Manoel Soares fala sobre negritude numa sociedade racista em livro que virou peça e de novas rotas profissionais


O comunicador teve um 2023 movimentado e faz um balanço de sua vida pós saída da Globo, e consequentemente do “Encontro”, programa que co-apeesentava com Patrícia Poeta nas manhãs da emissora líder de audiência. Hoje ele se dedica ao jornalístico “Bombou”, que apresenta no YouTube em parceria com a sua mulher, Dinorá Rodrigues. Manoel também fala sobre os novos caminhos do jornalismo e sobre a peça baseada em seu livro “Para o Meu Amigo Branco”, que está em cartaz no Rio. Entre outras coisas, a encenação dirigida por Rodrigo França se propõe a discutir os privilégios da branquitude numa sociedade marcada pelo racismo. “Essa transição tem sido reveladora, pois querendo ou não, estando dentro de um veículo de comunicação de massa, você molda a sua fala para aquele cenário. Hoje eu me sinto mais livre para criar e me expressar. Uma delas foi a oportunidade de criar o ”Bombou”, agregador de notícias, que veio com objetivo de realmente poder expandir os horizontes do noticiário e, em pouco tempo, entregar às pessoas aquilo que elas não têm acesso, e nem é porque elas não querem, mas porque existe uma prática de consumir comunicação em uma única direção”, frisa

*por Vítor Antunes

Desde junho fora da Globo e com uma saída ruidosa do “Encontro”, programa que co-apresentava com Patrícia Poeta, Manoel Soares está trilhando uma nova fase da carreira. Hoje está à frente do “Bombou”  programa de variedades e agregador de notícias, que apresenta junto com sua mulher, Dinorá Rodrigues, em seu canal no YouTube. À frente de um produto elaborado para a Internet e fora da mídia tradicional, ele reflete: “Essa transição tem sido reveladora, pois querendo ou não, estando dentro de um veículo de comunicação de massa, você molda a sua fala para aquele cenário. Hoje eu me sinto mais livre para criar e me expressar. Uma delas foi a oportunidade de criar o ”Bombou”, agregador de notícias, que veio com objetivo de realmente poder expandir os horizontes do noticiário e, em pouco tempo, entregar às pessoas aquilo que elas não têm acesso, e nem é porque elas não querem, mas porque existe uma prática de consumir comunicação em uma única direção. Graças a Deus isso está dando certo, fomos bem entendidos. Não só compartilho histórias inspiradoras como recebo também essas histórias das pessoas”.

Voz ativa do movimento negro e das questões afrorreferentes, um livro do comunicador – “Para o Meu Amigo Branco” – foi adaptado para o teatro e está com nova temporada no Rio de Janeiro. Para Manoel, “a partir do momento em que o livro e a peça promovem perguntas e auto desavenças, vamos começar a criar desconfortos necessários para mover as placas tectônicas que sustentam essa energia do racismo, que é difícil de ser combatida”. E acrescenta: “Quando debatemos somente a consciência humana, nós desconsideramos o que desumanizamos. E aquilo que nós desumanizamos também, durante muitos séculos, foram as pessoas negras”.

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Manoel Soares: Novas dietrizes em tempos de novas comunicações (Foto: Jordan Vilas)

(RE)ENCONTRO

Manoel Soares surgiu na cena jornalística nacional, através do “Profissão Repórter“, jornalístico noturno da Globo no qual jovens profissionais são levados a fazer matérias incomuns, ou em situações delicadas. Dali, Manoel foi estruturando sua trajetória na TV até que chegou ao Entretenimento e ao “Encontro”, primeiro com Fátima Bernardes, depois com Patrícia Poeta. Hoje, com o perdão do trocadilho, reencontra-se com sua essência. Grava o “Bombou”, um programa de variedades e jornalismo, gratuito e hospedado no Canal Manoel Soares no YouTube. Nesta entrevista, o comunicador fala sobre esse processo de transição de um veículo tradicional para o alternativo, da Internet, que cada vez ocupa um espaço maior no consumo do público.

Estou redescobrindo minha comunicação e sendo diretamente influenciado pelas pessoas que me ouvem, porque eles também me trazem muita coisa bacana, muitas referências. Apresentando o “Bombou”, descobri a amplitude do acesso à informação, como isso é importante no dia a dia das pessoas, para além dos veículos de massa. Isso reforça ainda mais a relevância dos jornalistas, independente de onde atuem – Manoel Soares

Atualmente há uma grande discussão sobre um elemento que era uma cláusula pétrea nas faculdades de Jornalismo: A opinião. Ainda que seja impossível alguém ser totalmente imparcial, primava-se sempre, especialmente quando nas mídias oficiais, pela imparcialidade possível, cabendo a opinião ser elaborada pelo leitor ou consumidor da notícia. Por óbvio, esse conceito passava por alguns outros atravessamentos como a linha editorial e interesses outros dos veículos de comunicação. Todavia, hoje, com as redes sociais, questiona-se a fartura de opiniões, por vezes sem embasamento, ou ainda lustradas pela rispidez. Manoel aponta com seu ofício os novos caminhos do jornalismo. Não crê que hoje os profissionais de comunicação estejam mais defendidos por estarem atrás do computador e/ou estejam excessivamente opinativos. Segundo o apresentador, “o jornalismo está mais abrangente, com novas formas de levar conteúdo e informação para o leitor/espectador. O comunicador tem um papel fundamental, pois cria uma agenda de referências. Assim como hoje estou conseguindo trabalhar uma lógica de comunicação muito mais ampla do que sempre trabalhei”, pontua.

Para Manoel, este é um reflexo de um mundo que “está falando mais e ouvindo menos. A partir das redes e plataformas digitais, as pessoas estão se dando mais ao luxo de se expressar, mas não de escutar o que o outro expressa. Obviamente, o jornalismo e a imprensa como um todo são reflexos da sociedade. Se a sociedade agir com inteligência, afeto e maturidade emocional, o jornalismo irá refletir isso. Se ela agir em um movimento contrário a isso, a comunicação, provavelmente, seguirá esse olhar. Porém, eu acho que tudo é cíclico, essa safra está assim e a próxima pode ser diferente”.

Outra questão importante no tempo moderno é a hiper-portabilidade dos profissionais de comunicação. Câmeras portáteis e muito potentes dialogam com microfones minúsculos e de altíssima qualidade e se somam a uma internet veloz. A cobertura da Guerra Israel/Hamas revelou muitos jornalistas/fotógrafos que estavam ali, de olho no lance e fizeram das suas redes sociais, portas para o mundo. Há vida para o jornalismo fora dos grandes veículos? Soares acredita que “existe um vasto caminho para os jornalistas. Eles podem mais do que criar debates. Precisamos criar pontos de entendimento e pontos de compreensão”.

Não podemos constranger as pessoas que são acuadas e excluídas, mas motivar um encontro entre a sociedade que muitas vezes não conversa, e mostrar outros lados das histórias – Manoel Soares

Em se tratando de redes sociais, há cada vez uma exposição maior das figuras públicas. O próprio Manoel foi alvo de inúmeras maledicências, pedidos de retratação e questões relacionadas, isso já próximo de sua saída da Globo. Mesmo a sua demissão veio acompanhada de uma nota no Instagram. Há, no tempo presente, limite entre a vida pública e privada? “Penso que esse limite está em encontrar um meio termo entre aquilo que nós acreditamos e sabemos que é essencial para a evolução dos nossos, para a nossa evolução pessoal e profissional. Tudo aquilo que funciona dentro dessa estrutura digitalizada muitas vezes reproduz o mesmo modo excludente das mídias tradicionais”.

Manoel Soares: A rede social replica o comportamento excludente das mídias tradicionais (Foto: Jordan Vales)

RESPEITEM MEUS CABELOS, BRANCOS

A música de Chico César acima citada faz menção ao já clássico bordão usado pelas pessoas maduras, o “Respeite meus cabelos brancos”. Porém, a vírgula traz outra camada de leitura e promove a intertextualidade, quando pede um respeito étnico ao cabelo não-branco. Sob algum aspecto, esse clamor do músico paraibano dialoga com o livro – e com a peça baseada nele – “Para o meu amigo branco“, onde Manoel Soares questiona os privilégios da branquitude. Aos negros é cobrado que falem sobre racismo a todo tempo, quando deveriam ser esses questionamentos, feitos aos brancos e/ou aos racistas. Manoel diz que “a função de “Para o Meu Amigo Branco” não é trazer respostas para o mundo racista, mas trazer perguntas. São perguntas inconvenientes, que habitam um lugar não sagrado, que nós entendemos como família, pessoas, religião, deuses…”. Por esta razão, em face da desumanização da pessoa preta, Manoel é crítico à premissa do “por quê não há dia da consciência humana?”. Aponta-nos ele que “existe a necessidade de correr para um lugar de conforto. Debater ser humano é muito mais confortável do que se debater ser negro, pois em alguns momentos se entende que o que contempla o ser humano, contempla o negro. A questão é que o humano, de acordo com a história que nós temos, é entendido como um homem, branco, heterossexual e cisgênero”.

O mundo não se divide entre negros e brancos, mas entre pessoas racistas e não racistas – Manoel Soares

A montagem de “Para o meu amigo branco” ambiciona compreender que “o teatro pode ser usado como um cessar-fogo de pautas raciais. Essa é a corajosa distinção proposta pelo livro e, consequentemente, pelo espetáculo “Para Meu Amigo Branco”. Essa peça em diversos espaços, não apenas nos teatros, demonstra como as discussões e impasses colocados nas cenas teatrais, estão mostrando os anseios e as necessidades da sociedade, para além dos limites da arte”, finaliza.

Manoel Soares: “O teatro pode ser um cessar-fogo das pautas raciais” (Foto: Jordan Vales)

Créditos

Stylist @felipe_castelo_ 

Beleza @eurenantavarez