*por Vítor Antunes
Muito se diz entre os nascidos e criados em Mangueira, que estes são “de Mangueira“, e não “da Mangueira” .A distinção sutil serve para separar os “crias” dos que não convivem naquela comunidade, ou que apenas usufruem da escola de samba. A estes chamam “da Mangueira“. Tanto que foi assim que a verde-e-rosa batizou seu enredo de 1998: “Chico Buarque DA Mangueira“. Yasmin Londuik é de Mangueira. Nascida e criada naquela comunidade, a atriz passou por muitos desafios para se estabelecer na profissão. Chegou a vender brownies e empadão para custear o sonho e hoje brilha nas séries do streaming, como em “Tudo Igual, SQN“, “A Magia de Aruna“, Disney+, e no longa “O Primeiro Natal do Mundo” do Prime Video, no qual viveu a filha do Lázaro Ramos. A atriz ressalta porém, que, ainda que haja muitos produtos do streaming e da TV incluindo pessoas negras em seus elencos e portfolios, muito se deve a um modismo: “(…) A indústria só pensa em vender uma perfeição que não existe! E agora que “preto tá na moda”, é isso que importa para muitos. Infelizmente ainda acho um modismo. Já perdi muitos papéis pra atrizes de pele mais clara que a minha, com o cabelo “menos armado” e até mesmo pra atrizes brancas. E mesmo com tantos protagonistas pretos hoje em dia, ainda tem muita coisa a ser melhorada”.
Fruto de projetos sociais da Mangueira, Yasmin acredita ser importante que hajam essas iniciativas que possam tirar crianças do desamparo. Ela mesma foi aluna dessas iniciativas bancadas pela escola de samba e já teve acesso ao seu Ensino Fundamental, bem como à prática esportiva: “O projeto ‘Clube Escolar‘ da Mangueira tinha vários esportes, lanche para os matriculados, e apoios. Eu estudava de manhã e treinava ginástica rítmica à tarde. (…) Isso me deu muitas oportunidades na vida”, analisa.
CENÁRIO DE BELEZA QUE A NATUREZA CRIOU
Yasmin celebra um 2023 virtuoso. Interpretou muitos personagens importantes. Um deles, foi em “O Primeiro Natal do Mundo” do Prime Video, no qual viveu a filha do Lázaro Ramos. Segundo a atriz, “Lázaro em muitos momentos me deu força, acreditou em mim, no meu talento”. Mas muito do encontro deles se orientou através das questões afirmativas. Falamos muito sobre ser preta e frequentar ‘lugar de gente branca‘, conquistar espaços que por muito tempo diziam que eu nunca chegaria lá. Lazinho me ensinou a ser mais forte do que já sou para enfrentar esses novos desafios da carreira e da vida. Através desta personagem, que veio no melhor momento possível, aprendi que sou capaz de conquistar meus objetivos e realizar sonhos!”, exulta. Porém, para ela, a inclusão de artistas afro ainda permeia por outras questões estruturais.
A indústria só pensa em vender uma perfeição que não existe! E agora que “preto tá na moda”, é isso que importa pra eles, a nossa verdadeira história, nossa negritude, nossas raizes, são deixadas de lado – Yasmin Londuik
Nascida e criada no morro de Mangueira, perguntamos se a atriz e artista plástica encontrou desafios, preconceitos ou barreiras para se estabelecer na profissão, sendo preta e favelada. E ela disse que eles não foram poucos. “Sempre encontrei, ainda que nunca tenha deixado de acreditar em mim. Em 2019, por exemplo, passei o ano inteiro vendendo empadão e Brownie na escola. Minha mãe me ajudava a fazer. Cheguei mesmo a fazer panfletagem na rua para pagar meu curso sozinha já que meus pais não tinham condições e eu era menor de idade e não podia trabalhar oficialmente, só estudar”.
A contrário do pensamento geral, muito dos investimentos que a verde-e-rosa recebe, vão para os projetos sociais que a escola de samba abriga. Em alguns deles, Yasmin esteve presente, já que é cria daquele morro: “Passei a minha infância e adolescência toda lá. Por ser moradora, tive direito a bolsa 100% na Escola Tia Neuma, onde estudei do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental”. A escola integra a Rede Santa Mônica Centro Educacional, escola particular tradicional do Rio de Janeiro e fica na Vila Olímpica da Mangueira. Yasmin prossegue dizendo que, através da Escola Tia Neuma, “conheci o projeto ‘Clube Escolar‘ da Mangueira que tinha vários esportes, lanche pros matriculados, e sempre tinha apoio da Ação Global [iniciativa de amparo social ministrada pela Globo], tudo sem custo. Eu estudava de manhã e treinava Ginástica Rítmica à tarde, o que foi muito importante pra mim e pra minha família e me deu muitas oportunidades na vida”, destaca.
Diferente do que possa parecer, a escola de samba entrou na vida de Yasmin não a partir da Mangueira, a tradicional, mas da Mangueira do Amanhã, agremiação mirim derivada da Velha Manga: “Quando o projeto Clube Escolar acabou, eu parei com os outros esportes e entrei pra equipe de Ginástica Rítmica da Vila Olímpica da Mangueira. Ocasião em que comecei a desfilar na escola mirim, na Ala Coreografada. Sempre foi um desafio pra mim por ser mais cansativo que uma apresentação normal, mas a energia do Sambódromo não se compara”.
Durante anos, a atriz viveu a realidade da Vila Olímpica e dela ia direto para casa. Mas, conforme a maturidade foi chegando, resolveu fazer algo diferente. “Aos 16/17 anos eu já pensava em mudar. Foi quando decidi modelar, já que eu era alta e magra por conta da Ginástica Rítmica. Em 2019 fiz meu primeiro curso de publicidade, TV e cinema e me apaixonei mais pela atuação”. Além de “A Magia de Aruna” e “O primeiro Natal do Mundo“, Yasmin participou de “Tudo igual, SQN”.
MENINA MULHER DA PELE PRETA
Em “A Magia de Aruna“, a temática é mais voltada para uma abordagem infantojuvenil. Não só a tônica costuma ser diferente como a própria narrativa e tratamento, quer por parte da direção, quer por parte dos atores. Na série do Disney+, a atriz vive uma menina muitos anos mais jovem que ela “É muita responsabilidade ser adulta e interpretar uma jovem de 15/16 anos, até por conta de essa também ser a idade do público que nos assiste. Amei fazer “A Magia de Aruna”, foi como voltar a ser adolescente – sem a parte ruim da adolescência”, diverte-se.
O seu objetivo para a carreira enão apenas para 2024 é “ser protagonista, interpretar personagens que dançam e juntar esses meus dois mundos artísticos”, mas tal como todo ator, ela também deseja fazer uma malvada “desejo fazer uma vilã, alguém muito diferente de mim”. Fundadora da Mangueira do Amanhã, Alcione será homenageada pela escola a qual torce. No ano que vez, o enredo da Mangueira é “Negra Voz do Amanhã“. Yasmin é fruto da Mangueira do Amanhã. E uma voz que floresceu, entre o morro e seus barracões de zinco. É a prova de que a “Mangueira chegou”.
Créditos:
Fotos Priscila Nicheli
Styling Samantha Szczerb
Beleza Luan Milhoranse
Artigos relacionados