*Com Thaissa Barzellai
Pense em Miguel Falabella e em seus múltiplos talentos e sem se fixar apenas em suas performances magistrais em humorísticos como “Sai de Baixo” e “Pé na Cova”. A mente do espectador precisa estar livre das imagens que ficaram na memória afetiva para mergulhar no universo criado por Falabella no longa-metragem “Veneza”, cuja primeira exibição nacional foi realizada na 47ª edição do Festival de Cinema de Gramado e foi premiado com dois Kikitos (Melhor Atriz Coadjuvante: Carol Castro e Direção de Arte: Tulé Peake). “É um Falabella que as pessoas não conhecem muito e foi muito difícil realizar esse filme, porque as pessoas têm uma tendência em nos colocar em prateleiras e sair de uma é muito difícil”, comenta o diretor.
Com nomes como Dira Paes, Carol Castro, Danielle Winits, Eduardo Moscovis, e a musa do cineasta Pedro Almodóvar, a espanhola Carmen Maura, entre tantos outros talentos, Miguel leva para as telonas a jornada de Gringa (Carmen Maura), uma cafetina que, cega e doente, tem o sonho de reencontrar um amor do passado que ela nunca se perdoou por ter deixado-o escapar para Veneza. Envolvido por uma atmosfera poética, lúdica e circense, o afeto ganha vida na relação da dona de bordel com as suas pupilas, que a enxergam praticamente como uma mãe, e na tentativa de realização desse sonho. Para realizar o desejo da cafetina, as prostitutas se unem a uma trupe circense e idealizam um plano que atravessa a realidade para levá-la ao encontro do grande amor.
Apaixonado por essa história, o roteirista e diretor não pensou duas vezes na hora de mergulhar nessa odisseia ao amor baseada no argumento teatral do professor argentino Jorge Acamme. O que ele não esperava é que a indústria cinematográfica talvez não abrisse as portas tão facilmente para essa viagem. “Bati de porta em porta para conseguir rodar o filme”, conta Falabella que aceitou fazer o longa-metragem do “Sai de Baixo” (Cris D’Amato) em paralelo à captação financeira. Em entrevista exclusiva ao Site HT, o ator e diretor conversou sobre o filme, sobre o processo de levar o filme às telonas e novos projetos.
HELOISA TOLIPAN: Nos primeiros momentos de Veneza, o espectador já se depara com um mundo extremamente mágico. Nesse filme, você realmente cria uma poesia própria. Como foi unir poesia a uma narrativa do cinema e o que você espera que a presença dela perpetue no espectador?
MIGUEL FALABELLA: A poesia sempre esteve ligada ao meu trabalho. Na TV, eu só consegui começar a trilhar esse caminho em “Pé na Cova”, que se você olhar é extremamente poético e tem uma narrativa nova. O problema é que as pessoas têm uma tendência a nos colocar em uma prateleira e não permitir que saiamos dela. Para eu rodar “Veneza” foi muito complicado, muito difícil. Por isso sinto uma emoção de missão cumprida. Eu só posso esperar que as pessoas se emocionem e vejam que o filme, na verdade, é sobre a persistência dos sonhos e da possibilidade de se atravessar um pesadelo através de uma viagem que você mesma é capaz de criar.
HT: Você levou 10 anos para realizar o projeto. Como o processo de persistência criativa o transformou enquanto artista, diretor e ator?
MF: Eu acho que me fortaleceu. Aquilo que não nos mata, nos fortalece. Eu espero que me ajude a abrir portas para eu rodar outros filmes e que não necessariamente sejam comédias – comédias populares, que eu também adoro e não tenho nada contra.
HT: Em todos esses anos, o público pôde dar uma espiadinha nesse seu lado mais poético de uma outra forma. No “VideoShow“, você sempre recitava um poema. Recentemente, você tem usado as redes sociais para compartilhar os seus textos favoritos no que chama de “Bom dia com Poesia”. Você tem uma ligação muito forte com esse tipo de texto e sentimentos que trazem reflexão, principalmente o amor. Então o que significa o amor?
MF: O amor é vida. Amor é a nossa emoção mais forte, mais primária, mais visceral. Sem amor, nada acontece. O único problema do amor é que, às vezes, ele trilha caminhos tortuosos, como é o caso da Gringa (papel de Carmen Moura) no meu filme, porque ela ama aquele homem e ela vai descobrir isso apenas anos depois. Ela rouba dele, ela vira as costas para o amor e passa o resto da vida se arrependendo disso.
HT: Esse filme foi uma forma de você valorizar a cultura latino-americana e abrir portas para uma relação mais estreitas entre o Cinema Brasileiro e os nossos vizinhos. Você classificou, durante uma coletiva de imprensa no Festival de Cinema de Gramado, que o filme é uma grande de latinidade, principalmente pela mistura de nacionalidade no elenco que traz atrizes brasileiras, uruguaias, espanholas. Por que você quis levar o filme por esse caminho e qual a importância de fazer em tempos tão marcados pela xenofobia e intolerância?
MF: A América Latina até hoje vive sob o jugo dos invasores, colonizadores e isso é muito brutal com a nossa cultura. Por isso, eu quis fazer um filme que mostrasse o sonho comum, que deixasse claro que não somos “hermanados” apenas por desgraças. Também somos “hermanadas” por sonhos.
HT: Durante a sua passagem por Gramado, você disse que “gosta de inventar moda”. O filme “Veneza” é uma novidade para quem lhe acompanha e a trajetória que a sua carreira construiu, principalmente na comédia. Quais são os próximos planos então? O que você pode adiantar para os nossos leitores?
MF: Eu vou lançar um romance cujo nome é “Sagrado Coração”. Vai ser uma obra que vai falar sobre a história da minha família desde a Basilicata até o momento que eu cheguei. Foi realmente um resgate de todo o meu DNA e passado.
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