As metas nacionais disponíveis de todos os 191 países integrantes do Acordo de Paris revelam um aumento de cerca de 16% nas emissões globais de gases de efeito estufa até 2030, em comparação com 2010. O dado representa um aumento de 2,7ºC na temperatura do planeta até o fim do século, bem acima da meta de 1,5ºC. Portanto, as nações devem redobrar urgentemente seus esforços climáticos se quiserem evitar esse desastre no aumento da temperatura global. O objetivo principal da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP26) foi induzir líderes mundiais a firmarem compromissos efetivos para reduzir as emissões que causam o aquecimento do planeta.Caso contrário, o aquecimento será irreversível, com direito a elevação dos oceanos (resultante do derretimento das calotas polares) e perdas agrícolas, entre outras tragédias. Foi pensando nessa urgência que o SENAI CETIQT promoveu o webinar “A Bioeconomia e a Descarbonização”, o primeiro evento online realizado pelo Portal de Bioeconomia, lançado em novembro do ano passado. Segundo o diretor-executivo da instituição, Sergio Motta, o objetivo do Portal é “disseminar o conhecimento e reunir grupos científico-tecnológicas altamente qualificados para desenvolver novos mercados. Queremos conectar, facilitar o intercâmbio de ideias, fomentar negócios e parcerias entre os diversos atores do cenário tecnológico”.
A coordenadora da Plataforma de Inteligência Competitiva do Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e Fibras, Victoria Santos, ressalta a importância do Portal: “Tem como objetivo dinamizar o ecossistema de Inovação e Bioeconomia com discussões sobre assuntos de amplo interesse no país, promovendo conexão e diálogo, além de evidenciar oportunidades e desafios para os negócios”. O SENAI CETIQT oferece à indústria e ao mercado um leque de serviços transversais nas áreas de Educação Profissional, Tecnologia e Inovação que o consagraram como um dos maiores centros latino-americanos de produção de conhecimento aplicado à cadeia produtiva da indústria química e têxtil. Para fomentar a tecnologia e a inovação, o SENAI CETIQT tem realizado uma série de iniciativas por meio do seu Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e Fibras no contexto do Portal de Bioeconomia (plataforma digital de abrangência nacional desenvolvida com o intuito de dar visibilidade e conectar os diferentes atores sobre o tema no país).
O webinar, realizado em parceria com a ABBI (Associação Brasileira de Bioinovação, representante de empresas que investem em tecnologias de base biológica e renovável) foi dividido em duas etapas: a primeira com apresentação por Victoria Santos, que também coordenou o evento, e uma descrição do Portal por Leonardo Teixeira, consultor da coordenação de Inteligência Competitiva do SENAI CETIQT. A segunda parte tratou de tecnologias promissoras para o futuro nacional da Bioinovação e seus papéis na descarbonização.
“Vale a pena situar o Brasil em relação à Bioeconomia. O país concentra cerca de 20% da biodiversidade do planeta. Temos cadeias agroindustriais e florestais bem estabelecidas. Mas, temos, também, um potencial muito elevado de outras fontes vegetais, por exemplo, que podem trazer produtos de valor agregado e de forma sustentável contribuindo para gerar riqueza para o país”, observa Leonardo Teixeira, acrescentando que as bioinovações podem trazer até 392 bilhões de dólares de receita para o país até 2050, pensando num cenário de emissões well-below dois graus centígrados até 2100. Temos um potencial enorme para a Bioeconomia no país. O Portal entra para ajudar a promover o assunto no país, com o intuito de ser um ponto de encontro, um local de disseminação de conhecimento, divulgação e identificação de oportunidades pelos diferentes atores que compõem o ecossistema de inovação da economia no Brasil. Estamos falando de comunidades tradicionais, cooperativas, startups, entidades governamentais, grupos de pesquisa, associações etc.
A home page é atualizada constantemente com as oportunidades em Bioeconomia como novos fomentos; novas oportunidades de parcerias; novos serviços disponibilizados pelos membros; publicações, artigos e relatórios nacionais e internacionais; desenvolvimentos em relação aos diferentes biomas brasileiros, potencialidade que ainda será mais explorada. Qualquer pessoa pode se inscrever gratuitamente e, ao se tornar membro, acessar todas as informações e divulgar as oportunidades que oferece.
“Queremos criar uma comunidade cada vez mais agregada, que interaja intensamente e promova a Bioeconomia. Já temos um ambiente bastante colaborativo. A programação até junho inclui temas como o papel das comunidades tradicionais em projetos sustentáveis, biodiversidade da Amazônia, de que forma a economia pode ajudar na preservação da biodiversidade”, revela Teixeira, aproveitando para dar um spoiler do que vem por aí:
A programação prevista já até junho vai abordar temas como o papel da bioeconomia na ajuda à preservação da biodiversidade, o das comunidades tradicionais em projetos sustentáveis, a biodiversidade da Amazônia. Vamos ter, também, um café internacional no qual serão reunidos atores europeus e brasileiros para conversar e trocar experiências, além de discussões sobre biodiversidade da Mata Atlântica, Valorizações de Carbono e Hidrogênio, Biodiversidade do Pantanal entre outros.
Tecnologias Promissoras para o Futuro Nacional da Bioinovação e seus Papéis na Descarbonização
“O mundo caminha na transição para uma economia de baixo carbono e o Brasil tem características geográficas e climáticas que permitem assumir o papel de maior produtor de créditos de carbono do mundo. O país tem vocação e a hora é agora”, frisou Thiago Falda, presidente-executivo da ABBI, que representa empresas e instituições de diversos setores da economia que investem em tecnologias inovadoras, baseadas em recursos biológicos e renováveis para criar produtos, processos ou modelos de negócios gerando benefícios sociais e ambientais coletivos. Trabalha para promover um ambiente institucional favorável à bioinovação, que permita converter nossas vantagens comparativas em vantagens competitivas, impulsionando o desenvolvimento econômico sustentável da bioeconomia avançada no Brasil.
A segunda parte do webinar, “Tecnologias Promissoras para o Futuro Nacional da Bioinovação e seus Papéis na Descarbonização” teve mediação de Paulo Coutinho, gerente do Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos e Fibras (ISI), e contou com as participações de Alexandre Cabral, diretor de Políticas do Good Food Institute (GFI), Letícia Kawanami, gerente de Sustentabilidade da Suzano Papel e Celulose, Marianne Zanon Zotin, pesquisadora do Laboratório Cenergia da COPPE-UFRJ, Mateus Schreiner Garcez Lopes, diretor de Transição Energética e Investimentos da Raízen, e e Thiago Falda, presidente-executivo da ABBI. Os participantes debateram o potencial da Bioeconomia para fomentar a transição para uma economia de baixo carbono, além de apresentar as atualizações realizadas no Portal de Bioeconomia.
“O Brasil precisa fazer valer suas vantagens competitivas potenciais na área de bioeconomia. Para dar andamento e viabilizar este potencial, temos que começar a gerar informação relevante e criar uma coordenação central capaz de orientar os esforços”, pontua Coutinho, que também tratou das técnicas disponíveis para promovermos a descarbonização e da urgência que temos em implementá-la. “Temos atalhos competitivos enormes que devem ser aproveitados. Falando de biomanufatura para intensificação da agricultura em si, não podemos deixar de falar de proteínas alternativas; de produtos e soluções para o confinamento do gado visando a redução de emissão de metano; de biogás e etanol de segunda geração; e de toda a parte de transformação de resíduos. Temos que falar de reduzir a emissão e fazer a transformação associada a captura e conversão de CO2; e da captura e a conversão do CO2 direta”, afirma.
O primeiro a falar foi Mateus Schreiner Garcez Lopes, diretor de Transição Energética e Investimentos da Raízen, empresa integrada referência global em bioenergia e com amplo portfólio de produtos renováveis. É o maior player integrado e verticalizado do mundo, em país de tamanho continental e o nome vem da união das palavras “raiz“ e “energia”), que deu uma visão geral da empresa: “A Raízen está integrada ao mundo agro com os parques de energia – ao todo 130 espalhados por São Paulo e outros estados brasileiros – com 100 milhões de capacidade de processamento de biomassa; cogeração (é o primeiro player de etanol e de açúcar do mundo). Mas essa empresa também está conectada ao mundo B to C (Business to Consumer, modelo de negócio em que as empresas se relacionam diretamente com o consumidor final de seus produtos e serviços). Estamos falando também do segundo distribuidor de combustível do Brasil, de mais de sete mil postos Shell espalhado por Brasil e Argentina e das lojas Oxxo, também entrando no B to C”.
No entanto, isso é o que a empresa já faz. E os planos para o futuro? Nos últimos dez anos, eles triplicaram de tamanho. Agora planejam repetir o feito até 2030. Como? “Apostamos no etanol de segunda geração, em outras aplicações da lignina de bagaço de cana e em olhar para tecnologias disruptivas que reduzam ainda mais nosso custo de produção. Estamos olhando para combustíveis pesados, tanto Alcohol to Jet, tecnologia que converte álcool em SAF (Sustainable Aviation Fuels; Combustíveis Sustentáveis para Aviação, em português), como para a cadeia de óleos vegetais e de gorduras animais. Estamos falando, também, de um plano de redução de emissões. Estamos, inclusive, estabelecendo um programa de valorização de subprodutos com o SENAI: notar a cinza, o CO2, o álcool fúsel e outras oportunidades de produtos da indústria sucroalcooleira”.
Quando o assunto é mobilidade, Mateus Schreiner lembra da associação da Raízen com a Shell: “Temos o mundo dos postos de combustíveis. Já estamos trabalhando com um time de energia e eletrificação para colocar pontos de abastecimento de carros elétricos. Mas também estamos olhando para a questão de célula de combustível; como produzir hidrogênio a partir de etanol no posto de gasolina. Estamos começando a olhar de uma maneira mais holística para isso”.
Marianne Zanon Zotin, pesquisadora do Centro de Economia Energética e Ambiental da COPPE-UFRJ, apontou mais sobre o escopo da análise quantitativa de fazer cenários de longo prazo relacionados à mitigação de gases do efeito estufa. A pesquisadora comentou sobre o Modelos de Avaliação Integrada (Integrated Assessment Models, em inglês). “Vou falar mais especificamente do Blues (Brazilian Land Use and Energy System), que é o modelo nacional que usamos. É importante ressaltar aqui que o laboratório começou com o Blues, mas se desenvolveu para trabalhos em nível nacional. São os cenários criados por esses modelos que alimentam as análises do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas; Intergovernmental Panel on Climate Change, em inglês). E são essas análises que orientam a política climática no mundo todo no âmbito do IPCC”.
O Blues é o único modelo abaixo da Linha do Equador a entrar dentro do IPCC e ser considerado um modelo marcador. Digo isso para enfatizar a importância desse tipo de modelo para a discussão que vem sendo travada em termos globais e que mobiliza muita ação e orientação desse tipo. O Blues se baseia na plataforma Message, que é o IIASA (Instituto Internacional de Análises e Sistemas Aplicados, em Viena) que, historicamente, tem um papel de protagonista. O que esse modelo integrado faz? Ele tenta representar as interações entre sistema socioeconômicos, processos energéticos e ambientais, diversos sistemas humanos que interagem.
“A resposta que queremos atingir é fruto de uma otimização em programação linear que otimiza, de maneira perfeita, todo o horizonte de tempo entre 2010 e 2050. Ele minimiza os custos de se atender demandas por serviços energéticos de diversos setores da economia e atende essas demandas com recursos energéticos de base biológica, recursos fósseis etc. Basicamente, estamos escolhendo a trajetória tecnológica de cada setor. Cenários são futuros possíveis e, nesse caso, têm até um caráter de recomendação para que a gente atenda a determinadas metas. Otimizamos em custo para atingir metas climáticas. Ele recomenda: “Essa é a trajetória ótima para atender serviços energéticos e ficar dentro de um mundo do que é percebido como a responsabilidade do Brasil para ficar num mundo de um grau e meio, dois graus”.
Da mesma forma que a Raízen possui parques de energia para se ligar ao universo agro, a Suzano Papel e Celulose mantém uma base de florestas plantadas e áreas de cultivo e preservação que chegam a dois milhões de hectares. Quarenta por cento desses hectares são áreas conservadas e 1,3 milhão, áreas plantadas. A empresa, que emprega 37 mil pessoas, tem cinco Centros de Tecnologia (CTs) no Brasil e no exterior, 12 fábricas, 21 centros de distribuição e três portos para movimentar o volume de celulose fibra curta que produz, mas também de papel e embalagens.
“Exportamos nossa celulose para várias regiões do mundo, principalmente Estados Unidos, Europa e China. Com essa movimentação, chegamos a atingir dois bilhões de pessoas por mês, através de produtos diretos e de produtos feitos com a nossa celulose”, revela a gerente de Sustentabilidade da marca, Leticia Kawaname. “Somos movidos pela ‘inovabilidade’, Inovação a serviço da Sustentabilidade. Sempre levamos a sustentabilidade em consideração. Nossos produtos são de origem renovável, desenvolvidos de modo a serem biodegradáveis e recicláveis. São produzidos com eucaliptos plantados e certificados, pois temos uma política rigorosa de desmatamento zero”.
A Suzano se comprometeu com 15 objetivos de longo prazo; entre eles, metas relacionadas a carbono, diversidade, biodiversidade e pobreza. “Destaco três desses objetivos. Nos comprometemos a remover 40 milhões de toneladas líquidas de carbono (CO2) da atmosfera até 2025, já descontando as emissões da Suzano. Vamos oferecer dez milhões de toneladas de produtos de origem renovável – é aí que entram os produtos da Bioeconomia. O terceiro objetivo que destaco é distribuir renda e tirar 200 mil pessoas da linha da pobreza nas comunidades ao redor dos locais onde trabalhamos até 2030”.
O mediador do debate chama a atenção para as tecnologias desenvolvidas pela gigante do papel e da celulose, que vem trabalhando com genética vegetal para produzir visando fixar nitrogênio no solo e aumentar sua produtividade. A meta é importante, pois libera mais terra para alimentos, fazendo com que a companhia não precise avançar para terras de floresta, o que colabora para manter a biodiversidade local.
A Suzano vem trabalhando nesse sentido e, de certa forma, trabalha nas três soluções que tentamos identificar no trabalho com a ABBI: do lado da intensificação da agricultura sustentável, que é esse trabalho; do lado voltado para o processamento da biomassa, que é uma característica da Suzano com toda a parte de papel e celulose e que hoje está avançando mais para o aproveitamento de lignina e celulose para outros fatores; e o terceiro lado, que fala de produtos de maior valor agregado. A Suzano está bem inserida dentro desse processo.
Alexandre Cabral é diretor de Políticas do Good Food Institute (GFI), que trabalha com cientistas, investidores e empreendedores para fazer comida inovadora uma realidade. Foca em carne limpa e alternativas vegetais aos produtos de origem animal – comidas que são mais deliciosas, mais saudáveis e melhores para o planeta que seus equivalentes ultrapassados.
“Já faz alguns anos que ficou claro que a agenda da Bioeconomia também seria demandada pelo setor de alimentação e que a Bioeconomia dos alimentos esbarra na questão da obtenção de proteínas de forma sustentável. A população cresce, mas o planeta permanece do mesmo tamanho e sofre degradação acelerada em alguns biomas. Precisamos pensar em como obter proteínas para alimentar humanos”, diz Alexandre Cabral. “Isso caminha paralelamente ao estudo de modos cada vez mais sustentáveis de obtenção de proteína animal. São novas formas de manejo, mais intensivas em tecnologias e menos intensivas em recursos naturais. Esse é um mercado ‘E’, não um mercado OU’. As proteínas alternativas não vêm desbancar as proteínas de origem animal. Elas se somam ao mix de ofertas de proteínas para consumo humano, todas atendendo ao clamor de serem mais sustentáveis a cada dia”.
Somada à capacidade de produzir conhecimento e gerar inovação, temos uma vantagem competitiva inerente. “Hoje uma caixa de hambúrguer plant based (utilizam alta tecnologia e processamento industrial para aproximar os vegetais do sabor e da textura do alimento à base animal) da Seara está dentro do mesmo contêiner refrigerado que já tem uma destinação internacional junto com produtos de origem animal. Ao combinar essas duas coisas, o Brasil pode assumir um protagonismo muito rapidamente nesse cenário e cumprir a profecia do presidente da Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos), que afirmou que o Brasil pode passar de celeiro a supermercado do mundo. Ou seja, passar a distribuir produtos de valor agregado muito maior”, frisa Alexandre Cabral. O GFI tem patrocinado pesquisas de ingredientes para produtos plant based nos biomas do Cerrado e da Amazônia.
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