*Por Dr. Alessandro Martins
Junho marca Mês do Orgulho LGBTQIA+, mas é importante sempre abordar o tema da cirurgia plástica no processo de transição de gênero em indivíduos cujas identidades de gênero são diferentes do sexo que lhes foi designado no momento de nascimento. Ou seja, é um homem, geneticamente, que se vê como mulher, ou uma mulher, geneticamente, que se vê como homem. Isso não necessariamente tem a ver com sexualidade. São coisas diferentes, mas as pessoas costumam confundir.
O processo de transição depende de uma equipe multidisciplinar, que inclui médicos e psicólogos, entre outros profissionais. Cada um tem uma função importante. Os endocrinologistas, por exemplo, são indispensáveis, pois a terapia hormonal é essencial ao processo de transformação – tanto a utilização de hormônios femininos nos homens quanto a de hormônios masculinos nas mulheres.
Os hormônios são responsáveis por nossas características secundárias: crescimento (ou não) de pelos, alteração da localização da gordura, mudança da disposição da massa muscular pelo corpo. Os homens usam os hormônios femininos para diminuir o crescimento da barba e dos pelos, além de alterar a disposição da gordura para uma posição ginecoide (mais localizada nos quadris e nas coxas).
A mulher usa o hormônio masculino, testosterona, para provocar o crescimento de barba e ganho de massa muscular. Em seguida, a paciente é liberada pela equipe para que as cirurgias sejam realizadas. Há muitos anos, as operações só podiam ser realizadas em hospitais públicos ou universitários. Hoje, as cirurgias podem ser feitas no sistema privado, sendo, inclusive, autorizadas pelos planos de saúde.
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O cirurgião plástico tem uma participação importante no processo de transição. No caso das mulheres que se transformam em homem (transgêneros masculinos), a participação do cirurgião plástico está muito ligada à mastectomia masculinizante, que faz parte das cirurgias de readequação de gênero e consiste na retirada da mama. Diferentemente da mastectomia do câncer, essa operação preserva a auréola e o bico do peito, dando-lhes um aspecto masculino. Ou seja, deixando-os menores e numa posição semelhante à dos homens.
É importante as pacientes entenderem que essa cirurgia não é livre de cicatrizes e que ela é proporcional ao tamanho da mama, podendo variar desde uma marca ao redor da auréola, assemelhando-se a uma cicatriz de ginecomastia em homens, até cicatrizes grandes, que podem pegar todo o tórax anterior ou metade dos tórax correspondendo às bases das mamas.
A readequação de gênero é representa muito para o paciente, pois a mama é o símbolo da feminilidade. Para esse transgênero, a presença dos seios incomoda socialmente, pois limita o uso de roupas, mexe com a forma como se vai à academia, impõe o uso de faixas e cintas para comprimir. É todo um processo muito angustiante. Muitas vezes, o cirurgião plástico se junta ao mastologista nesta cirurgia na qual a mama é retirada para, juntos, moldarem uma imagem mais viril.
Em relação aos homens, a transição para a aparência feminina é um pouco mais trabalhosa. Nas mulheres, o hormônio masculino proporciona o crescimento de pelos e da massa muscular, deixando a fisionomia mais próxima da masculina. No caso dos homens, a plástica precisa ser mais participativa. A cirurgia de readequação de gênero não participa sozinha desse processo. Em toda transformação fenotípica, ou seja, de imagem, o cirurgião plástico está presente, desde cirurgias de rinoplastia, para dar ao nariz um aspecto mais feminino, aos processos de femininalização da face (preenchimento de regiões malares e dos lábios, trazendo aquela face masculina para o mais próximo possível do perfil estético feminino, que é a forma como esse indivíduo se enxerga, como quer ser visto não só por ele, mas por toda a sociedade e a família). A cirurgia plástica tem participação ativa em todo o processo de transformação.
Não só na transformação da face, mas em várias outras cirurgias corporais, como lipoaspirações, com que conseguimos modelar o corpo mais próximo do corpo feminino com desenho de cintura; enxertos de gordura em regiões do bumbum, regiões glúteas e no quadril, deixando a silhueta mais feminina; aumento das mamas com próteses de silicone. Todo o processo é lento e gradativo. Os indivíduos têm que estar o tempo inteiro apoiados por um cirurgião plástico que compreenda o processo de transição.
Um dos últimos estágios da transformação de homem em mulher seria a transgenitalização; ou seja, a transformação do pênis em vulva. Essa cirurgia é bem mais trabalhosa que a mastectomia masculinizante e consta de transformar a genitália externa – ou seja, o pênis e a bolsa escrotal – em uma genitália feminina em que vamos utilizar a pele da bolsa escrotal, do pênis (inclusive a glande) para reproduzir a vulva, construindo grandes lábios, pequenos lábios e o canal vaginal. A glande do pênis é usada para se fazer uma espécie de clitóris, para que haja uma estimulação sensorial e o paciente tenha sensibilidade naquela região. Nem todos os cirurgiões plásticos fazem a transgenitalização masculina – eu mesmo, faço muitas cirurgias de mulher para homem, porque trabalho muito com cirurgia de mama.
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Hoje, eu gostaria muito de falar da importância de as pessoas e a sociedade, especialmente no Mês do Orgulho, compreender a transição. A aceitação familiar e social já é muito difícil. Cabe ao profissional que vier a participar desses projetos estudar e aprender o processo para visualizar, entender e realmente fazer com que o paciente consiga olhar-se no espelho.
Então, ao invés de deixar dicas sobre cirurgia, falarei sobre o ser humano. Quando alguém que não conhece, que não sabe o que dizer sobre essa transformação ou como ajudar, que, antes de tudo, respeite. O respeito, acima de tudo, é o mais importante que a sociedade pode oferecer ao que não conhece ou não compreende. Peço que, antes de julgar, rir, apontar, você se lembre que ali tem uma pessoa. E que todo esse processo que hoje em dia é falado, discutido, defendido, já foi muito criticado. E isso traz muita dor para os pacientes e seus familiares.
Quero ressaltar é a solidariedade e humanidade. Que o mundo consiga caminhar cada dia mais no sentido da liberdade e da igualdade. Que cada um possa ser como quer ser. Que cada um seja feliz como tem que ser e que as pessoas aprendam a respeitar e a amar. O mínimo que podem fazer é oferecer respeito, solidariedade, atenção e um sorriso de carinho para todas as pessoas que passam pelos processos de transformação. Que quando você procurar a sua equipe médica multidisciplinar seja acolhido por um grupo de pessoas que conheça e que possa te dar a mão nessa caminhada.
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