“É ridículo para o Brasil mostrar a cara de uma sociedade tão cafona, racista e mesquinha”, diz Margareth Menezes


No sábado, dia 6 de junho, às 19h30, a cantora baiana irá promover a Live Autêntica. O show digital apoiará, por meio de doações, o Fundo Solidário COVID-19 para Mães das Favelas, da CUFA (Central Única das Favelas). Nesta entrevista, Maga, que traz a ancestralidade em sua arte e já exalta a cultura negra desde o início de sua carreira, conversa sobre preconceito nos dias de hoje: “São uma vergonha esses episódios. Os racistas deveriam se envergonhar diante dessas situações. Não pode haver engrandecimentos quando esses flagrantes de maldade, perversidade e da covardia humana se impõem. Eu, como brasileira, baiana, mulher preta e ser humano me sinto envergonhada. #VergonhaAlheia. É uma construção mental ainda muito pobre para países que pensam em liberdade, democracia e igualdade para todos. Isso precisa ser um conceito real. Basta de tanta perseguição desnecessária”

Margareth Menezes fará uma live em prol do Fundo Solidário COVID-19 para Mães das Favelas, da CUFA (Foto: José de Holanda)

*Por Rafael Moura

“É um momento de muita reflexão, recolhimento e de buscar a integração com as pessoas do nosso convívio, aquelas que vibram a mesma energia que a nossa”, foi assim que Margareth Menezes deu start nesse papo com o site Heloisa Tolipan. A cantora e compositora soteropolitana ao longo de sua coroada carreira, de 40 anos, traz o suingue do axé samba-reggae e afrobeat para todo o Brasil e o mundo. No sábado, dia 6 de junho, às 19h30, irá promover a Live Autêntica no seu canal no Youtube e pelo seu perfil no Instagram. O show digital apoiará, por meio de doações, o Fundo Solidário COVID-19 para Mães das Favelas, da CUFA (Central Única das Favelas), enviando uma mensagem de paz e positividade às pessoas e incentivo à contribuição para uma causa.

“Estamos em um momento de extrema atenção ao próximo. Acho importante todas as ações terem um propósito solidário. Precisamos entender esse processo na humanidade também se reflete no campo espiritual. É como um mergulho na contemplação da vida, no ritmo da história contemporânea, das relações sociais e humanas”, pontua.

A casa da cantora, em Salvador, será palco da transmissão ao vivo, que terá como base o repertório do disco ‘Autêntica’, lançado no final do ano passado. Atendendo a pedidos de fãs, Margareth preparou uma live especial para quem está de quarentena. “Vou fazer uma apresentação misturada, bem especial e diferente, dentro de toda a simplicidade de realizar um evento desses em casa. Terei voz e violão, ambientes diferentes, luz, clipes e convidados”, revela a cantora.

A capa do disco ‘Autêntica’ repertório da live da cantora Margareth Menezes, no próximo dia 6

Essa ‘Maga’ dos sons, letras e ritmos revela que a quarentena está aflorando pensamentos e atitudes em prol de muitas pessoas. “Os primeiro momentos desse isolamento não foram muito fáceis por conta de toda a agenda que tínhamos a cumprir. Tudo mudou. Mas também não podemos lutar contra esse fato que é muito maior do que nós. O tratamento do homem com o meio ambiente, com ele próprio, com a ciência, as artes, cultura, o desprezo pela boa convivência, igualdade e oportunidades para todos são fatores que acabam refletindo nesse cenário. E revelam as estruturas sociais e mentais de uma nação, de um povo”, enfatiza. E faz um alerta: “No caso do Brasil estamos muito carentes de uma transformação na base das relações sociais, que sejam verdadeiras, vemos muita futilidade e pouca profundidade e isso dificulta a formação de pensamento de um povo. As pessoass estão se revoltando, porque estão fartas de tanta maldade, desprezo e ignorância. É preciso mudar”.

Com o novo coronavírus vimos toda uma sociedade se mobilizando para ajudar e apoiar pessoas mais necessitadas e distribuindo também afeto e carinho. A cantora acredita que essa emergência sanitária veio revelar para as nossas ‘novas vidas’ a necessidade de encarar a realidade de frente, sem máscaras. “O nosso país é muito rico, mas é mal organizado. Precisamos de uma sociedade mais justa e humana com pessoas mais qualificada para construir um país melhor para todos. Temos um enorme problema de falta de visão de futuro, de fé, e acreditar na potencialidade do brasileiro como um elemento de transformação. Para um país como o Brasil é ridículo mostrar a cara de uma sociedade tão cafona, tão racista, tão mesquinha, vendo que se cada um fizer a sua parte podemos ter uma grande virada”, dispara.

Margareth Menezes pede mais amor, afeto e igualdade para assim construirmos uma nova sociedade pós Covid-19

“O Coronavírus, mundial veio para desmascarar o que somos nós, o que é o ser humano”

O isolamento social tem provocado muita reflexão e autoconhecimento em toda a população. “É um momento de rever nossos valores. Por isso essa grande parcela da população está agindo por transformação. Não podemos deixar que as outras gerações não possam desfrutar de boas experiências e contemplar a vida de uma forma mais justa. Isso não é um momento de um ou outro governo. São conceitos que pertencem à humanidade. É uma deturpação gigante que expõe a pobreza de pensamento. Eu tenho fé nos jovens que vão transformar o futuro do país e do mundo”, acredita.

O episódio do assassinato de George Floyd por um policial banco americano, em Mineápolis reverberou no mundo inteiro levantando a bandeira antiracista. Margareth traz a ancestralidade em sua arte e já exalta a cultura negra desde o início de sua carreira. “É uma vergonha mais esse episódio. Os racistas deveriam se envergonhar diante dessas situações. Não pode haver engrandecimentos quando esses flagrantes de maldade, perversidade e da covardia humana se impõem. Eu, como brasileira, baiana, mulher preta e ser humano me sinto envergonhada. #VergonhaAlheia. É uma construção mental ainda muito pobre para países que pensam em liberdade, democracia e igualdade para todos. Isso precisa ser um conceito real. Basta de tanta perseguição desnecessária”, comenta.

Maga ainda enfatiza: “Querem que as pessoas sejam mansas, as famílias estão sendo assassinadas abertamente. Todos que tem o mínimo de consciência precisam abraçar essa causa e ser portadores de uma maneira nova de ver a vida. Só assim iremos nos sentir mais dignos, com as mesmas oportunidades. Esse desequilíbrio é muito maléfico para a nossa sociedade. Longe de ser vingança e sim restruturação”.

“Em 1982, Gil, com a música ‘Pela Internet’ já previa todas essas mudanças nas nossas relações sociais e comportamentais”, comenta a cantora sobre a internet ter se tornado a nossa grande ferramenta de comunicação e entretenimento. “As mídias ainda são complicadas pelo direitos autorais, mas por outro lado nos aproxima do público com liberdade de expressão, parcerias maravilhosas, descobrindo gente nova, gente velha. Tem sido uma aventura deliciosa e estou estreitando relacionamentos, buscando conhecer e aprender cada vez mais. Por entender como uma grande ferramenta profissional, eu tenho uma equipe que me auxilia. A minha geração vem antes de toda essa transformação. Então, estamos aprendendo, nos adaptando, fazendo uma irmandade e trazendo as nossas histórias, que fazem parte de uma construção do pensamento humano e da nossa representatividade. Temos que estar sempre abertos ao novo para nos renovar, nos integrar, mas sem perder as referências”, comenta.

Margareth Menezes acredita que a internet é uma das melhores formas de divulgação e aproximação com o público

O escritor moçambicano Mia Couto costuma dizer que “a música é a língua dos deuses”. E como uma verdadeira deusa, Maga revela que tem um gosto musical bem amplo e variado. “A minha playlist é muito ampla. Eu gosto muito de meditação. Então, pela manhã, sempre ouço música indiana, um som mais contemplativo. Gosto muito do Rael, Caetano, Gil, Bethânia, Janis Jopling, Rita Lee, comprei até uma vitrola para ouvir os LPs da Rainha do Rock.  E tem a música de verão, com a qual eu me sinto em casa. Aí vem Ivete, Daniela Mercury, meu irmão Brown, Timbalada. Sempre plural e com olhos e ouvidos para descobrir novos talentos”.