Yara de Novaes: atriz de ‘Malu’ ressignifica ‘loucura’ e fala de adjetivos pejorativos: ‘Devo ter tido fama de louca’


Aos 58 anos, Yara de Novaes se entregou inteiramente ao projeto “Malu”, uma homenagem à atriz Malu Rocha, que morreu em 2013. A ideia da obra partiu do diretor Pedro Freire, filho da artista na vida real, que buscou abordar as dores e conflitos intergeracionais femininos. Na narrativa, ele dá espaço para que as atrizes Carol Duarte e Juliana Carneiro da Cunha também brilhem como filha e avó, respectivamente. Ao site, a intérprete da protagonista reflete sobre a loucura sem medo dos adjetivos pejorativo que perseguem as mulheres: “O excesso dela tinha a ver com a incapacidade de se submeter às regras da masculinidade; uma maneira de dizer ‘não’ às imposições do sistema; uma incapacidade de negociar com os seus algozes. Quando isso acontece, aparecem todos esses adjetivos que desqualificam uma mulher. No meu caso, por ser uma artista que imagina, que inventa, também, em algum momento, devo ter tido essa pecha de louca”

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*por Luísa Giraldo

Desde que “Malu” foi lançado nos cinemas, Yara de Novaes, 58 anos, está ganhando o mundo. A artista mergulhou de corpo e alma no processo de conexão com a protagonista, a atriz Malu Rocha (1947-2013), mãe do escritor e diretor Pedro Freire, que, aos 65 anos morreu por complicações de uma doença neurodegenerativa de príon. Como resultado, o longa-metragem recebeu, nesta semana, os prêmios de Melhor Filme e Melhor Atriz no 27º Festival Internacional de Cine de Punta del Este, no Uruguai. Em novembro, ela também foi premiada no Cairo International Film Festival, no Egito. Em conversa com o site, a atriz belo-horizontina reflete sobre a “loucura feminina”, frequentemente associada a mulheres que não seguem normas e padrões pré-estabelecidos pela sociedade, uma característica-marca da personagem. 

A primeira coisa que fiz foi não patologizar a minha relação com a Malu. Provavelmente, [a doença] era um aspecto da Malu Rocha que nem eu mesma sabia. Nunca houve diagnóstico, apenas suposições. Sempre entendi a loucura da personagem como algo produzido socialmente, pelas circunstâncias — Yara de Novaes.

Yara constata que a personagem foi uma mulher artista em um momento em que inexistiam questionamentos sobre a descredibilização das dores e dos sentimentos femininos. A atriz observa que a “loucura” atribuída à Malu também se relaciona com a invisibilização da mulher nos anos 1990.

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A atriz reflete sobre a loucura (Leo Lara/Universo Produção/Divulgação)

“O excesso dela tinha a ver com a incapacidade de se submeter às regras da masculinidade; uma maneira de dizer ‘não’ às imposições do sistema; uma incapacidade de negociar com os seus algozes. Quando isso acontece, aparecem todos esses adjetivos que desqualificam uma mulher”, reflete ela.

Sem vergonha dos estigmas e adjetivos pejorativos, Yara afirma semelhanças entre as duas.

No meu caso, por ser uma artista que imagina, que inventa, também, em algum momento, devo ter tido essa pecha de louca — Yara de Novaes.

Feminismo e representação da mulher no cinema

A representação da complexidade feminina nas artes deve ser feita com bastante cuidado e sensibilidade. Yara de Novaes entende que mais profissionais estão se empenhando para tratar das dores e dos traumas das mulheres nas telas.

“O cinema tem feito isso com muita excelência. Vários dos filmes que mais me marcaram tiveram protagonistas femininas. Citando alguns brasileiros, [lançados] nos últimos tempos: ‘A vida invisível’, ‘Aquarius’, ‘Carvão’, ‘Bem-vinda’, ‘Violeta’, ‘Que Horas Ela Volta’, entre outros. O cinema tem nos ajudado a avançar. Temos grandes mulheres na direção e na produção desses filmes”, identifica.

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Yara de Novaes é premiada como Malu (Divulgação)

Por outro lado, a atriz exalta o trabalho de Pedro Freire, diretor de “Malu”, que fez o filme em homenagem à carreira artística da mãe, Malu Rocha (1947-2013). Em um contexto que valoriza a dinâmica feminina e a ancestralidade, a obra conta com as atuações de Carol Duarte e Juliana Carneiro da Cunha, que dão vida à filha e mãe da protagonista, respectivamente.

“Trabalhar com o Pedro Freire foi maravilhoso. Além de ser o roteirista e ter vivido com a Malu, ele é um excelente diretor de atores. Me deram muita liberdade para me conectar com a Malu. O dentro e o fora da personagem foram bem trabalhados”, avalia a intérprete.

Ao exaltar o eixo familiar avó-mãe-filha no filme, Yara reconhece a importância da dinâmica feminina para a trama. Outros aspectos imprescindíveis são a dor e o trauma intergeracionais, destaca ela.

O que é mais importante é perceber como essas três gerações partilham de uma mesma dor, de um mesmo conflito, e como elas lidam de modos disruptivos ou recorrentes com essa herança. Isso acontece com todas nós. Ao observarmos nossas avós, bisavós e mães, vamos nos enxergar com mais clareza, perceber como a nossa linhagem feminina se expressou e como nós nos expressamos a partir delas — Yara de Novaes

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Yara de Novaes critica a loucura atribuída à mulher pela sociedade (Divulgação)