De olho no que é relevante, Zélia Duncan comenta sobre os casos de assédio no BBB e de etarismo em universidade


Récem-formada em Artes Cênicas e fazendo shows pelo Brasil que marcam quatro décadas de carreira, a cantora não abre mão do seu ativismo como cidadã na vida e nas redes sociais, falando das pautas que estão na roda, como preconceitos de toda ordem, violências e abusos, exatamente como o que provocou a expulsão de dois participantes essa semana no Big Brother Brasil 23 e o caso da universitária Patrícia Linares, de 44 anos, que sofreu discriminação de três colegas de curso, em Bauru (SP), que disseram que ela, por conta da idade, deveria ‘estar aposentada’: “Eu fico pensando se essas jovens, na casa delas, isso é tratado assim ou se elas desprezam seus próprios pais e avós, por exemplo. É uma pobreza de espírito, uma falta de empatia com a vida humana e ausência de sororidade absoluta. Se fosse resumir numa palavra: ignorância”

*Por Brunna Condini

Como deseja exercer sua influência no meio em que vive? Já pensou nisso? A cantora Zélia Duncan, sim, e escolhe usar a visibilidade conquistada ao longo de 40 anos de trabalho na música para dar seu quinhão de contribuição para investir na transformação do que não está bom de se viver. Tanto, que tem usado suas redes para falar diretamente com fãs e seguidores a respeito de temas pautados pela sociedade, no intuito de levantar boas reflexões. E foi exatamente isso que fez, quando por conta de acusações de assédio à mexicana Dania Mendez que entrou no BBB23 para um intercâmbio, os participantes Antonio Cara de Sapato e MC Guimê foram retirados do programa pela produção, após o anúncio da decisão dado por Tadeu Schmidt, ao vivo. A cantora também comenta que acaba de se formar, aos 56 anos em Artes Cênicas, movida pelo desejo de conhecimento que a guia vida afora e dá sua opinião contundente sobre o caso da universitária Patrícia Linares, de 44 anos, que sofreu discriminação de três colegas de curso, em Bauru (SP), que disseram que ela, por conta da idade, deveria ‘estar aposentada’. O que essas meninas  deveriam buscar aprender? “A ser gente. E que nós, mulheres, precisamos muito umas das outras em qualquer idade. E que as mais velhas certamente terão muitas coisas a ensinar”, frisa.

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“Não estou assistindo esse BBB, mas vi as cenas vergonhosas, que desclassificaram dois jogadores. Fica pra eles e pra nós esse recado: ‘Não é Não'”, postou, declamando em vídeo trecho da canção que fez em parceria com a cantora e compositora Ana Costa. Em papo ao site sobre o assunto, Zélia fez questão de salientar: “Essa eliminação é importante em todos os sentidos. Não existe outra forma de fazer as pessoas entenderem um crime, se não for com alguma punição. Esses crimes contra mulheres, nós todas conhecemos, desde que começamos a sair de casa pra comprar pão. ‘Passar pano’ é ser conivente e perpetuar uma situação que desemboca em feminicídios que aumentaram este ano. Normalizar assédio e abuso é sempre um caminho onde a vítima irá pagar adiante. E, no Brasil, pode ser fatal”.

Zélia Duncan costuma usar suas redes sociais para se posicionar, e foi o que fez no caso da eliminação por assédio no BBB23 (Reprodução/ Instagram)

Zélia Duncan costuma usar suas redes sociais para se posicionar, e foi o que fez no caso da eliminação por assédio no BBB23 (Reprodução/ Instagram)

“Me formei em Letras, aos 44 anos, e, na pandemia, concluí na CAL (Casa das Artes de Laranjeiras), já aos 56, o curso de Bacharelado em Artes Cênicas. Imagine se eu fosse colega dessas meninas, sofreria risco de vida!”. E frisa: “Adoro estudar, me faz sentir viva, me dá alegria. Gosto de aulas, turmas e até de provas. A curiosidade é a meu ver, nosso maior bem. Aprender, estudar, ler, são coisas que não têm fim. Descobrir esse prazer salva os dias”.

Não conseguimos parar de pensar por aqui, nas razões que levam novas gerações a debochar dos anos que passaram para alguém. Imaturidade? Comportamento gerado por uma sociedade que desde sempre super valoriza a juventude? Falta de respeito e empatia com o próximo?

Eu fico pensando se essas jovens, na casa delas, isso é tratado assim ou se elas desprezam seus próprios pais e avós, por exemplo. É uma pobreza de espírito, uma falta de empatia com a vida humana e ausência de sororidade absoluta. Se fosse resumir numa palavra: ignorância. E ignorância sempre gera violência, basta observar os últimos quatro anos – Zélia Duncan

Zélia Duncan escolhe usar sua visibilidade nas redes para se posicionar e propor reflexões (Reprodução/ Instagram)

Michelle Yeoh acabou de ganhar o Oscar de Melhor Atriz aos 60 anos. Jamie Lee Curtis levou o seu por ser escolhida a Melhor Atriz Coadjuvante aos 64… Acredita que as escolhas e conquistas são movidas pela força dos desejos, em qualquer idade? “Etarismo, assim como misoginia, LGBTQIA+fobia, racismo, gordofobia, xenofobia, são preconceitos, são elementos limitantes e violentos da sociedade. Tem a ver com isso. Nesse caso, essas menininhas burrinhas, jogam contra elas mesmas, porque se sobreviverem até os 44 anos, por exemplo, vão se odiar. A juventude é um bem perecível, quando não se aproveita o tempo para justamente aprender, se enriquecer com a diversidade, com o que é diferente de nós. É muito triste ver frutos verdes e já apodrecendo no pé, não é mesmo?”. E conclui: “O Brasil lida muito mal com o tempo, isso se traduz desde o tratamento com seus idosos, até a falta de memória no caso do artista. Nunca passei por um caso explícito, mas já senti o clima algumas vezes”.

As amigas Luciana Braga e Zélia Duncan na formatura de ambas em Artes Cênicas (Acervo pessoal)

As amigas Luciana Braga e Zélia Duncan na formatura de ambas em Artes Cênicas (Acervo pessoal)

A liberdade revolucionária da maturidade

Celebrando quatro décadas de carreira com dois shows pelo Brasil – um com sua banda em que apresenta seus sucessos e algumas surpresas de seu repertório afetivo, e o outro é o show ‘Um Par Ímpar’, que ela apresenta junto com o parceiro e amigo-irmão Paulinho Moska – Zélia faz o exercício, aos 58 anos, de falar com a Zélia de 20, e comenta a proximidade dos 60. “Eu sempre respeitei e admirei os mais velhos. Sempre tivemos nossos velhinhos amados na família. Quando vim pra Niterói tentar cantar, morei com vovó Zélia e duas irmãs dela, tia Caçula e tia Filhinha. Escrevo e meus olhos enchem d’água de saudade delas. É louco fazer 60, porque parece que o tempo me atropelou. Mas de fato, vivo intensamente, gosto do tempo e não voltaria aos meus 20 de jeito nenhum, se possível fosse”, divide. “Aprendi que a consciência é um caminho sem volta, dá trabalho, mas te faz valorizar mais cada momento. Sobrevivemos à pandemia e a você sabe quem, agora é terminar bem o dia de hoje e não deixar nada pra depois. Estou agora junto com os projetos, pensando nos ócios também!”.

Zélia no palco: a maturidade trazendo uma liberdade revolucionária (Divulgação/ Reprodução/Instagram)

Zélia no palco: a maturidade trazendo uma liberdade revolucionária (Divulgação/ Reprodução/Instagram)