*Por Brunna Condini
Caco Ciocler virou notícia esses dias por conta de um post em seu Instagram em que escreveu: “Tenho 51 anos, faço faculdade, sei o que é Google e tiro dez na prova!”. A publicação, acompanhada de um print da sua nota, veio na sequência do episódio da universitária Patrícia Linares, de 44 anos, que sofreu discriminação de três colegas de curso, em Bauru (SP), que disseram que ela, por conta da idade, deveria ‘estar aposentada’. Só que mais do que um ‘recado’ para as meninas, Caco se interessou pelo tipo de reflexão cada vez mais pertinente que a situação traz: por que discriminar e tentar limitar quem é mais velho? E como o bom debate e os diversos pontos de vista nos interessam, falamos com o ator a respeito. Ele conta que tem dado ‘ok’ para o que a vida apresenta e diz que isso tem proporcionado boas surpresas no caminho. “Tenho muitos planos! Fiz dois filmes muito marcantes (‘Meu Sangue Ferve por Você’, cinebiografia de Sidney Magal, no papel de empresário do cantor; e ‘As Polacas’, de João Jardim, em que vive o personagem envolvido com o tráfico de mulheres polonesas judias pobres); e estou fazendo uma série agora (‘Unidade Básica‘). Também sigo para o meu sexto filme como diretor. Vou casar o ano que vem (com a psicóloga Paula Cezari), vou me formar, quero fazer muita coisa ainda, acho que vou fazer um musical, que é algo impensável. Como eu poderia imaginar que com 51 anos seria convidado para protagonizar um musical? É muito especial para a minha história, e, particularmente, só coisas incríveis tem chegado a mim, e eu estou dizendo ‘sim’ para tudo”.
“Um amigo me enviou um vídeo onde havia uma fala da Astrid (Fontenelle) sobre o episódio. Ela abria essa discussão, levantando a questão de como para um homem envelhecer é diferente do que para uma mulher, de como a sociedade enxerga isso, e dizendo como estava feliz por que assumiu seus cabelos brancos. Por coincidência, quando assisti o vídeo, pensei: “Que louco, porque eu tenho 51, estou fazendo faculdade, tenho uma prova amanhã e vou tirar 10 nela”. E quando conferi, eu vi que tinha realmente tirado 10. Aí resolvi postar e, logo em seguida, recebi várias mensagens sobre a importância disso. Achei bom e não foi uma foi uma espécie de militância, mas atingiu esse objetivo. Acho um absurdo e tão ingênuo da juventude, e eu já fui jovem, que acha que nunca ia envelhecer”, diz.
Quando você para de gastar energia com coisas bobas, para de ficar tentando seduzir o mundo, de querer ser aceito, sobram energias para outras coisas. E você vai querendo estar vivo. Estou no auge – Caco Ciocler, ator e diretor
E acrescenta: “A postagem também abriu uma discussão sobre a questão da imaturidade. Eu não me senti atingido e também acho que faz parte da nossa maturidade entender que foi uma bobagem. Sei que isso tem implicações sérias na sociedade, mas esse caso isolado, quando li, pensei: “Que bobas!”. Eu concordo com a Astrid e pode parecer um discurso por que estamos envelhecendo, mas isso não me impede de me sentir no melhor momento da minha vida. Nunca tive tanta vontade de estudar, aprender, me divertir, namorar. Estou no auge da minha carreira, dirigindo filmes, ganhando os melhores personagens da minha vida, tanto no cinema, quanto no teatro, e tenho recebido retorno e ligação das pessoas sobre os meus trabalhos. Me sinto no auge da minha existência e tenho muita vontade de estar vivo, apesar da pressão social para permanecer jovem”.
O ator afirma que vem de fato se reinventando com o passar dos anos. “Acho que é um processo natural. Quando você para de gastar energia com coisas bobas, para de ficar tentando seduzir o mundo, de querer ser aceito, sobram energias para outras coisas. E você vai querendo estar vivo, querendo comer bem, se exercitar. Não queremos ficar onde não está bom e isso dá uma liberdade e uma potência. No caso do artista isso é indiscutível, porque reflete no trabalho, e quanto mais profunda sua percepção do ser humano, melhor artista você será. Eu nunca estive tão bem e como artista, me sinto muito grato às oportunidades que os personagens e suas histórias me dão para falar sobre coisas, dizer o que eu penso e poder arriscar. Não é que eu parei pra dizer: você precisa se reinventar, mas as peças foram se encaixando naturalmente e com essa maturidade eu fui deixando as coisas para trás, me sinto cada vez mais leve”, avalia Caco.
Acho um absurdo e tão ingênuo da juventude, e eu já fui jovem, que acha que nunca ia envelhecer – Caco Ciocler, ator e diretor
Nos deixem envelhecer, não é mesmo? Mais do que rebater o etarismo, a proposta é a do exercício de ampliar a visão. Na vida e na arte. E comenta ainda, sobre o preconceito de idade no próprio ofício. “É também uma bobagem, acontece principalmente com as mulheres. A televisão tem uma crueldade, o audiovisual expõe cada vez mais marcas e imperfeições, e a gente vive em uma cultura que reflete justamente a vontade das pessoas de esconder a sua idade”.
Particularmente, sempre me emocionei com artistas mais velhos. As pessoas estão pagando um preço muito alto e se deformando, gastando milhões em procedimentos para atender uma demanda que na minha opinião é estúpida, porque você acaba encarando a câmera como um inimigo. O trabalho do ator é justamente o oposto disso, que é rasgar suas imperfeições e compartilhá-las para ajudar a melhorar essa cultura – Caco Ciocler
Caco garante que os sonhos são muitos e que trabalha para mantê-los vivos: “E desejo continuar criando sonhos mais ousados. Não quero perder a vontade de viver e continuar tendo força física e mental para correr atrás deles, sabe? Uma vez perguntaram para Fernanda Montenegro se ela tinha medo da morte, e ela deu uma resposta tão linda, disse que não tem medo, mas que tem pena de morrer. E eu estou cada vez mais sentindo essa pena, como eu disse, nunca tive tanta vontade de estar vivo”.
Valorização na maturidade: papo sério
“Percebo que o preconceito por idade tem uma dose grande de sexismo e elitismo, mesmo que atinja todos. Me considero um privilegiado, nunca sofri nenhum tipo de preconceito, pelo contrário, as pessoas sempre dizem: “Nossa! Você não parece que tem 51″, um elogio mas revestido de um preconceito. Olha, eu estou me sentindo tão bem, que as pessoas podem falar o que quiserem, mas reforço que tenho um privilégio, porque nunca passei por isso, a não ser de me chamarem de ‘tio’, e está tudo bem, eu já sou avô”, avalia.
E eu estou cada vez mais sentindo pena de morrer, como eu disse, nunca tive tanta vontade de estar vivo – Caco Ciocler, ator e diretor
“Estima-se que uma em cada duas pessoas no mundo tenha atitudes discriminatórias que pioram a saúde física e mental de pessoas idosas e reduzem sua qualidade de vida. Isso custa às sociedades bilhões de dólares a cada ano”, revela um novo relatório publicado pela Organização das Nações Unidas sobre discriminação por idade. Acredita que a discussão precisa ser mais profunda? “Tem uma explicação bastante séria, eu acho muito grave quando passa a afetar de fato a vida prática das pessoas, quando elas não conseguem trabalhar ou ter uma oportunidade por conta de um preconceito. Estou no auge da minha potência física, mas claro que a gente começa a se cuidar, percebemos que não temos tanta resistência, já não atravesso a noite bebendo e sigo uma rotina física de exercício e alimentação”.
Estou no auge da minha carreira, dirigindo filmes, ganhando os melhores personagens da minha vida, tanto no cinema, quanto no teatro. Me sinto no auge da minha existência e tenho muita vontade de estar vivo, apesar da pressão social para permanecer jovem – Caco Ciocler, ator e diretor
E conclui: “Precisamos parar de perder tempo com bobagens. Com a maturidade vem mais inteligência, sagacidade, concentração, foco, ficamos mais sábios, calmos, menos ansiosos. Temos de promover uma transformação, e fazer as pessoas entenderem a nossa potência. A gente quer aprender, conhecer o mundo, ter mais empatia, tornar a nossa vida e a do outro muito melhor. Hoje em dia somos obrigados a ser mais egoístas, porque temos de conquistar um lugar no mercado, temos de resolver a situação financeira, e quanto mais maduros, vamos ficando mais relaxados, nos tornamos funcionários melhores. Que bom que essa discussão veio à tona, toda e qualquer forma de discriminação é extremamente nociva e prejudicial à sociedade, inclusive economicamente”.
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