*Por Vítor Antunes
Uma mulher afirmativa, Zezé Motta sempre foi atuante nas causas que movem a sociedade. Uma das músicas gravadas por ela, “Senhora Liberdade”, de Nei Lopes e Wilson Moreira, foi tema do processo de redemocratização do Brasil e das eleições diretas. Suas personagens e canções também refletiam seu posicionamento quanto à causa negra. E sempre abraçou as mais plurais causas em prol do próximo. Em decorrência de estarmos no mês em que se discutem políticas de prevenção à mulher no tocante ao câncer de mama, a artista foi convidada pela Fundação Laço Rosa para ser madrinha do projeto que objetiva chamar a atenção para a neoplasia mamária e que tem como missão ajudar pacientes com câncer de mama e seus familiares a atravessarem os impactos do diagnóstico com otimismo e conhecimento. Em entrevista exclusiva, a atriz fala também sobre a onda de ódio e de racismo que recebera após declarar seu apoio a Lula, candidato do PT que tenta retornar à Presidência. Segundo Zezé, esse movimento ferino oriundo das redes sociais “é triste”. Ainda no tocante a questões sócio raciais, Zezé lembra do preconceito do qual fora alvo, durante as gravações da novela “Corpo a Corpo”, onde vivera um romance interracional com o galã Marcos Paulo (1951- 2012), e da objetificação sexual das mulheres – negras ou não – do qual também fora vítima após o sucesso cinematográfico “Xica da Silva”.
A CHAVE DOS SEGREDOS
Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), o câncer de mama é a patologia mais incidente em mulheres em todo mundo com aproximadamente 2,3 milhões de casos novos estimados em 2020, o que representa 24,5% dos casos novos por câncer em mulheres. É também a causa mais frequente de morte por câncer nessa população, com 684.996 óbitos estimados para esse ano (15,5% dos óbitos por câncer em mulheres)”. No Brasil, ainda segundo o INCA, a neoplasia mamária só perde para o câncer de pele não melanoma. Tanto a incidência como a mortalidade provocadas pela doença se avolumam a partir dos 40 anos. Isto posto, iniciativas como o Outubro Rosa, são importantes por trazerem luz não só ao tratamento como para a prevenção da patologia, que surge de forma silenciosa, quase em segredo. Zezé Motta, em parceria com a ONG Laço Rosa, apoia a campanha Outubro Rosa, para trazer à tona formas de conscientizar e prevenir o câncer de mama.
Zezé se diz muito contente em fazer parte da iniciativa: “Estou feliz com o convite, realmente foi muito especial ser madrinha da campanha esse ano. Como já conhecia o projeto me senti em casa, em outros anos estive como convidada e hoje estar como madrinha é uma honra. Falo isso, porque nos dias de hoje – no atual momento – com as redes sociais ficou ainda mais fácil de chegar às informações e espalhar amor. E eventos como esse da Fundação Laço Rosa representam muito para nós mulheres, um verdadeiro alerta”. Como forma de iniciar o mês de conscientização do Outubro Rosa, o Cristo Redentor, foi iluminado na cor da campanha na noite do dia 4. Além disto, durante todo o mês, ações, como o Bazar Laço Rosa contarão com 12.000 peças especialmente selecionadas e doadas pela Shein, uma websérie será gravada tendo como protagonistas onco-influenciadoras – ou seja, influencers que vivenciaram o câncer – e haverá também um programa de educação em um formato de game que vai levar informação sobre câncer de mama para as escolas públicas e privadas do Brasil, além de uma experiência de linguagem próxima a um reality no qual temas como o Câncer de Mama, como o feminismo, sexo, morte e preconceito farão parte das atividades.
É muito importante usarmos a nossa voz em causas tão importantes como essa. Conheço de perto o trabalho da Laço Rosa e a forma como todas vêm lutando para combater o câncer de mama, uma doença muito cruel e que atinge anualmente milhares de mulheres no Brasil e no mundo. É importante ressaltar que elas trabalham muito na disseminação de informação de qualidade – Zezé Motta
TODO CORPO EM MOVIMENTO ESTÁ CHEIO DE INFERNO E CÉU
A militância negra não é novidade para Zezé Motta. São costumeiras as entrevistas que a atriz concede abordando questões sobre o tema. Em decorrência das eleições, e da polarização política oriunda destas, Zezé foi alvo de ofensas de cunho racista por haver se posicionado favoravelmente ao candidato Lula. Isso gerou uma forte onda de hate em suas redes sociais. A artista lamentou o ocorrido: “Vejo como um retrocesso na humanidade. A redes sociais, infelizmente, têm seus pontos negativos, e este é um deles. É triste! Infelizmente estamos propícios a isso nesse “espaço” sem lei e as ondas agressivas só crescem nas redes.
Quem faz esse tipo de ataques não pensa no outro e o quanto de mal está fazendo ao próximo, além de se acharem no direito de falarem o que querem por trás de uma tela. Eles sabem e fazem isso por que saem impunes das atitudes” – Zezé Motta
Ainda antes das redes sociais, quando os leitores mandavam cartas aos jornais criticando ou elogiando os produtos exibidos na TV, algo que acontece no Twitter hoje, e na época onde se media a aceitação de uma novela através de pesquisas nas ruas, Zezé Motta viu-se diante de uma grande grita preconceituosa do público, que não admitia que sua personagem na novela “Corpo a Corpo”, a arquiteta Sônia, namorasse – e casasse com Cláudio, vivido por Marcos Paulo (1951-2012). Na página “Cartas dos Leitores”, do Jornal do Brasil, segundo apontou Zezé ao documentário “A Negação do Brasil”, de Joel Zito Araújo, um leitor disse, entre outras ofensas, “que se fosse ator, negaria-se a beijá-la”.
Sobre esta novela e acerca desta relação inter-racial vivida na trama de 1984, Zezé comenta: “‘Corpo a Corpo’ trouxe temas à frente do seu tempo, como a questão da ascensão da mulher, machismo e racismo. Lembro-me que, durante a novela, fizeram uma pesquisa nas ruas perguntando o que as pessoas achavam do casal Sônia e Claudio e chocantes, muito violentas”. A atriz prossegue dizendo que até mesmo a co-autora da trama, Leonor Bassères (1926-2004), assustou-se ao flagrar o preconceito de forma ainda mais próxima àquela que imaginava: “Leonor disse que um dia, assistindo a novela com seu neto, o menino disse que achava muito feia a questão da descriminação racial presente na novela, dizendo logo depois que, se quando ele crescesse, se apaixonasse por uma negra, casaria com ela. A afirmativa fez com que a escritora tomasse um susto só de pensar na possibilidade. Ou seja, às vezes o preconceito está ali adormecido e a pessoa nem sabe”. Zezé prossegue dizendo: “Levo isso como aprendizado pra vida e penso apenas o quão lindo foi viver essa personagem”. Não apenas em “Corpo a Corpo”, Zezé interpretou personagens não estereotipadas pela sociedade. Em “A Próxima Vítima”, a atriz viveu uma matriarca de classe alta, numa família plena de negros. E Zezé Motta comemora a mudança de cenário, depois de muita luta, pela inclusão de atores pretos interpretando protagonistas.
Hoje estamos vivendo em outros tempos em que temos direito de fala e lugares. Isso é importante demais para nossa sociedade e para o nosso país – somos plurais. As minhas personagens nessas duas novelas citadas foi um começo para um novo olhar para a vida real e da teledramaturgia. Foi um passo importante em todos os contextos – Zezé Motta
MUITO PRAZER, EU SOU ZEZÉ!
Em seu álbum de estreia como cantora, Zezé Motta teve uma canção escrita por Rita Lee. Esta música, que também foi a primeira canção de trabalho do disco, revelava que havia uma outra mulher para além daquela impressa nas telas do filme “Xica da Silva“, de Cacá Diegues: a da escravizada fogosa que conquistou o contratador João Fernandes (Walmor Chagas). Embora pareça óbvio que atriz e personagem não são a mesma pessoa, não era assim que os parceiros de Zezé a enxergavam: “Quando fiz “Xica da Silva”, estava solteira e cheguei a me relacionar com uma pessoa daquela trama. Depois, quando a história acabou e eu fiquei mulher livre de compromissos afetivos as pessoas com quem me relacionei na época sempre citavam a Xica antes, durante ou depois do sexo. Então, na época, me lembro que um deles chegou a comentar: ‘Quando o filme se torna realidade?’. Ou seja, eu tinha o dever de ser a Mulher-Maravilha na cama, de modo que eu ficava muito no mise-en-scène e esquecia do meu prazer, porque não podia decepcionar”.
A personagem interpretada de forma magnífica por Zezé Motta no cinema, seria, vinte anos mais tarde, adaptada para a televisão através de Walcyr Carrasco e Walter Avancini na extinta TV Manchete. Nesta nova versão, a escrava-que-virou-rainha foi vivida por uma iniciante Taís Araújo, cabendo à Zezé Motta interpretar sua mãe. “Foi um momento muito especial na minha carreira, aliás, é até hoje. Foi um desafio aceito e realizado com muito amor tanto na primeira versão como na segunda. E estar do lado do Avancini foi sensacional e a nossa relação era a melhor possível”.
TRILHA SONORA DA SENHORA LIBERDADE: EU VI MAMÃE OXUM CLAREAR A CACHOEIRA
Todos os subtítulos desta matéria fazem referência a uma outra vertente da fecunda carreira de Zezé: a música. Todos são de músicas às quais ela deu voz. Todos não. Quase todos. Este último é o trecho de uma das ocasiões onde, em vez de emprestar sua voz, ela foi musa. Zezé Motta foi, em 2017, o enredo da Acadêmicos do Sossego, escola de Niterói, que disputava, na ocasião, o Acesso ao Grupo Especial do carnaval carioca: “Foi uma homenagem linda! Emocionante demais. Amo o samba, amo o carnaval, foi uma coisa inesquecível ter o meu nome como tema de desfile em uma escola de samba. É uma felicidade única. Fiquei muito honrada por essa homenagem que eles fizeram pra mim”.
Mulher guerreira, fusão das águas dos rios e ventania. Só parecem ser estas atribuições opostas quando não se é filha de Oxum Opará. A “maluquete” de Rita, a “crioula” de Moraes. Do dourado do abebé à cor do café. Muito prazer, Zezé.
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