos. Inclusive, ao ser vendida para a Itália, a novela passou a chamar-se “Terra Nostra 2 – La Speranza”.
Para Priscila Fantin, uma grande responsabilidade: A de viver a heroína de uma novela de Benedito Ruy Barbosa e formar um triângulo amoroso composto por Reynaldo Gianechini e Ana Paula Arósio. Aliás, a trama que a baiana-mineira estrelaria tinha ainda outros elementos únicos: Era a segunda incursão da Globo em fazer novela de época às 21h. Antes desta, apenas a já citada “Terra Nostra” e “Escalada” (1975) não eram tramas contemporâneas. Embora tivesse três eixos cronológicos, sendo dois deles de época, “O Casarão” (1976), tinha um núcleo no “tempo atual”. Segundo a intérprete de Maria, esta era uma personagem muito distante de si: “Ela vivenciava coisas que eu nunca tinha vivido. Era uma camponesa de 1932, cujo pai era fascista e que não apenas engravida como dá a luz em uma gruta. Trata-se de uma obra que me fez sentir transportada para outro cenário, para uma outra realidade de acordo com esse tipo de vida, de realidade e de sentimentos. Foi um momento muito importante para mim”.
“Esperança”, contudo, teve graves e conturbados bastidores. Atores faleceram durante as gravações, como Luís de Lima (1925-2002), outros se acidentaram – como Ana Paula Arósio que acertou uma barra de ferro acidentalmente no rosto de Gianecchini, que valeu ao ator uma fratura dentária. Todavia, o problema mais grave da novela talvez tenha sido a mudança de autor em razão do adoecimento de Benedito Ruy Barbosa. Com isso, a entrega de capítulos atrasou a ponto de dizerem, anedoticamente, que a novela era gravada ao vivo. Priscila comenta o fato: “A gente estava o tempo todo correndo atrás das gravações. Não havia frente gravada de capítulos para que fossem ao ar”, ou seja, não havia capítulos inéditos para além daquele que era exibido. Em condições tranquilas, chega-se a ter pelo menos 15 capítulos de frente, além daquele que está indo ao ar. Fantin continua dizendo que, numa circunstância chegaram a “Finalizar um capitulo exatamente na noite em que ele fora transmitido”.
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A entrada de Walcyr Carrasco, que assumiu a novela a partir do capítulo 149, ordenou os capítulos, já que ele tem uma produção veloz, porém provocou uma mudança profunda na narrativa do folhetim, o que desagradou Benedito, que estava impossibilitado de escrever. Barbosa chegou, à época, ameaçar agredir Carrasco, conforme relata o livro “A Seguir cenas do Próximo Capítulo”, de André Bernardo e Cíntia Lopes : “Quando eu encontrar com ele [Carrasco], eu vou dar porrada (…). Ele simplesmente acabou com minha novela! (…)”. Depois, ao mesmo livro, Ruy diz que os ânimos se aquiesceram “Walcyr mandou uma carta pedindo desculpas. Coitado! No fim, tudo terminou bem”, disse ele.
Fantin, por sua vez, alega que o clima beligerante não a alcançou: “Não percebi isso acontecer. Na minha percepção, eu acredito que Walcyr conseguiu continuar o que Benedito havia proposto, embora eles tenham uma linguagem própria”, relembra. Mas destaca que, de fato, as gravações eram muitas, “Tantas que eu chegava a sonhar em italiano”. Ainda hoje, tanto tempo após a novela, ela ainda diz receber mensagem de pessoas que a acompanham pelas reprises mundo afora. E considera esta uma de suas personagens mais vitoriosas. Quando perguntamos como era fazer um sucesso às 21h, a atriz traz um dado revelador: “não senti muito esse susto ao fazer “Esperança“. O susto com a fama veio em “Malhação”. No dia seguinte ao meu primeiro capítulo ser veiculado, eu já não podia sair à rua como uma adolescente de 16 anos”. Até o presente momento, “Esperança” foi a única experiência da artista em novelas das 21h. E seu contrato com a Globo foi encerrado em 2016, logo depois de “Eta Mundo Bom”.
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