Mangueira é campeã apesar das próprias mazelas


Leandro Vieira, inteligentemente, conclamou a comunidade mangueirense. Houve comparecimento em massa. Também houve ausência da representatividade enaltecida nos carros alegóricos da escola. Os pais de Marielle, reverenciada, não foram convidados. Só a viúva da vereadora assassinada

A vitória da Mangueira aponta que nos desfiles das escolas de samba não cabe mais lugar para a construção de narrativas que não se pautem pelo presente. Leandro Vieira mandou o recado. O júri compreendeu, assim como o fez, ano passado, ao consagrar a Beija-Flor e a Paraíso do Tuiuti, campeã e vice-campeã, respectivamente. Há um clamor da sociedade civil por apresentações com as quais se identifique. É uma necessidade. A plástica sucumbe diante do conteúdo da mensagem. Genial, Joãosinho Trinta sabia reunir os dois ingredientes, levando emoção e reflexão para o Sambódromo. “Histórias para ninar gente grande”, o enredo da Mangueira deste 2019, ganha prêmios, o público e a opinião pública tal qual a escola de Nilópolis, há exatos trinta anos com “Ratos e urubus, larguem a minha fantasia”. São propostas exaltadas pela fortíssima criticidade, que atendem a uma demanda sociopolítica da coletividade brasileira.

O Brasil mudou e as agremiações carnavalescas precisam acompanhar a evolução de um país que se apresenta em um processo de reorganização democrática. A Mangueira vem fazendo o dever de casa, embora alguns dizem que receba críticas porque não apresenta nos bastidores o que denuncia na Avenida. O presidente da escola, Chiquinho da Mangueira, encontra-se em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica, desde 14 de janeiro. Ainda assim, nada apaga o brilho da Mangueira e de sua performance gloriosa na última segunda-feira.

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O Carnaval carioca passa por uma das mais graves crises institucionais desde a criação da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), em 1984. Vem perdendo credibilidade junto a patrocinadores e às instâncias estatais. O prefeito Marcelo Crivella declarou publicamente, semana passada, que não pretende apoiar a festa em 2020. No fim de 2018, ele já havia culpabilizado os dirigentes das escolas pela saída da Uber no apoio aos desfiles. “Eu busquei patrocínio e as escolas perderam, por razões de gestão, falta de transparência e prisão de seus líderes”, disse em alusão ao encarceramento do presidente da Mangueira. Crivella se tornou o inimigo número 1 dos sambistas e dirigentes das agremiações carnavalescas, incluindo os blocos. A própria Mangueira, aliás, tratou de detratá-lo na passarela do samba ano passado.

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As contradições que perpassam a maior festa do planeta não são debatidas pelos veículos de comunicação. A mais poderosa emissora do país, por exemplo, é a exibidora exclusiva dos desfiles, pagando vultuosas quantias pelos direitos de transmissão. O Carnaval do Rio de Janeiro sofre com dilemas que os carnavalescos tentam atenuar, resistindo às intempéries. Todos buscam exorcizar na arte apresentada na avenida os demônios que também enfrentam nos barracões e junto às  direções das escolas. Leandro Vieira, inteligentemente, conclamou a comunidade mangueirense. Houve comparecimento em massa. Também houve ausência da representatividade enaltecida nos carros alegóricos da escola. Os pais de Marielle, reverenciada, não foram convidados. Só a viúva da vereadora assassinada. Mas a Mangueira consagrou-se campeã. Há pouco, o carnavalesco dedicou a vitória ao povo do morro, em uma entrevista na TV, sem mencionar o nome do presidente. Corre o boato de que deixará a escola de Cartola. Se partir, poderá fazê-lo de cabeça erguida. Em quatro anos de Mangueira, dois títulos. Cumpriu bem a sua missão. Gritou as mazelas do Brasil e fez-se compreender. Leandro mostra ser tão forte quanto o próprio jequitibá do samba.

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