*por Vítor Antunes
Uma minissérie conturbada e com audiência irregular, “Aquarela do Brasil” estará de volta amanhã, dia 2, no Globoplay. Em entrevista exclusiva, o autor e escritor Lauro César Muniz relembra os bastidores da trama – que hoje seria vista como uma mini novela, em razão dos seus 60 capítulos – e de seu retorno ao streaming. “Aquarela” foi o último trabalho de Lauro na Globo na sua segunda passagem pela casa. Em 1979, ele foi demitido estando com uma novela no ar, “Os Gigantes“, e só voltaria em 1983 para conduzir a reta final de “Sol de Verão“, depois da morte de Jardel Filho. Lauro ficou na Globo até 2000, e saiu justamente em razão das turbulências de “Aquarela do Brasil“. “Eu não fui muito feliz com o Jayme [Monjardim, diretor], nesta série. Hoje passou isso, essa tristeza e esse incômodo. Eu não tive o apoio de quem eu esperava, o Daniel Filho já estava saindo da Globo, assim como o Boni. Daí, acabei resolvendo ir para a Record, quando houve também um ganho de salário para eu deixar a Globo. Na Record, eu acabei fazendo três novelas – Cidadão Brasileiro, Poder Paralelo e Máscaras. Hoje, Lauro não quer voltar a trabalhar com novelas. “Eu sou, realmente, um belo vagabundo”, ressalta, bem-humorado.
Daniel Filho e Boni fizeram muita falta quando deixaram a Globo e isso eu percebo hoje, essa diferença é enorme. Tud mudou muito sem eles dois – Lauro César Muniz
Lauro César também revisita sua carreira, especialmente em trabalhos como “Os Gigantes” (1979), que ele considera o pior momento não só da sua carreira, mas da sua vida; “Espelho Mágico“, trama metalinguística cuja novela que havia dentro da novela era mais interessante para o público que a trama original; e “Máscaras“, última novela do autor na Record, também marcada por seu insucesso. Atualmente, Lauro diz ver pouco novelas e televisão, mas destaca uma trama atual, “Renascer”, de Benedito Ruy Barbosa, e que foi adaptada por seu neto, Bruno Luperi. Além disso, ele ressalta sua amizade e gratidão com o autor. “Eu sou um fã do Benedito. Ele tem fundamental importância na minha carreira e me convenceu a fazer novela. Devo a ele a minha vida profissional”.
AQUARELA DO BRASIL
“Aquarela do Brasil” conta a história de Isa Galvão, vivida por Maria Fernanda Cândido, e seu sonho em transformar-se cantora do rádio. Além disso, a história de amor entre ela e os personagens Hélio (Edson Celulari) e Mário (Thiago Lacerda). “Essa série inicialmente era uma novela das seis, mas eu refleti um pouco, por conta de não poder fazer algo mais profundo, mais arrojado nesse horário, já que às 18h, é difícil abordar alguns temas. Me atraía muito falar sobre a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, não as histórias que eu conheci quando era criança, em histórias contadas pelo meu pai que me dava todas as informações sobre o dia a dia da Guerra, né? E e eu também tive muita vontade de escrever sobre isso. Mas é só dar uma novela das seis não aí eu pensei em fazer a minissérie isso não me disseram era um trabalho que me atraía”, contextualiza.
Mas ele diz que os bastidores da série não foram exatamente amenos. “O tema é muito bom, mas como o Jayme passou muitos anos fora do Brasil, as coisas daqui pareciam não fazer muito sentido para ele. O nosso casamento não deu certo naquele momento, infelizmente. Hoje nos damos bem, conversamos, mas na época ele tinha dificuldade para dirigir as cenas e passava para os diretores assistentes. O público não percebeu, especialmente, o meu sofrimento, porém o resultado foi bom. Agora vou rever com outros olhos”, diz Lauro. A audiência de “Aquarela do Brasil” foi mediana e a repercussão idem. Por diversas vezes, a trama precisou dividir horário com as Olimpíadas de Sydney, em 2000, que fazia a trama oscilar de horário.
“MÁSCARAS” E UM PROBLEMA “GIGANTE”
Trabalhando quase que ininterruptamente desde o fim dos anos 1960, Lauro César Muniz fez praticamente uma novela por ano. Ao fim de “Máscaras”, seu último trabalho, exibido pela Record, ele decidiu diminuir o ritmo de produções, escrevendo apenas para teatro. Hoje, vive o seu merecido descanso. “Cheguei a me aposentar em 2014, depois de deixar a Record, e decidi escrever apenas para teatro. Naquela ocasião, eu estava com 76 anos. Hoje, 10 anos depois, acho que posso me dedicar a ser um vagabundo mesmo, sem hora para nada, bem como sem obrigação. Vivo à base da renda que guardei e que meu contador me destina mensalmente, além do licenciamento das novelas que são vendidas para o exterior e pelas quais recebo uma grana boa e que dá para eu pagar as contas”.
O último trabalho de Lauro da Record, realmente não foi bem-sucedido. Pelo contrário. A repercussão foi baixa, a audiência também, e até mesmo alguns atores foram a público reclamar, como Luiza Tomé – que queixou-se da trama não apenas na época de sua exibição, conforme citamos nesta matéria, mas também recentemente em abril, para o Site Heloisa Tolipan. “O insucesso de “Máscaras” foi responsabilidade minha. Inclusive não tive nenhuma restrição da casa em relação às temáticas”. Porém, comparando entre tramas problemáticas, Lauro César diz que “Os Gigantes” foi a pior de todas e em todos os sentidos. O grande insucesso de “Máscaras” foi ruim para a Record, que não tem o mesmo poder de fogo que a Globo. Mas “Os Gigantes“, não. Era um fracasso retumbante, na Globo, e com um elenco estelar.
Sobre “Os Gigantes“, ele diz: “O erro foi meu mesmo, fui eu. Entrei em choque com elenco e principalmente com a direção. A Dina Sfat (1938-1989) foi muito cruel comigo e chegou a pisotear um capítulo meu na frente da imprensa. Muito embora ela já estivesse vivendo um momento muito difícil que era o da sua doença [Dina morreu de câncer, em 1989], além de questões pessoais”. Lauro diz, inclusive, que o nome da novela não foi escolhido por ele, mas por Borjalo (1925-2004), cartunista e um dos diretores da Globo. E Lauro prossegue dizendo que seu erro primeiro foi haver começado a novela “de uma forma muito mórbida. O personagem irmão de Paloma (Dina Sfat), Fred (Roberto de Cleto [1931-2002]) estava morrendo e pedia à irmã para cometer a eutanásia. A novela não agradou logo de saída e depois eu tentei consertar, mas me vi perdido mesmo. Fora isso, eu criticava a Nestlé que era uma das apoiadoras da Globo”.
Eu sofri a pressão sozinho. Da Nestlé, da Globo e do público ao mesmo tempo. Foi o pior momento da minha vida em termos profissionais – Lauro César Muniz
Neste 2024, “Os Gigantes” voltou ao ar no Globoplay, no Projeto Fragmentos. A novela não foi preservada. Apenas três capítulos foram mantidos: O primeiro, o penúltimo e o último. Em razão de seu insucesso nunca foi reprisada e seus capítulos do meio tiveram os videotapes reaproveitados pela Globo ou foram perdidos, conforma a própria Globoplay/Globo afirma no que diz respeito às novelas do Projeto Fragmentos posteriores a 1976. As anteriores a esta data, muitas delas foram perdidas no incêndio que a emissora sofreu naquele ano.
O fracasso de “Os Gigantes” foi tão grande que valeu a demissão de Lauro da Globo, conforme citamos, e até mesmo a de um autor que nada tinha com a trama, Benedito Ruy Barbosa, que foi demitido por fidelidade ao amigo. Lauro conta: “A Globo pediu para que ele escrevesse o final de “Os Gigantes” e ele se negou. Outros colegas fizeram o final da novela e foi, realmente, muito triste ver isso. Benedito é um grande caráter, um homem grande”.
Em 1977, a TV Globo exibiu uma de suas mais audaciosas produções: Espelho Mágico, uma novela escrita por Lauro César Muniz que ousava transcender as convenções narrativas tradicionais. A obra propôs uma metalinguagem inovadora ao retratar os bastidores da televisão, explorando a própria construção de telenovelas dentro de sua narrativa. A complexidade dessa abordagem, entretanto, encontrou resistência por parte do público, resultando em uma audiência abaixo do esperado, apesar de um acolhimento crítico positivo e do irrestrito suporte da emissora.
“Espelho Mágico era uma novela muito forte, mas, ao mesmo tempo, muito cansativa para o público popular. Eu achava ótimo falar sobre a televisão, sobre a telenovela dentro da novela. A audiência caiu um pouco, talvez por ser difícil para o público entender essa metalinguagem. De qualquer forma, tive total apoio da Globo. A emissora sustentou a novela, mesmo com a audiência baixa. A crítica acolheu bem a obra, e a direção da emissora também, apesar das dificuldades que enfrentei. Muita gente tinha dificuldade de entender essa metalinguagem e acabava preferindo “Coquetel de Amor“, a novela dentro da novela, porque era mais simples”.
Lauro até contemporizou o fato de Janete Clair (1925-1983) ter se zangado com ele por, supostamente, ter se inspirado em uma novela dela para criar “Coquetel de Amor“. “A imprensa tentou criar uma fofoca entre nós, mas não conseguiu. Janete era uma pessoa excepcionalmente boa, uma companheira que me ajudou muito. Tenho saudades dela e de Dias Gomes, que também me ajudou bastante.”
A trajetória de Lauro César Muniz reflete a essência da própria arte televisiva: uma dança constante entre sucesso e fracasso, inovação e tradição, aplausos e silêncios. Suas obras, marcadas por ousadia e profundidade, desenharam com cores intensas as nuances da dramaturgia brasileira, deixando um legado que transcende números de audiência e críticas momentâneas. Hoje, envolto na tranquilidade que escolheu para si, Lauro contempla o vasto painel de sua criação com a serenidade de quem compreende que, assim como nas mais belas aquarelas – do Brasil – são as contrastantes pinceladas de luz e sombra que conferem vida e eternidade à arte.
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