Protagonista do longa ‘Predestinado’, Danton Mello fala sobre futuro da carreira depois de 37 anos na Globo


O ator está no longa “Predestinado – Arigó e o espírito do Dr. Fritz” interpretando o médium mineiro José Arigó (1922-1971) ao lado de Juliana Paes. O ator falou sobre a atuação e como o projeto tocou em sua sensibilidade enquanto ateu. “Comecei a questionar, inicialmente a mim, e diante do fato de embarcar nessa história. Sempre que vou ler os roteiros, opto por fazer de uma vez só. Contudo, eu tinha crises de choro. Lia 15 páginas e chorava”. O site conversou também com a última auxiliar de José Arigó viva, a escritora Leida Lúcia de Oliveira

*Por Vítor Antunes

Em 1985, Danton Mello tinha 10 anos e fazia a novela “A Gata Comeu”, naquele que era o seu primeiro vínculo com a Globo. Embora tenha tido rápidas passagens pela extinta TV Manchete em 1993 e tenha feito uma novela no SBT, a produção independente “Dona Anja”, em 1996, o ator esteve vinculado à Globo até março deste ano, quando seu contrato foi encerrado. Protagonista do filme “Predestinado”, no qual vive José Arigó (1922-1971), médium brasileiro que tornou-se famoso por realizar as cirurgias espirituais sob a influência do médico alemão Dr. Fritz, o ator falou sobre os novos tempos – e as novas relações – existentes entre os atores e seus empregadores: “Eu deixei a Globo há pouco tempo, logo depois da novela “Um Lugar ao Sol” e, agora, estou entrando em um novo mercado. Estou trabalhando muito e com pessoas novas. Sinto-me muito feliz com essa fase, com esse momento que estou vivendo”. Entre o processo de gravação da novela de Lícia Manzo e o presente, o ator disse haver feito quatro filmes, sendo eles um para o streaming, além de uma série de nove episódios para a TV a cabo.

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Eu acho que é uma revolução o que está acontecendo. E contratado à TV , eu estava vendo essa revolução passar e eu ficar. Claro que sou muito grato ao que eu vivi ali [na Globo], que foi a minha escola e local onde eu aprendi tudo o que sei e onde estava desde “A Gata Comeu” (1985). Mas, eu quero, também, fazer parte dessa nova mídia, dessas novas plataformas, que envolvem o cinema e o streaming” – Danton Mello, ator

Danton Mello em “Um Lugar ao Sol”, seu último trabalho na Globo (Foto: Fábio Rocha/Divulgação TV Globo)

ARIGÓ E A TENTAÇÃO DO ATEU

Danton Mello declarou abertamente o fato de ser ateu. Porém, atuar em um filme que aborda não apenas o espiritismo, mas sobre questões sobrenaturais, tinha um desafio maior ao ator que via-se num dilema, especialmente diante do fato de ter que acreditar naquele universo para poder embarcar na história: “Por ser ateu, comecei a questionar, inicialmente a mim, e diante do fato de embarcar nessa historia. Porém, eu me emocionei muito lendo o roteiro. Sempre que vou ler os roteiros, opto por fazer de uma vez só. Contudo, eu tinha crises de choro. Lia 15 páginas e chorava”. E acrescenta: “De fato, o filme mexia com uma coisa em mim que eu não estava trabalhando há muito tempo. Não tem como fazer um filme desse e sair do mesmo jeito que entrei. Ele mexeu muito comigo. Não me tornei espírita, mas acredito em todas as cirurgias que ele realizou e estou com um pezinho ali [na doutrina espírita].

Danton Mello estabelece uma relação entre ele e José Arigó, no que tange às questões religiosas, especialmente na negação ao sobrenatural: “Arigó teve uma dificuldade em aceitar, desde a infância, o dom da mediunidade, assim como eu passei muitos anos questionando a religiosidade. Então tem um pouco do Danton ali. Eu me identifiquei muito com o personagem. Foi muito lindo fazê-lo. Sem dúvida alguma foi um desafio gigante, mas me entreguei de corpo e alma…. e espírito!”.

Chama a atenção o fato de Danton ter criado um código corporal para sinalizar quando tratava-se de Arigó e quando tratava-se de Arigó manifestando Dr. Fritz. Tanto o ator como o diretor acharam importante estabelecer esse código com o espectador: “São dois personagens. Toda referência que a gente teve de leitura e de pessoas que conviveram com ele é que Arigó era realmente outra pessoa quando ele incorporava o Doutor Fritz, desde o modo de falar, aos gestos. Terminou sendo um trabalho lindo”, analisa.

Danton Mello e Juliana Paes em cena de “Predestinado” (Foto: André Cherri)

Do personagem real, Danton Mello pinçou características importantes que mais chamaram a sua atenção: “Sua bondade e a entrega ao exercício de sua missão. Durante mais de vinte anos, Arigó abriu mão da sua vida pessoal para ajudar e atender os necessitados, era de um coração gigante, não cobrava nada pelas consultas, pois as atribuía a um dom”.

Curiosamente, além de Danton Mello, que é ateu, conversamos com outro ator do longa, Antônio Sabóia, que é agnóstico. Não apenas não tem religião, como não conhecia Arigó. Nascido na França, o artista, que é filho de mãe francesa com pai maranhense, desconhecia a história do médium mineiro. Mas, compôs seu personagem magistralmente: um juiz que se empenha para inocentar o personagem vivido por Danton: “ Não conhecia nada do Arigó. Preferi não me inteirar tanto, não investigar a fundo, para estar nesta mesma surpresa que o personagem chega ao encontrá-lo na história”, relatou ele.

Dentre os ansiosos em ver o projeto finalizado e estreando nas telonas, consta o diretor Gustavo Fernandez. Sua vinculação ao projeto é ainda mais distante e remonta ao ano de 2014, quando fora convidado por produtores americanos, que decidiram transformar em filme o livro de John G. FullerArigó: o cirurgião da faca enferrujada” (republicado agora com o título “Arigó e o Espírito do Dr. Fritz”, pela Editora Pensamento). Ao diretor, a memória do personagem protagonista também era algo distante, de ouvir na infância. E o realizador optou por dar ao médium um tratamento fora do mito.

Danton Mello, Juliana Paes e Gustavo Fernandez. Protagonistas e diretor de “Predestinado” (Foto: Daniel Pinheiro/AgNews)

SITE HELOISA TOLIPAN CONVERSOU COM A ÚNICA ASSISTENTE DE ARIGÓ VIVA

Uma das últimas pessoas vivas a haver tido com contato com José Arigó é a escritora Leida Lúcia Oliveira, de 74 anos. Conta-nos ela que “de todos os que o auxiliaram já desencarnaram. Só eu ainda estou aqui”. Ela diz haver ficado satisfeita com o filme e com o cuidado com o qual retrataram o seu protagonista: “Achei uma produção muito bem feita, assim como as cenas das cirurgias. Os produtores foram muito felizes na abordagem do assunto”, elogia.

Leida conta-nos que Arigó começou seus trabalhos espirituais em 1950 e que ela o ajudara desde muito jovem. Segundo afirmou, Dr. Fritz só autorizou que ela participasse das atividades depois de ela haver completado 10 anos e ela o acompanhou até os 22 anos, quando ele faleceu, em um acidente de carro. De acordo com suas falas, em Congonhas, Minas Gerais, não havia centro espírita, de modo que o médium aconselhava-se com o seu pai, a quem tinha como melhor amigo “Arigó iniciou o seu desenvolvimento na doutrina na casa espírita do meu pai. Ia todas as noites para minha casa. Antes de começar a desenvolver esse trabalho eu ia todos os dias à casa dele levar marmita ao meu pai, inclusive. Desde criança, eu tinha interesse em desenvolver um trabalho junto ao médium por achar lindas e emocionantes as cirurgias e as curas. Perguntei ao Dr. Fritz se eu poderia ficar ajudando-o e ele disse que apenas quando eu completasse 10 anos. No dia que eu completei essa idade, ele me deixou começar a ajudar fazendo a triagem das cartas – muitas – que ele recebia. Eu as abria todas, fazia uma relação enorme com nome e endereço das pessoas e mandava-lhes as receitas com a medicação datilografada. Arigó e meu pai abriram um Centro Espírita chamado Jesus Nazareno, em Congonhas (MG)”, relata.

As informações disponíveis sobre Dr. Fritz foram descritas por Leida Lúcia de Oliveira em um de seus livros, o “Cirurgias Espirituais de Zé Arigó”. Segundo aponta a autora, com quem conseguimos uma entrevista, “Adolf Fritz nasceu em Munique, Alemanha, e era filho de camponeses, que depois migraram para a Polônia em busca de um clima melhor, já que seu pai era asmático. Ingressou muito cedo no trabalho para ajudar a família, não deixando jamais de lado um obstinado desejo de ser médico. Ficou preso por algum tempo e, dessa prisão, conseguiu fugir para a Estônia, onde viveu de 1914 a 1918, durante a Primeira Guerra Mundial, quando desencarnou”.

Leida Lúcia de Oliveira talvez seja a única assistente de Arigó viva (Foto: Divulgação/AME Editora)

Uma das cirurgias espirituais que Leida presenciara, ainda criança, dizia respeito  a um procedimento de retirada de um câncer de estômago de um cidadão. Conta-nos ela que vira Arigó o fazer usando como instrumento uma faca de pão, que havia sido recentemente usada para o fim a qual foi destinada, “Havíamos acabado de usar a faca, que ainda estava com farelos do pão recém cortado e Arigó usou-a para abrir o abdome de um rapaz e tirar-lhe o tumor”. A brutalidade da cena não a assustou naquele momento, pelo contrário. Sua mãe pediu que ela deixasse a cozinha de sua casa, àquela altura transformada em “centro cirúrgico”, e Dr. Fritz pediu que ela ficasse, por já haver sido preparada pelo plano espiritual. E para isso lançou mão do nome carinhoso o qual tratava as crianças, “pitucha (o)”:

Pode deixar a menina. A minha ‘pitucha’ já foi preparada para isso , disse José Arigó, pelo espírito de Dr. Fritz – Leida Lúcia de Oliveira, escritora e colaboradora de José Arigó 

Ainda segundo ela, o filme tem fundamental importância pois traz de volta o nome de Arigó, que, em sua opinião vinha sendo esquecido, “inclusive dentro do movimento espírita, onde ninguém falava mais do nome dele. Eu sabia o que era aquele trabalho, eu presenciei tudo,  sabia não haver falcatrua e que era tudo verdadeiro, de modo que eu ficava muito triste por ver que ele não era mais falado mesmo nos congressos e palestras espíritas”.

Havia espiritas que o criticavam dizendo que espíritos de luz não precisavam cortar para curar. Quando na verdade sabemos que não é bem assim. Era uma forma de fazer chamar a atenção do mundo. Com água fluidificada e passe não se conseguiria chamar a atenção do mundo inteiro, de cientistas inclusive da NASA – Leida Lúcia de Oliveira

Leida prossegue dizendo que tanto a desconfiança como o apagamento da história de Arigó motivaram-na a escrever o primeiro livro sobre o médium, chamado “Arigó, o 13º profeta”.  Depois deste, escrevera outro, chamado “As cirurgias espirituais de José Arigó”, que já está por volta da quinta edição. Aliás, por ser porta-voz e memória ocular do médium, Leida já esteve em Cingapura, Austrália e Dubai a fim de palestrar sobre o mineiro. Conta-nos ela que seu último livro está em vias de ganhar uma tradução para o inglês.

E encerra a entrevista dizendo-se grata por haver feito parte deste trabalho, de forma ativa e descreve como algo sublime a sua vida ao lado de Arigó “Tudo o que ele falou, ele acertou. Foi uma bênção na minha vida e tenho muita gratidão a Deus por isso”.

Facas enferrujadas e/ou sujas de pão que se vertem em milagres. Instrumentos pouco tradicionais. Um espírito que se apresenta como médico e assim atua e prescreve medicamentos alopáticos. Talvez duas pessoas sejam capazes de traduzir o intraduzível. Uma delas, a personagem de uma novela na qual Danton Mello, trabalhou. Em “Tieta”, ao flagrar-se diante de algo que não tinha explicação, Dona Milu (Miriam Pires) dizia ser um “Mistéeeerio”. Outra seria William Shakespeare, que no monólogo de Hamlet destacou haver “Mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”.