*Por Rafael Moura
“Estou chorando uma avenida inteira
Avisto a justa é hora de calar
Cassetete, pau pereira
levanto os olhos pra lhe perguntar”
Os versos da música ‘Querera’, de Margareth Menezes, do álbum Autêntica (2019), traduzem perfeitamente a conversa que a cantora e a filósofa e escritora Djamila Ribeiro tiveram em uma live no perfil da baiana. O papo girou em torno do livro ‘Pequeno Manual Antiracista’, da Companhia das Letras (2019). A ‘Live da Maga’ já convidou a cantora, compositora, atriz, produtora e ativista, Preta Ferreira, a nova musa da internet Teresa Cristina, e ainda tem Preta Gil e Jaqueline Goes fechando a semana. “É um momento de muita reflexão, recolhimento e de buscar a integração com as pessoas do nosso convívio, aquelas que vibram a mesma energia que a nossa”, disse a anfitriã, em recente entrevista ao site HT.
O start desse papo se deu com a escritora contando aos internautas sua trajetória e como se tornou o nome mais conhecido nos últimos cinco anos quando se aborda a questão do ativismo negro no Brasil. E tudo isso sob um espectro pop. A militante, natural de Santos, é uma presença ativa nas redes sociais, possuindo mais de 870 mil seguidores, somente no Instagram. Djamila fez com que sua voz se tornasse um grande auto falante que reverbera por todo o país e pelo mundo. Lembrando que, em 2016, foi nomeada secretária-adjunta de Direitos Humanos e Cidadania da cidade de São Paulo, sob a gestão de Fernando Haddad.
Djamila iniciou sua jornada pela igualdade racial e pelos direitos das mulheres negras ainda na infância e sua maior influência foi o pai, Joaquim José Ribeiro dos Santos, um estivador, militante e comunista. “O meu pai era militante africano por isso eu e minha irmã temos um nome afro, que em swahili, língua falada no leste da África, significa ‘beleza”, conta. Com ele, vivenciou o que é ser negro em um país no qual 56,10% das pessoas se declaram negras, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, 2019. Aos 18 anos, ela se envolveu com os trabalhos da Casa da Cultura da Mulher Negra, uma organização não governamental santista, e passou a estudar temas relacionados a gênero e raça. “Fazer parte da Casa de Cultura da Mulher Negra de Santos foi uma virada de chave na minha vida, principalmente depois que eu li o livro da saúde das mulheres negras, uma coletânea de artigos organizada pela médica carioca Jurena Werneck”, revela.
“Minha mãe, Erani, era empregada doméstica, uma mulher forte, que me iniciou no candomblé aos oito anos, o que me ajudou ainda mais a formar a minha consciência sobre ser uma mulher negra no Brasil”, frisa. E acrescenta: “Ela foi uma grande incentivadora dos meus estudos e dizia que essa a única forma de tentar ser alguém na vida”. A militante graduou-se em Filosofia, pela Unifesp, em 2012, e tornou-se mestre em Filosofia Política na mesma instituição, em 2015, com ênfase em teoria feminista. Suas principais plataformas de estudo e atuação são: relações raciais e de gênero e feminismo negro. “É de suma importância discutir essas pautas porque a mídia tradicional costuma nos invisibilizar”, enfatiza.
Segundo Djamila, o Brasil está muito mais avançado no debate racial do que a França, por exemplo, onde não se pode falar em raça. “No país não existem essas estatísticas o que é altamente importante para poder gerar políticas públicas. Já aqui em que esses dados são consistentes, muitas vezes nós desabamos, principalmente por conta da desvalorização das lutas dos movimentos negros que tanto fazem e fizeram para chegarmos onde estamos”.
No livro, ‘Pequeno Manual Antirracista’, a filósofa traz dez breve lições para entender as origens do racismo e como combatê-lo, tratando de temas como atualidade do racismo, negritude, branquitude, violência racial, cultura, desejos e afetos. Em dez capítulos curtos e contundentes, a autora apresenta caminhos possíveis de reflexão para aqueles que queiram aprofundar sua percepção sobre discriminações racistas estruturais e assumir a responsabilidade atuando como agente transformador. “Eu pensei em ser didática para sanar as dúvidas das pessoas. Aqui se romantiza muito as relações raciais, o que dificulta muito a tomada de consciência da sociedade. A população, em geral, acha que racismo é apenas quando famosos sofrem algum ataque. Não ter pessoas negras ocupando e atuando nos espaços é uma grande forma de insivibilização, o racismo estrutural”, esclarece.
A autora conta ainda que há muitos anos se solidifica a percepção de que o racismo está arraigado em nossa sociedade, criando desigualdades e abismos sociais: trata-se de um sistema de opressão que nega direitos, e não um simples ato de vontade de um sujeito. Reconhecer as raízes e o impacto do racismo pode ser paralisante. “A prática antirracista é urgente e se dá nas atitudes mais cotidianas. É uma luta de todas e todos”, pontua, acrescentando: “Eu fico muito feliz em saber que o livro está sendo usado nas escolas”.
Djamila é mãe de Thulane, 15 anos, e faz questão de apresentar a sua filha referências que valorizem a sua identidade negra. “O lugar da mãe preta, em geral, é um lugar de mulher brava. Elas são muito rígidas porque entendiam que precisavam ser fortes e seus filhos não podiam errar. Eu nunca bati na minha filha, desde pequenininha tivemos a consciência de que estamos criando uma menina negra. Ela mostra muitas referências e um saber muito maduro. Uma vitória pessoal para mim é porque minha filha nunca quis alisar o cabelo, ela se ama. Eu só parei de alisar o meu quando engravidei. Foi quando comecei a me gostar mais”, explica. A autora faz um alerta para todas as mulheres: “Parem de romantizar a maternidade. É uma tarefa muito árdua é dura, principalmente quando se tem um filho negro”.
No meio do papo Djamila vibra. “Eu venci na vida com Margareth Menezes usando a camiseta do meu livro ‘Quem tem medo do feminismo negro'”. É neste momento em que ambas percebem que o ator Antonio Pitanga está assistindo a transmissão e se sentem altamente lisonjeadas e é quando os emojis de ‘mãozinha’, que significa ‘Nós por nós’ viram uma grande chuva nos comentários. A entrevistada aproveita para indicar os autores Milton Santos, Lélia Gonzalez e Silvio Almeida. “Em uma live no perfil do Paulo Gustavo eu indiquei o livro do Silvio, Racismo Estrutural e o número de vendas aumentou muito. Fico muito feliz com isso”, conta.
O papo segue a partir do conceito de lugar de fala, título de um dos livros da autora. A publicação tem como objetivo desmistificar o conceito de lugar de fala, por isso Djamila contextualiza o indivíduo tido como universal numa sociedade cisheteropatriarcal eurocentrada, para que seja possível identificarmos as diversas vivências específicas e, assim, diferenciar os discursos de acordo com a posição social de onde se fala. “Muitas vezes, nós mulheres negras acabamos sendo destituídas de nosso lugar de fala e isso se reflete nas profissões. É importante que a branquitude entenda que seus privilégios foram socialmente construídos. São sempre eles falando e nós na condição de objeto. Não estamos nos espaços não por falta de capacidade e sim por falta de oportunidade. As pessoas brancas precisam se questionar para igualar essa equidade social”, expõe.
Outra importante troca dessa conversa foi a diferença entre o feminismo e o feminismo negro conceitos que apesar de parecidos acabam sendo distintos. “Não se pode hierarquizar vidas. O feminismo nunca entendeu o que é o racismo e sexismo são pressões que estão na base da pirâmide social. Elas lutam pela igualdade de direitos, mas oprimem os negros. A nossa causa vai muito mais fundo, porque somos atravessadas pela raça, classe e gênero. O feminismo negro luta por um modelo alternativo de sociedade”, esclarece.
Margareth Menezes encerra a transmissão peguntando se a ativista gostaria de entrar para a política. “Agora não. Mas quem sabe um dia”. Djamila recita o poema ‘Ainda assim eu me levanto’, de Maya Angelou. E Maga canta a música ‘Pássaro da Liberdade’, uma composição especial para a filósofa, que a deixa extremamente emocionada, com os olhos marejados.
Artigos relacionados